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Cientistas propõem plano para recongelar os polos da Terra

Ele consiste em liberar determinadas substâncias químicas na atmosfera - e, segundo um novo estudo, poderia frear o aquecimento global e recuperar as calotas polares. Mas seria viável?

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 out 2022, 14h28 - Publicado em 14 out 2022, 08h25

Texto Rodrigo Oliveira e Bruno Garattoni

Se o aquecimento global está causando o derretimento das calotas polares, que tal espalhar uma camada generosa de “protetor solar” sobre elas? A ideia partiu de um grupo de pesquisadores americanos, liderados por um professor da Universidade Yale.

Num estudo publicado na revista Environmental Research Communications, o climatologista Wake Smith e seus colegas explicam como a coisa poderia funcionar: liberando partículas microscópicas na atmosfera, que refletiram parte da radiação solar de volta para o espaço – o suficiente para interromper, e reverter, o derretimento dos polos. Segundo os cientistas, as geleiras da Groenlândia, no Polo Norte, e da Antártida, no Polo Sul, seriam resfriadas em 2 ºC.

Isso também ajudaria a conter a elevação do nível do mar, que tem crescido, em média, 3,6 milímetros a cada ano. Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, estima-se que 410 milhões de pessoas estarão em risco por conta de inundações costeiras até o final deste século – sendo a maior parte, 300 milhões, já em 2050.

O projeto consiste em pulverizar dióxido de enxofre (SO2) sobre os polos a cada ano – uma parte durante a primavera, outra no verão. A técnica de intervenção climática utilizada leva o nome de “injeção de aerossol estratosférico” (SAI, na sigla em inglês).

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Ele seria liberado a 13 quilômetros de altitude (pouco acima do nível de cruzeiro dos jatos comerciais), e se combinaria com a água para compor aerossóis. Em seguida, formaria uma névoa de gotículas minúsculas, que refletiriam a radiação solar. E isso causaria o resfriamento dos polos – contendo o derretimento do gelo.

O dióxido de enxofre seria liberado em latitudes acima de 60 graus (para baixo ou para cima da linha do Equador) em ambos os hemisférios. Ou seja, a partir da região de Anchorage, no Alasca, ao Norte, e da ponta da Patagônia, ao Sul. O dióxido de enxofre é uma substância naturalmente liberada pelos vulcões – cujas erupções têm um efeito resfriador sobre a Terra.

Segundo os pesquisadores, menos de 1% da população mundial e quase nenhuma agricultura seriam afetadas pelo projeto de pulverização – uma vantagem sobre a maioria dos projetos de SAI, que preveem impactos de maior abrangência. 

O plano também envolve riscos. A pulverização poderia interferir com as monções, um fenômeno climático relacionado à formação das chuvas, e causar secas, especialmente no continente africano. Também poderia aumentar a incidência de chuva ácida, um fenômeno prejudicial à vida das plantas, peixes e animais.

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Os cientistas dizem que não fazer nada, e deixar o aquecimento global seguir sua trajetória (enquanto a humanidade tenta, e não consegue, reduzir as emissões de CO2 no nível necessário), seria pior para o planeta. Mas o maior porém do projeto é que ele, talvez, seja pura e simplesmente inviável. Por várias razões.

 

175 MIL VOOS POR ANO

Primeiro problema: quem comandaria a empreitada? Os pesquisadores não definem isso, mas sugerem que seria necessário ter um controle centralizado, evitando disputas de soberania do espaço aéreo e outras complicações. Isso já criaria uma enorme disputa geopolítica – afinal, embora o projeto só preveja pulverizar as áreas mais ao Norte e ao Sul da Terra, poderia ter consequências sobre o clima de outras regiões do planeta também. 

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Outra barreira diz respeito à esquadrilha necessária. O projeto prevê o uso de aviões-tanque, um tipo de cargueiro que é usado para reabastecimento aéreo (e tem capacidade para transportar grande quantidade de combustível ou outras substâncias). Mas as aeronaves desse tipo que existem hoje, como o Boeing KC-46 e o Airbus A330 MRTT, não conseguiriam levar o dióxido de enxofre até à altitude necessária.

Seria preciso um novo avião. Os pesquisadores propõem o desenvolvimento de uma aeronave, batizada de SAIL-43K, especialmente para as missões. Considerando-se o custo de projetar e fabricar uma frota de 125 aviões SAIL-43K, o custo total do programa seria de US$ 11 bilhões. 

ilustração
Avião pulverizador SAIL-43K, que seria usado para pulverizar dióxido de enxofre sobre os polos da Terra. (Environmental Research Communications/Reprodução)

No Hemisfério Norte, não faltam aeródromos que serviriam de bases operacionais. Mas eles precisariam ser modernizados para suportar um ritmo de até 110 decolagens e pousos por hora – ritmo acima, inclusive, do que é visto no Aeroporto Internacional de Atlanta (Hartsfield-Jackson), o mais movimentado do mundo.

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No Polo Sul, seria um pouco mais complicado: a região ideal para os pousos e decolagens não possui áreas continentais, e as ilhas mais próximas são desabitadas, dificultando a construção e operação de bases aéreas. Os cálculos indicam que a preparação dessa infraestrutura toda, incluindo a construção dos aviões e a modernização dos aeroportos, levaria cerca de 15 anos. 

Mas o principal obstáculo é que, segundo os cálculos dos cientistas, seria preciso liberar aproximadamente 12 milhões de toneladas de dióxido de enxofre, metade em cada polo, por ano. Para conseguir isso, os 125 aviões teriam de fazer, juntos, cerca de 175 mil voos por ano. Isso dá mais de 700 missões diárias durante o período de pulverização, que é de quatro meses em cada polo.

Os jatos subiriam por meia hora, liberariam a carga de enxofre em dois minutos, retornariam às bases e passariam a hora seguinte sendo recarregados para a próxima viagem. E assim sucessivamente.

Você deve estar pensando: mas esse monte de voos não emitiria muito CO2, indo na contramão do combate ao aquecimento global? Sim. E o carbono seria liberado na alta troposfera, ponto onde ele é mais prejudicial.

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Também há o fato de que a pulverização de dióxido de enxofre, assim como outros métodos da chamada geoengenharia (tentativa de combater as mudanças climáticas interferindo na atmosfera), nunca foi testada em grande escala. Ela pode ter consequências que ainda não foram previstas. Se algo ruim acontecesse, seria muito difícil ou impossível de reverter – já que não haveria como retirar o dióxido de enxofre do ar.

Ainda assim, o plano é apoiado por experts como David King, que foi cientista-chefe do governo britânico e é fundador do Center for Climate Repair (CCR) da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. “A ideia é ganhar tempo enquanto reduzimos as emissões de gases de efeito estufa profunda e rapidamente”, disse à emissora inglesa Sky News. 

Um relatório recente da ONU estima que, se o ritmo atual de emissões persistir, a temperatura do planeta aumentará em 2,7 ºC até 2100. Caso isso aconteça, o chamado “gelo de verão” do Ártico estará condenado a evaporar. Embora o degelo da Antártida seja menos pronunciado, o local também está aquecendo mais rápido do que a média planetária – e derretendo seis vezes mais do que há 40 anos. 

É um fenômeno muito grave. Mas provavelmente a geoengenharia, em que pese sua possível eficácia, não é a melhor maneira de contê-lo. Parece bem mais seguro, e mais viável, fazer o óbvio: diminuir a quantidade de CO2 emitido pela humanidade. 

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