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A rainha do mar, a baleia

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 31 ago 1988, 22h00

O pequeno barco navega vagarosamente nas águas geladas do Ártico, como se procurasse algo. De repente, um pungente grito ecoa, quase que abafando o ruído do motor — é o apelo desesperado de uma cria de baleia. De algum lugar, das profundezas do oceano, a maior de todas as mães emerge, atendendo ao apelo. Nesse momento, vulnerável, ela é atingida em cheio pela ponta explosiva de um poderoso arpão. A caçada termina. Há 4 mil anos o homem vem perseguindo as grandes baleias, como provam as descobertas arqueológicas no norte da Noruega, que revelam o início remato dessas implacáveis matanças.

Mas nenhuma arma usada pelo homem contra as baleias é tão traiçoeira como essa fiel reprodução do grito de um filhote gravada em fita magnética. Um alto-falante submerso na ponta de uma haste ecoa o chamado nas profundezas, atuando de forma arrebatadora sobre as fêmeas dos cetáceos, atraindo-as para a superfície, bem diante da mira de um arpão. Se não podemos computar como afeto ou compaixão certas atitudes comuns entre as várias espécies de baleias é, principalmente, porque ainda muito pouco se conhece da potencialidade de seus cérebros.

Para o cetologista (especialista em baleias) americano Roger Payne, o cérebro de uma baleia pode ser tão complexo quanto o humano. E acrescenta: “Ela usa apenas uma parte insignificante de seu enorme cérebro para resolver os problemas mais corriqueiros de sobrevivência e, possivelmente, aciona o resto em funções que não podemos sequer imaginar”. E é no mínimo excitante pensar o que pode fazer uma criatura com 90 por cento de um cérebro de 10 quilos. Alguns pesquisadores mais ousados já arriscaram: música. Aliás, foi o próprio Roger Payne quem primeiramente notou que certas baleias produzem composições sonoras muito próximas daquilo que convencionamos como música.

Assombrado com o que acabara de gravar nas profundezas da região das Bermudas, Payne apresentou o resultado ao maestro André Kostelanetz, da Rockefeller University. Imediatamente, o maestro entrou em contato com o compositor Alan Hovhaness, sugerindo-lhe a fantástica empreitada de compor uma sinfonia concedendo destaque especial ao solo de uma Megaptera novaeangliae, ou baleia-corcunda, a “cantora” apresentada por Payne. A obra “E Deus criou as grandes baleias”, uma notável composição, inspirada numa citação do Gênese, foi apresentada pela Filarmônica de Nova York, em junho de 1970.

Sete anos depois, foi colocado a bordo das naves Voyager um disco revestido de ouro, concebido para levar a música e os sons do nosso planeta para além do sistema solar, como uma mensagem numa garrafa. Os engenheiros da NASA, além de sinfonias, ruído de chuva e trovões, incluíram o canto das baleias. O significado dessa estranha música ainda não foi descoberto. De um modo geral, os cetáceos costumam colocar suas potentes emissões sonoras a serviço de uma notável façanha submarina: a ecolocalização. Algumas vezes, os sons parecem realmente estar buscando informações sobre a localização de alimentos, rota de navegação ou limite do território da espécie. Ou então passando adiante essas mesmas informações. Em outras ocasiões, porém, estariam associados a um momento de puro bem-estar do cetáceo.

Nesses instantes, a baleia deixa escapar da laringe um poderoso som de 200 decibéis, o equivalente a uma turbina a jato. Muitos especialistas em comportamento animal interpretam esse grito como uma simples afirmação de existência. Assim, o canto mais vigoroso de que se tem notícia poderia significar algo como “sou uma baleia e estou aqui”, e ser captado a algumas centenas de quilômetros. Nada mal para uma criatura que não possui cordas vocais e cujo canto seria o equivalente dos nossos gemidos. A música das baleias-corcundas ( Megaptera novaeangliae), gravada por Roger Payne, é composta de uma série de acordes que duram trinta ou cinqüenta minutos ininterruptos.

