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A reconquista da Lua

Nos próximos dois anos, mais de 10 países pretendem realizar ou participar de missões lunares. Desde os EUA, que finalmente lançaram ao espaço a Artemis I, até a China, que disputa com os americanos uma corrida para chegar ao polo sul da Lua – e a Rússia, que retomou seu programa após 46 anos. Índia, Japão e Coreia do Sul também estão indo. Veja por que a exploração lunar recomeçou num ritmo jamais visto.

Por Salvador Nogueira e Bruno Garattoni
Atualizado em 24 ago 2023, 11h43 - Publicado em 20 out 2022, 14h55

Texto Salvador Nogueira e Bruno Garattoni
Ilustração Davi Augusto
Design Carlos Eduardo Hara

Texto originalmente publicado em outubro de 2022.

QQuando Eugene Cernan fechou a porta do LM-12, o módulo lunar da Apollo 17, e se tornou o último homem a pisar na Lua, o mundo era outro. Em 1972, a China vivia o caos da chamada Revolução Cultural, uma violenta onda de perseguição ideológica iniciada por Mao Tsé-Tung – e seu PIB era dez vezes menor que o americano.

Ninguém poderia imaginar que, cinco décadas depois, ela seria a segunda maior força econômica e espacial do mundo, alcançando rapidamente os EUA. Também seria difícil prever o fim da URSS e a trajetória da Rússia, que se aproximou do Ocidente mas agora voltou a um forte isolamento, detonado pela Guerra da Ucrânia. E quem diria que a exploração lunar, a coisa mais cara e complexa que a humanidade já fez, não ficaria restrita às superpotências e também chegaria ao alcance de países menos poderosos – ou até de empresas privadas?

Tudo isso está acontecendo. Os avanços da China, a tensão geopolítica entre EUA e Rússia, a evolução tecnológica e a descoberta de água congelada na Lua (que pode viabilizar a construção e operação de uma base por lá) desencadearam uma nova corrida: nos próximos 18 meses, nada menos do que seis países pretendem realizar missões lunares.

Com um horizonte um pouquinho mais largo, dois anos e meio, são mais de dez nações. Incluindo os chineses, que em 2019 pousaram uma sonda no lado oculto da Lua, e agora tentam alcançar o polo sul lunar antes dos americanos – que planejam fazer uma missão tripulada em 2024 e pousar astronautas na Lua já no ano seguinte. E a Rússia está retomando seu programa Luna, que na década de 1970 enviou dois rovers (robôs com rodas) para lá – algo que o país pretende começar a fazer novamente em 2023.

O primeiro grande passo dessa nova corrida lunar foi dado pela Nasa, com a Artemis I. A agência tentou lançar essa missão em 29 de agosto e em 3 de setembro, mas enfrentou problemas técnicos. Dia 16 de novembro, enfim, ela decolou com sucesso. O voo, que não é tripulado, tem por objetivo testar o superfoguete SLS (Space Launch System) e a cápsula Orion. O SLS é imenso, com tamanho e empuxo (força) similares aos do Saturn V, usado no programa Apollo. Já a cápsula Orion é o veículo que, em 2024, levará humanos a orbitar a Lua pela primeira vez desde 1972.

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Não foi barato ou rápido construí-los. O SLS teve seu projeto oficialmente iniciado em 2011, e já custou mais de US$ 23 bilhões (em valores corrigidos pela inflação). Já a Orion, com capacidade para levar até quatro pessoas, está sendo desenvolvida desde 2006 e consumiu outros US$ 22 bilhões. O objetivo era tê-los prontos em 2016. Como se vê, atrasou.

A Orion até que andou mais depressa – ela teve um voo preliminar, suborbital, em 2014. Já o SLS atrasou bem mais. Isso mesmo ele usando, basicamente, a mesma tecnologia desenvolvida durante o programa dos ônibus espaciais: seus propulsores RS-25 são os mesmos das velhas naves reutilizáveis da Nasa.

A agência tem um estoque com 16 deles, que sobraram do Space Shuttle e serão aproveitados no novo foguete, desta vez para uso único (sem reutilização, como acontecia nos ônibus espaciais).

