Coluna Carbono Zero: O aquecimento que gera mais aquecimento
Degelo do Alasca libera gás metano – que retém ainda mais calor na atmosfera.
Texto Salvador Nogueira
Uma das questões mais perniciosas das mudanças climáticas é que estamos falando de um sistema muito complexo, que se retroalimenta.
Um exemplo cada vez mais evidente disso está surgindo no extremo norte das Américas. No Alasca, novos lagos estão brotando do nada – e se tornando impulsionadores poderosos de mais aquecimento.
O aumento da temperatura média, com verões mais quentes, promove o derretimento de permafrost – gelo misturado ao solo, logo abaixo da superfície. Ele se transforma em água e há o colapso da superfície, que afunda. Nasce um lago.
E o maior problema vem em seguida: o material orgânico que até então estava congelado passa a ser consumido por microrganismos metanógenos. Aí esse metano passa a borbulhar da água em copiosas quantidades. E o metano retém 100 vezes mais calor na atmosfera do que o CO2.
Um desses novos lagos ganhou o nome de Big Trail. Cinquenta anos atrás, ele nem existia. Agora, é uma das maiores fontes emissoras de metano no Ártico. E está bem longe de ser a única.
Do Alasca à Sibéria, o processo de derretimento está impulsionando as emissões de metano. Que por sua vez aumentam o efeito estufa. Que por sua vez eleva a temperatura média do planeta. Que por sua vez produz mais derretimento de gelo. E por aí vai, em retroalimentações extremamente perigosas.
No Brasil, existe uma preocupação grande com um processo similar, no que diz respeito à Amazônia. Um desavisado pode achar que, mesmo com a aceleração brutal do desmatamento em anos recentes, ainda resta muita floresta em pé.
O problema é que, segundo modelos climáticos, a Amazônia está chegando a um limite perigoso em que o próprio ecossistema perde sua sustentação. Isso tem a ver com a interação da floresta com o ciclo hidrológico e o regime de chuvas. A partir de um dado encolhimento, a floresta tende a diminuir sozinha, sem qualquer ajuda externa.
É o processo de savanização, que por sua vez terá consequências terríveis para o regime de chuvas nas áreas agricultáveis do Brasil.
São essas interações complexas que fizeram a comunidade internacional aos poucos substituir o termo “aquecimento global” por “mudanças climáticas”. Não quer dizer que o anterior estivesse errado; a Terra de fato está esquentando.
Mas os efeitos vão muito além disso. O mais inteligente a se fazer é batalhar para restaurar o equilíbrio anterior. Para a sobrevivência humana, deixar todo o metano do Ártico borbulhar para a atmosfera (ou permitir que a Amazônia encolha até sumir) simplesmente não é uma opção.