Depois de um pequeno intervalo, os acordes retornam com a mesma “partitura”. Durante muitos dias, a emissão sonora permanece inalterada. Mas, pouco a pouco, vão sendo acrescentadas novas harmonias e desaparecendo outras. O estudo dessas variações revelou que as baleias-corcundas realizam verdadeiros coros submarinos, com a participação exclusiva de machos durante a época da reprodução. Eles entoam sua melodiosa manifestação desde o princípio da estação reprodutiva, alterando-a gradativamente até o término da temporada. Ao final, o canto se torna bem diferente daquele inicial.

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No ano seguinte, quando retornam de longas jornadas por mares mais frios ao mesmo local de acasalamento e reprodução, começam a cantar juntos exatamente a mesma melodia entoada no final da temporada anterior. É quase como se dissessem uns para os outros: “Lembram-se daquela nossa velha canção?” Ao que tudo indica, os machos das baleias-corcundas empregam esses sons em sofisticados duelos sonoros, a fim de cativar a atenção de suas fêmeas. Sem dúvida, uma forma elegante de resolver um problema que tem custado, a outros animais, muito sangue e suor.

O canto como sinal de presença ou de identificação deve alcançar sua maior importância no cotidiano de muitas espécies de baleias que vivem em sociedade. É gritando uma com as outras que elas se reúnem, formam verdadeiros haréns em torno de um macho mais velho e tentam se entender. Também gritando, invariavelmente, se ajudam, enfrentando qualquer tipo de dificuldade, navegando juntas durante meses, quando abandonaram os mares gelados na época da procriação. Como os gigantescos nenês devem nascer em águas mais tépidas, o grupo viaja, às vezes, mais de 6 mil quilômetros.

Os recém-nascidos, dependendo da espécie, chegam a mamar 500 litros de leite por dia. É o que acontece, por exemplo, com um filhote de baleia-azul (Balaenoptera músculos): durante o longo período de aleitamento, ele chega a engordar, em média, 4 quilos por hora, na fase de crescimento. Isso significa que um balaenopterozinho engorda quase 100 quilos por dia, durante sete meses, quando então deixa de mamar. Ele, que nascera com o peso de 3 toneladas, chega então às 20 toneladas. Ainda bem pouco para um animal que irá atingir a surpreendente marca de 200 toneladas quando adulto.

A baleia-azul é o maior e mais pesado animal que jamais existiu. Nenhum dinossauro, peixe ou qualquer outro mamífero poderia, como ela, equilibrar numa balança o peso de quarenta elefantes ou, se preferir, 2 500 homens. Essa gigantesca massa corporal ocupa um comprimento de 30 metros e confere à baleia-azul o aspecto de um soberbo salsichão que, se fosse pendurado do décimo andar de um prédio, iria tocar o solo. Comparado ao tamanho descomunal do corpo, o cérebro de 10 quilos é algo insignificante em volume e peso.

Para muitos especialistas, esse fato já é suficiente para colocar as baleias e elefantes muito atrás de outros animais numa escala de inteligência. Na opinião deles, uma grande área do cérebro desses animais ficaria empenhada apenas na tarefa de comandar as contrações da enorme massa muscular. Para o professor W.L. Sanvito— neurologista da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa em São Paulo —, a relação cérebro/volume total do corpo é fundamental para se determinar o grau de inteligência de uma espécie. Seguindo esse raciocínio, Sanvito acrescenta: “Nas espécies de inteligência superior há uma nítida predominância do cérebro nessa relação que, se é notável nos primatas, adquire a mais alta expressão no homem”.

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Entretanto, nos pequenos e familiares golfinhos—cetáceos como as baleias—existe uma curiosa e inquietante relação entre o peso do corpo e o do cérebro. Algumas de suas quase vinte espécies, como, por exemplo, os golfinhos amestrados dos espetáculos, possuem este índice mais elevado que a espécie humana. Isso não quer dizer que os golfinhos tenham levado a nossa “taça de Q.I.” para o fundo do mar. Contudo, já podemos olhá-los— em função de sua inteligência—como algo muito próximo aos chimpanzés, pois ambos, depois de amestrados, se eqüivalem na realização de fantásticas proezas.