O perfil da missão Artemis I lembra um pouco a incrível Apollo 8, primeira a levar humanos à órbita lunar, em dezembro de 1968. Conduzida apenas com o módulo de comando da Apollo (que fez o papel equivalente ao da Orion), ela foi até a Lua, inseriu-se em órbita, voltou a acender seus motores e retornou à Terra, seis dias após a partida.

Seu remake versão século 21, contudo, mostra ambições superiores. A receita é praticamente a mesma, mas a nave passará mais tempo em volta da Lua, e numa órbita mais larga, a 70 mil km de distância da superfície. Quando estiver lá, a Orion será a nave tripulável a ir mais longe em toda a história da exploração espacial – chegando a quase meio milhão de km da Terra.

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E a missão será longa, passando pelo menos 26 e talvez até 42 dias no espaço antes de retornar (isso dependerá de quando ela for lançada, com as posições relativas da Terra e da Lua naquele momento).

Thumb para o infográfico do programa lunar americano da NASA.
Clique para abrir o infográfico. (Davi Augusto/Superinteressante)

Neste primeiro lançamento de teste, não houve gente à bordo. Isso só deve acontecer na missão Artemis II, que está prevista para 2024 (veja no infográfico acima). Mas haverá muita ação lunar até lá, cortesia de diversos países – alguns deles embarcados na própria Artemis I. Além de levar a cápsula Orion, o foguete carrega dez caroneiros: os CubeSats. São minissatélites construídos, em boa parte, com componentes “de prateleira”, que já estão disponíveis no mercado. E, por isso, são muito mais baratos.

A Artemis leva sete CubeSats americanos, um italiano e dois japoneses. Itália e Japão estão entre os parceiros espaciais mais fiéis dos EUA, e fazem parte dos Acordos Artemis, que foram assinados em 2020 e incluem 21 países, dentre eles Brasil e Ucrânia. Duas grandes ausências são a Rússia e a China: elas se sentiram preteridas nas discussões, pois os EUA apresentaram de forma unilateral o texto dos acordos, sem discussão prévia.

A Rússia vive um momento crítico, e isso se reflete também nas atividades espaciais. O lento declínio da indústria de foguetes russa passa por aperto ainda maior depois da invasão da Ucrânia, que levou parceiros tradicionais, como os países europeus, a cancelarem colaborações (foi o caso do rover marciano ExoMars, que agora a Europa vai tentar desenvolver sem os russos). Até mesmo o aparentemente inabalável casamento entre Rússia e EUA na Estação Espacial Internacional parece, por vezes, estar perto de ruir.

Numa tentativa de demonstrar força, a Rússia segue propagando planos espaciais ousados, como a construção de uma sucessora para a Mir – a Russian Orbital Service Station (ROSS), uma estação espacial cujos módulos já estariam sendo construídos pela estatal Roscosmos.

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Há sérias dúvidas sobre a capacidade de o país, ainda mais sob sanções econômicas, executar esse projeto. Mas os russos talvez consigam concretizar sua outra ambição: retomar a exploração lunar com sondas e rovers – algo em que eles foram pioneiros.

Os rovers e a deusa

O programa soviético Luna é o mais antigo da história da exploração lunar. Seu primeiro grande feito foi fotografar de forma pioneira o lado oculto do nosso satélite natural (que está sempre de costas para a Terra), com a Luna 3, em 1959.

Dali em diante foram mais de 30 tentativas de lançamento, com vários fracassos e alguns grandes sucessos, como as missões Luna 17 e Luna 21, que levaram os rovers Lunokhod 1 e Lunokhod 2 – este último percorreu 39 km em solo lunar, um recorde até hoje insuperado (o jipinho lunar da Apollo 17, que era dirigido por astronautas, rodou 35 km).

O programa terminou com a missão Luna 24, de 1976, que trouxe de volta 170 gramas de amostras de solo lunar – nas quais cientistas soviéticos detectaram a presença de água (uma descoberta que só seria confirmada pela Nasa décadas depois). A Rússia trabalha na Luna 25 desde a primeira década dos anos 2000. No começo, a ideia era fazer parcerias com Japão e Índia, mas os projetos acabaram cancelados.

