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A cidade da ciência

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 30 abr 1991, 22h00

Gisela Heyman

Há cinco anos, Pierre Saliot, um simpático geólogo mineralogista, abandonou seu laboratório na Escola Normal Superior de Paris para embarcar num projeto grandioso: fazer funcionar o maior museu científico do mundo. A contar pelo número de máquinas, computadores, quadros, filmes, esquemas, maquetes, livros e outros equipamentos que se espalham pelos 150 000 metros quadrados dos sete andares de um prédio extenso feito um trem de metrô, mais alto do que um foguete Ariane, “a ciência é realmente incontornável”, como gosta de dizer Saliot para indicar que ela está presente em tudo nas sociedades atuais.Na Cidade das Ciências e da Indústria, ou simplesmente La Cité, no dizer dos parisienses, encravada no Parque de La Villette, na prosaica ponta nordeste de Paris, podem-se ver, tocar e entender muitos dos equipamentos que dão forma e função ao século XX. Do silicone usado para proteger fachadas de prédios, por se tratar de material hidrofóbico (que não encharca em contato com a água), ao simulador de vôo, ou seja, do que passa despercebido à maioria das pessoas ao que parece ininteligível aos olhos de um leigo, tudo que é fruto da ciência ou da técnica é tratado na Cité de forma simples porém precisa. 

A meta não é propriamente deslumbrar os visitantes com as maravilhas da tecnologia, mas explicar no que consiste a atividade científica e de que modo ela pode influir na vida de cada um. “O público quer saber como as coisas funcionam e como elas interferem na nossa sociedade”, diz o cientista Saliot, hoje um dos diretores de exposições do centro.A Cidade das Ciências e da Indústria foi inaugurada na noite de 13 de março de 1986, quando o Cometa Halley passeava no céu. Desde então, 21 milhões de curiosos se aventuraram por seus corredores, fascinaram-se diante de exposições gigantescas ou simularam o resgate de satélites perdidos no espaço, com a ajuda de uma espécie de assento propulsor, usado pelos astronautas para esse fim. “Nosso maior desafio foi criar um museu tão grande como este sem acervo”, comenta Brigitte Coutant, chefe do departamento de relações internacionais da Cité. “Esse foi um dos motivos pelos quais o fizemos com instrumentos que podem e devem ser usados, experimentados. manipulados pelas pessoas.” De fato, ao contrário de um museu convencional, a maior parte da área da Cité é aberta ao público, e não reservada às coleções.

Os outros motivos que fizeram da Cité um estabelecimento tão pouco tradicional a ponto de merecer, a rigor, o nome de museu, já tinham levado os americanos a criar centros de lazer e de cultura científica para as grandes massas. O Exploratorium, de San Francisco, e o Museu do Ar e do Espaço, de Washington, foram pioneiros da filosofia sintetizada na expressão science is fun (ciência é divertido) — uma nova forma de conceber a divulgação do conhecimento. Ninguém vai a museus para ler cartazes intermináveis e incompreensíveis”, argumenta Brigitte. Ao dosar com habilidade pedagogia e divertimento, a Cité acertou o ponto. O público que diariamente invade esse enorme laboratório inclui desde crianças de 3 anos a anciãos de 80. Vai-se à Cité visitar uma exposição, consultar a vasta biblioteca (260 000 volumes), estudar ou assistir de graça a filmes e vídeos sobre assuntos variados.A espinha dorsal da instituição é sua exposição permanente, chamada Explora. “Ela serve para mostrar que desde as suas origens o homem vive uma aventura extraordinária e arriscada”. declama o presidente da Cidade das Ciências e da Indústria. Roger Legards, um administrador de empresas que, paradoxalmente, não tem formação científica alguma e jamais trabalhou em organizações ligadas à pesquisa. 

“Para acompanhar tal aventura. abordamos seis temas centrais: o Universo, a vida, a matéria, o trabalho, o homem e a comunicação.” Ao percorrer o labirinto de 30 000 metros quadrados da Explora, por sinal o maior espaço destinado a exposições permanentes em toda a Europa. descobrem-se bizarros equipamentos, como a bola de som, um balão inflado com gás carbônico que, ao focalizar” o som da voz, se transforma numa espécie de concha acústica, permitindo que duas pessoas sentadas a sua volta, mas a 5 metros de distância uma da outra, mantenham uma conversa reservada, como se estivessem tête à tête.Outros engenhos mais complexos, como o computador dotado de um programa especial, testam a acuidade do ouvido do visitante. A poucos passos dali, o suiveur de regard, que se pode traduzir por “rastreador de olhar”, registra os complexos movimentos dos olhos de um leitor. E esse descobre que ao folhear um livro, a vista não se desloca regularmente, da esquerda para a direita, como parece. Na seção de informática, evidentemente uma das mais procuradas, um autêntico simulador de vôo, com instrumentos de bordo, imagens, sons e um sistema computadorizado que permite que as decisões do piloto sejam tratadas em tempo real costuma criar rivalidades entre pais e filhos, todos disputando a vez de pousar num dos três aeroportos oferecidos pelo jogo. Antes de manipulá-lo porém, é preciso algum preparo para a aventura. Por isso dois filmes. Imagens do simulador e Avião, modo de usar, orientam os aeronautas novatos.