E, se uma ou outra vez, os primatas levam alguma vantagem diante dos olhos arregalados dos cientistas, logo adiante os golfinhos recuperam as atenções da platéia. Talvez um dia a ciência deixe mais claros os limites e potencialidades da inteligência dos cetáceos. Por enquanto, permanecemos diante de cérebros sofisticados que operam no escuro e no frio das regiões abissais e que, de vez em quando, nos revelam uns poucos segredos de seu estranho mundo: enigmáticas canções e um imenso e incontido desvelo maternal.

 

 

 

Um fim à matança?

A Comissão Internacional da Pesca da Baleia, na reunião anual em Auckland, na Nova Zelândia, proibiu a pesca “cientifica” dos baleeiros japoneses. Um acordo anterior havia permitido a caça desses mamíferos em extinção apenas para estudos. O Japão havia usado esse acordo para justificar a caça de quase 300 baleias minke, somente este ano. Na última reunião, no ano passado, o governo japonês havia conseguido a autorização para caçar 825 baleias minke e 50 cachalotes, o que os analistas internacionais consideraram demasiado, mesmo que fosse para fins científicos.

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O valor da pesca das baleias para colher dados genéticos e fisiológicos ficou extremamente reduzido depois que novas técnicas, criadas no Departamento de Genética da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, foram divulgadas: uma pequena amostra da pele da baleia é retirada com um dardo, num procedimento considerado indolor e inofensivo para o animal; a partir dai é possível discriminar linhagens e até mesmo paternidade, identificando a distribuição geográfica e o padrão reprodutivo da espécie. Assim, a caça às baleias fica restrita aos esquimós e outras tribos ou raças que tradicionalmente usam os animais para assegurar o seu próprio meio de vida.

Em dezembro do ano passado, um projeto de lei toi sancionado pelo presidente da República, acabando com a pesca da baleia no Brasil. Essa medida encerrou as atividades da Copesbra (Companhia da Pesca Norte do Brasil), empresa dedicada a pesca desses mamíferos desde 1912. O alvo principal da Copesbra era a baleia-minke, que, com suas 7 toneladas de peso médio, fornecia 3,5 t de filés, 1,26 t de ossos, 36 kg de barbatanas, 56 kg de língua, 63 kg de fígado, 63 kg de intestinos, 42 kg de nadadeiras, 7 kg da cartilagens, 280 kg de papo e 980 kg da toucinho.

Para resolver o problema do desemprego gerado pela desativação da Copesbra, há uma sugestão apresentada pela União Internacional Protetora dos Animais: o plantio da jojoba, uma planta muito resistente ao clima do Nordeste, cuja semente produz um óleo capaz de substituir o da baleia, por ser melhor lubrificante e ter as mesmas características químicas e físicas

 

 

 

Cinco espécies no Brasil

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Baleia-minke

Balaenoptera acurostrata

10 metros

Ela costeia a África, até o equador, para então voltar à Antártida, pelo litoral brasileiro. Era desprezada pelos caçadores, mas, depois que as baleias maiores rarearam, 12 mil espécimes são abatidos por ano.

 

 

Baleia corcunda

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Megaptera novaeangliae

15 metros

Esta é a baleia cantora, uma espécie que costuma vir bem perto das praias.Foi muito perseguida durante os anos 20. Hoje devem reatar pouco mais de 6 mil exemplares no mundo.

 

 

Cachalote

Physeter catodon

18 metros

É o maior dos cetáceos de dentes. Fornece o âmbar cinzento, uma substância produzida no seu intestino, que é um valioso fixador usado em perfumaria. Muito perseguidos, existem hoje apenas 500 mil espécimes

 

 

Baleia-franca

Eubalena glacialis

18 metros

Esta espécie já foi muito comum no litoral sul do Brasil. Mesmo depois de ter a sua caça proibida na década de 30, era ainda capturada até 1974. Seu hábito de navegar junto à costa faz dela uma presa fácil.