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Outro contratempo foi o fracasso da sonda russa Phobos-Grunt, lançada em 2011 para coletar amostras em Phobos, uma das luas de Marte. Ela falhou logo após o lançamento, não chegou a sair da órbita terrestre. Isso aumentou a pressão – e os conflitos – no desenvolvimento da Luna 25.

Ela estava prevista para 2022, mas teve problemas e ficou para o ano que vem. O sensor Doppler, que mede e controla a velocidade de descida da sonda, não funcionou como esperado e haveria 20% de chance de um pouso malsucedido, risco que a Roscosmos preferiu evitar. Mesmo quando (e se) tudo estiver ok, a Luna 25 não será simples, pois os russos pretendem pousar dentro de uma cratera (veja no infográfico abaixo).

Thumb para o infográfico do programa lunar russo Luna 25.
Clique para abrir o infográfico. (Davi Augusto/Superinteressante)

Se isso der certo, eles serão os primeiros a alcançar uma determinada região do polo sul lunar – que é cobiçada por todos os programas espaciais, porque tem água congelada. A Nasa tenta chegar lá antes, primeiro com o veículo Viper e depois com astronautas: está estudando 13 possíveis locais de pouso para a missão tripulada Artemis III, que em 2025 pisará em solo lunar. Todos eles ficam no polo sul.

Esse também é o principal alvo da China – que, ao contrário da Rússia, está com tudo e mais um pouco em seu programa lunar, o Chang’e (a deusa da Lua na mitologia chinesa). Tudo começou de forma até modesta em 2007, quando os chineses lançaram o satélite orbitador Chang’e 1.

Operando por pouco mais de um ano, ele produziu imagens da superfície lunar e abriu caminho para uma versão mais complexa, a Chang’e 2, que fez mapas de alta resolução, inclusive registrando os locais de pouso das missões Apollo. Em 2013, a Chang’e 3 realizou o primeiro pouso bem-sucedido na Lua desde 1976, colocando o pequeno rover Yutu em sua superfície.

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Em 2019, a China mostraria a capacidade de ser pioneira em um grande feito espacial: com a Chang’e 4, o país asiático se tornou o primeiro a pousar com sucesso um artefato no lado afastado da Lua. O rover Yutu-2 segue operacional por lá. A última missão chinesa foi a Chang’e 5, de 2020, que realizou a primeira coleta automatizada de amostras lunares desde a soviética Luna 24, no final dos anos 1970.

Já estão planejadas, para 2024, as missões Chang’e 6 e 7. A primeira fará um retorno de amostras do polo sul lunar (pois é, sempre ele) e a segunda fará um pouso na mesma região, levando até lá um rover e uma sonda voadora.

Thumb para o infográfico dos programas lunares chineses Chang'e 5, 6 e 7.
Clique para abrir o infográfico. (Davi Augusto/Superinteressante)

Os chineses já se sentem confortáveis em tocar seu programa espacial sem depender de parceiros internacionais. Mas isso não quer dizer que eles não queiram exercer influência. Para se contrapor aos Acordos Artemis, a China e a Rússia discutem um acordo entre si, que pode servir de base para a construção de uma estação lunar conjunta.

De concreto, há o planejamento das missões Luna e Chang’e, que cada país está tocando por conta própria. Mas, se o acordo sair, a partir de 2026 os dois países trabalharão juntos na criação de uma base lunar, que mais tarde poderá ser ocupada por tripulações, a partir de 2036.

Por enquanto, isso é mais jogo de cena do que plano real. Mas os chineses também têm uma iniciativa própria, já em andamento, para levar astronautas à superfície lunar. Naves e foguetes estão sendo desenvolvidos, e a meta é realizar a primeira missão tripulada ao solo do satélite natural por volta de 2030. E quando os chineses falam que vão fazer, pode anotar porque vão mesmo.

Outros países, ainda que sem a ambição de realizar voos tripulados, também estão avançando em seus programas lunares, com o envio de sondas, satélites e rovers. A lista inclui Japão, Coreia do Sul e Índia, mas também tem nomes mais surpreendentes, como Emirados Árabes e México. Até o Brasil tem planos de colocar um minissatélite na órbita lunar, em 2025.