Para os que preferem histórias de velhos (ou novos) lobos-do-mar, a Cité criou um espaço onde se conta em detalhes a conquista dos oceanos e se disserta sobre a vida marinha. Uma maquete em tamanho real do submarino francês Nautille, o mais moderno destinado à exploração das águas profundas, mostra como foi construído, como funciona e quais as possibilidades do engenho. Outros tantos modelos computadores, jogos e miniaturas aproveitam cada canto da ultramoderna arquitetura da Cité para cumprir a missão que é sua razão de estar ali: “Explicar e não dar respostas prontas”, nas palavras do geólogo Pierre Saliot.Não saberia dizer quantos equipamentos interativos (que permitem a participação do público) estão em funcionamento na Cité”, reconhece Brigitte Courant. “Só sei que para mantê-los em atividade várias equipes trabalham diariamente e os defeitos não ultrapassam 5%, o que é fabuloso.” Ao todo, 1000 pessoas trabalham ali. Para abrir suas portas seis dias por semana neste ano de 1991, a Cidade das Ciências e da Indústria gastará 722 milhões de francos (cerca de 144 milhões de dólares), dos quais 80% bancados pelo governo francês. “O restante vem da venda de ingressos (35 francos ou 7 dólares, em média), do aluguel de exposições para museus do mundo inteiro e de convênios com importantes indústrias”, contabiliza Brigitte Coutant. Esses convênios permitem a empresas como Apple, Philips, Kodak ou Matra montar exposições no recinto da Cité. 

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Elas contribuem também na organização do Inventorium, um espaço concebido especialmente para crianças.Montar uma exposição não é o que se pode chamar tarefa simples. Da escolha do tema à abertura ao público, na melhor das hipóteses lá se vão dois anos. Para acertar o justo meio-termo entre simplicidade e exatidão, vários grupos de controle, integrados por cientistas, examinam desde a oportunidade de se abordar determinado assunto até um simples enunciado explicativo fixado num equipamento qualquer. “Tudo que se pretende mostrar ao público passa pelas mãos de Paul Carot, o delegado de assuntos científicos”. ressalva Pierre Saliot. “Depois o assumo é estudado por um conselho, que analisa a forma pela qual o tema será apresentado. Finalmente, para cada área específica da exposição, existe um comitê científico, integrado por pessoas que trabalham em entidades de pesquisa, centros de tecnologia ou indústrias de ponta.”Tudo somado, esses comitês e os que elaboram textos, ajudam a escolher fotografias e cuidam de todos os pormenores podem mobilizar 500 cientistas —para uma única exposição. “Alguns chegam a se transferir para a Cité, ficando um ou dois anos conosco em regime de dedicação integral lembra o sempre entusiástico Saliot. A política de exposições da Cidade das Ciências parte da premissa de que o público prefere a abordagem por atacado de uma questão grande complexa. em vez de pequenas mostras dedicadas a aspectos particulares de um tema. Nessa linha, o assunto de 1991 ali é a comunicação. “Vamos cercá-la de todos os lados”, promete Saliot.

O grande Parque de La Villette, com 35 hectares de área, abriga ainda a Cidade da Música (um conservatório de música e dança), um cinema com tela em 180 graus chamado Géode, além, naturalmente. dos espaços dedicados às exposições. O conjunto foi construído num dos muitos lugares que fizeram a história de Paris. Durante um século de 1867 até os anos 1970, quando o congelamento em grande escala modificou o comércio de carnes, a Villette era conhecida como o grande abatedouro e principal mercado do gênero da capital francesa. Quando o abate passou a ser feito nos próprios centros de criação de gado, a região foi abandonada. Em 1977, o então presidente Valéry Giscard d’Estaing criou uma “missão de estudos” para decidir se valia a pena construir ali um museu científico. Com a conclusão positiva, escolheu-se o arquiteto, Adrien Fainsilber, e a Cité começou a tomar forma.A Villette é o maior parque da cidade”, compara Brigitte Coutant. Do antigo mercado, preservou-se apenas o prédio central, a Grande Halle. Tudo o mais foi construído nos moldes da arquitetura contemporânea que ao longo da década passada fariam de Paris uma das capitais mais modernas do mundo. Além do próprio prédio da Cité, chama especial atenção a Géode. Dentro dessa esfera de aço polido com 36 metros de diâmetro, uma tela abobadada e um avançadíssimo sistema de projeção produzem efeitos dignos de George Lucas. Filmes sobre o corpo humano, o espaço ou o fundo do mar transmitem à platéia—1,1 milhão de espectadores em 1990—uma inigualável sensação de realismo. Filmes, encontros e debates participam agora da comemoração dos cinco anos da Cidade. Vamos aproveitar e fazer um balanço da experiência, anuncia Brigitte Coutant. “Mas não temos a menor dúvida de que nesse período alcançamos todos os objetivos e que o público não se cansou de descobrir aqui o mundo técnico e científico que permeia nosso dia-a-dia”.

 

 

 

 

Para saber mais:

A casa dos horrores nucleares

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(SUPER número 11, ano 3)

 

 

 

 

 

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