 

 

Baleia-fin (de barbatana)

Balaenoptera physalus

25 metros

Navega por todos os oceanos e é a segunda maior baleia, perdendo apenas para a baleia-azul. Muito perseguida nos anos 50, sua população mundial é de 100 mil Indivíduos.

 

 

 

Um cérebro quase tão complexo quanto o humano

Todos os cetáceos se caracterizam por apresentar um índice elevado da relação cérebro/corpo—que é mais Importante que o peso isolado do cérebro para se avaliar o grau de sofisticação de uma espécie Um golfinho em particular, o Tursiops truncatus, conhecido por suas habilidades nos shows amestrados, chamou a atenção dos cientistas pela inteligência. O cérebro do golfinho possui maior número de circunvoluções e peso superior ao humano; o índice cérebro/corpo, no entanto, o coloca entre o homem e o chimpanzé. O Tursiops tem um sofisticado sistema de comunicação através de silvos, que servem para brincadeiras, trocas de informações, alarmes em situações de perigo, pedidos de socorro e ainda para localizar e identificar os alimentos.

 

 

 

A ecolocalização

O alimento predileto do cachalote é a lula-gigante, que mede 16 metros, de comprimento e vive nas profundezas de até 1 000 metros. Para localizar essa descomunal criatura, o cachalote mergulha emitindo um possante ruído e aguarda o retorno do eco. Com esse verdadeiro sonar, ele encontra a sua presa e arrasta-a para a superfície. O cachalote pode permanecer submerso durante 75 minutos, sem subir para respirar.

 

 

 

Assassinas só no nome

Se a maioria das pessoas que mora nas grandes cidades não tem sequer a chance de conhecer cavalos ou bois, ainda mais remota é a possibilidade de ver de perto alguma baleia. Elas formam suas comunidades em alto-mar, preferindo geralmente as águas geladas dos oceanos próximos aos pólos. A única oportunidade de encarar-mos de frente algum desses animais, que medem, na menor das espécies, 8 metros, é nos shows aquáticos. As orcas, ou baleias assassinas, como são conhecidas, são ensinadas a pular, jogar bola com o nariz ou mesmo carregar o treinador nas costas.

Apesar do seu pouco simpático apelido, elas não são hostis ao homem. Foram chamadas de assassinas por costumarem atacar pingüins e até mesmo outros mamíferos, como focas e leões-marinhos, quando famintas. Mas seu cardápio habitual é de peixes. Além disso, as orcas são consideradas a espécie mais poderosa de sua família, curiosamente, a mesma dos golfinhos. Isto quer dizer que não existem predadores para ela; as causas de sua morte são a velhice ou a doença.

Treinar um animal desse porte não é tarefa. fácil. São meses de tentativas diárias para que treinador e baleia coordenem seus movimentos. Atualmente, no Playcenter, em São Paulo, os treinadores Oscar Cardoso e Paulo César Cirilo tentam andar sobre a barriga e as costas de Samoa, uma carinhosa orca, enquanto ela nada girando sobre si mesma. Para os treinadores, as orcas têm a inteligência equivalente à dos seus primos, os golfinhos, e podem superar a dos macacos. Além da ração diária de 80 quilos de peixe, a orca pede muito carinho. A cada minuto, o treinador tem que dar tapinhas e beijinhos em sua cabeça. Ignorá las é, portanto, a pior punição.

Assim também são com seus filhotes: dóceis e protetoras. No Sea World de Orlando, na Flórida, Baby Shamu, o único que sobreviveu, dos cinco filhotes nascidos em cativeiro, nada ao lado da mãe imitando todos os seus movimentos. O treinador, para ela, é dispensável. Em alto-mar, formam sociedades matriarcais, com grupos de até cinqüenta baleias. Nenhum órfão é rejeitado. As simpáticas orcas têm um espírito de grupo de fazer inveja a muita gente.

 

 

Para saber mais:

Falsas assassinas

(SUPER número 5, ano 8)

 

O monstro em perigo

(SUPER número 9, ano 9)

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