A Lua internacional

A missão coreana KPLO (Korean Pathfinder Lunar Orbiter) já partiu agora em agosto, a bordo de um foguete Falcon 9, da SpaceX. De acordo com Chae Kyung Sim, cientista do Instituto de Astronomia e Ciência Espacial da Coreia, esse “é o primeiro passo para assegurar e verificar a capacidade de exploração espacial coreana, e obter novas medições científicas da Lua”. “Estamos gostando de entrar nessa nova onda de missões lunares”, diz ela. Em dezembro, a KPLO vai chegar bem mais perto da Lua que a cápsula Orion, da missão americana Artemis I.

Ela vai orbitar a meros 100 km da superfície (uma distância similar à das antigas missões Apollo), deve operar por ao menos um ano e conta com seis instrumentos, cinco deles desenvolvidos na Coreia do Sul e um fornecido pela Nasa. Trata-se da ShadowCam, uma câmera ultrassensível que vai investigar as áreas mais sombreadas da Lua, fornecendo “a primeira visão em alta resolução das regiões lunares permanentemente escuras”, explica Mark Robinson, cientista da Universidade Estadual do Arizona e responsável pelo equipamento. O objetivo é gerar informações que possam orientar a futura extração de gelo na Lua.

Também há interesse científico em outros instrumentos da missão sul-coreana, como a PolCam, que produzirá o primeiro mapa completo da Lua usando luz polarizada. Isso poderá fornecer detalhes sobre a estrutura e o tamanho dos materiais da superfície, com base na forma como eles espalham a luz. O magnetômetro da sonda, por sua vez, ajudará a estudar como foi possível à Lua ter tido um campo magnético forte em seu passado – apenas uma das questões que ainda intrigam os cientistas.

“A verdade é que tem muita coisa que a gente ainda não sabe sobre a Lua”, diz Cássio Barbosa, astrônomo do Centro Universitário FEI, em São Bernardo do Campo (SP). “As poucas visitas e coletas de amostras feitas até hoje nos dão um cenário geral, mas é impossível explicar a história de uma área equivalente a um continente inteiro com apenas meia dúzia de excursões a locais relativamente pequenos, e imagens feitas da órbita.”

A própria formação da Lua ainda é algo em debate. A teoria consensual diz que ela é fruto do impacto de um grande corpo celeste, de porte planetário, com a Terra, nos primórdios do Sistema Solar.

O material ejetado e colocado em órbita coalesceu para formar o satélite. “Mas ainda há muitos detalhes a serem revelados, e boa parte disso depende de termos mais amostras, de mais locais, que ajudem inclusive a estudar a composição do interior da Lua”, diz Barbosa. A missão KPLO é a primeira da Coreia do Sul, mas não será a última. Nos planos, há até mesmo uma ambiciosa tentativa de retorno de amostras, marcada para 2030.

Thumb para o infográfico dos programas lunares KPLO (Coreia), Chandrayaan-3 (Índia), Hakuto-R e SLIM (Japão).
Clique para abrir o infográfico. (Davi Augusto/Superinteressante)

Outro país asiático que está de olho na Lua, e não é de hoje, é a Índia. Em 2008, os indianos lançaram seu primeiro orbitador lunar, o Chandrayaan-1, que apesar de ter durado menos do que o esperado (era para ser uma missão de dois anos, mas acabou com 312 dias) produziu resultados espetaculares – como a detecção de água congelada nos polos lunares, algo que de certo modo colocou a humanidade na corrida para a Lua novamente.

A ambiciosa Chandrayaan-2, desta vez contando com orbitador e módulo de pouso, mais um rover a bordo, teve sucesso apenas parcial, em 2019. O orbitador segue operando, mas o pousador Vikram falhou durante a tentativa de descida, se espatifando na superfície, após uma falha de software.

Os indianos foram rápidos em preparar uma nova tentativa, e a Chandrayaan-3 já poderia ter partido em 2022. Contudo, para checar todos os sistemas e aumentar as chances de sucesso, a equipe da Isro (a agência espacial indiana) decidiu adiar para 2023.

Vale destacar que os indianos fazem tudo por conta própria: não só produzem as espaçonaves, como também os foguetes. Trata-se de um programa espacial bem avançado, que muitas vezes passa despercebido na mídia ocidental.

Completando o quarteto de asiáticos (ou quinteto, se você contar a Rússia como parte da Ásia) na corrida para a Lua, temos o Japão. O país já teve um orbitador, que operou entre 2007 e 2009, chamado Kaguya. Agora a missão será mais avançada, de pouso. A SLIM (Smart Lander for Investigating Moon) pretende demonstrar não só a capacidade de descer à superfície, mas fazê-lo com um nível de exatidão inédito.

Já houve alunissagens com precisão bem razoável no passado (vale lembrar a Apollo 12, que pousou a menos de 200 metros da sonda Surveyor 3; mas ela foi pilotada por um humano, Pete Conrad, em novembro de 1969).

A SLIM quer elevar isso a um novo patamar, pousando a menos de 100 metros de um alvo designado. “O pouso de precisão é uma tecnologia mandatória para a próxima geração de exploração lunar”, declarou Shin-ichiro Sakai, gerente do projeto SLIM na Jaxa, a agência espacial japonesa.

A missão tem lançamento marcado para até março de 2023, a bordo de um foguete H-IIA, da Mitsubishi Industries. A exemplo dos indianos, trata-se de uma missão completamente nacionalizada. E pode acabar nem sendo a primeira missão de pouso japonesa.

Quem vai tentar roubar essa primazia é a empresa nipônica ispace, responsável pelo desenvolvimento de um programa lunar chamado Hakuto-R, que é baseado em um módulo de pouso próprio. Se tudo correr bem, a empresa espera se lançar à Lua ainda em 2022, a bordo de um foguete Falcon 9, da SpaceX.
E levando mais um país na garupa.

A Lua privada

A ispace surgiu em 2008, com o objetivo de disputar o Prêmio X Lunar Google, que pagaria US$ 20 milhões a quem enviasse uma espaçonave capaz de viajar 500 metros pela superfície da Lua. A iniciativa terminou em 2018, sem que qualquer empresa conquistasse a premiação maior, mas a companhia japonesa seguiu trabalhando – e começou a montar a Hakuto-R em julho do ano passado.

Além de transportar várias cargas úteis, o módulo deve levar também o pequeno Rachid, um rover lunar desenvolvido pelo Centro Espacial Mohammed bin Rashid, dos Emirados Árabes Unidos.

Será a primeira missão lunar desse país, que tem construído um programa baseado em parcerias internacionais, rapidamente adquirindo know-how para missões de espaço profundo. Basta lembrar que em 2021 chegou a Marte o primeiro orbitador dos Emirados, batizado de Hope e desenvolvido em parceria com universidades americanas.

Se a viagem da ispace der certo, ela será a primeira missão comercial a alcançar a Lua. Isso quase aconteceu em 2019, quando a empresa SpaceIL, de Israel, lançou o módulo de pouso Beresheet – ele falhou na descida, e se espatifou na superfície lunar. Há planos para uma Beresheet 2, com lançamento em 2024, mas seu futuro segue incerto.

Por outro lado, não há dúvida de que haverá muitas missões comerciais à Lua nos próximos anos. A própria Nasa decidiu adotar esse modelo, contratando “carretos lunares” operados por empresas privadas. Esse programa, o Commercial Lunar Payload Services, já fechou contratos com várias empresas, algumas das quais devem tentar os primeiros voos entre 2022 e 2023.

Duas estão na fila para decolar até dezembro deste ano: a Astrobotic, com a missão inaugural de seu módulo de pouso Peregrine, que levará alguns rovers inovadores desenvolvidos pela Spacebit (numa parceria entre EUA, Reino Unido e Ucrânia) e um microrrover chamado Colmena, desenvolvido pela Universidade Autônoma do México.

Já a Intuitive Machines, outra participante do programa, pretende inaugurar seu módulo de pouso Nova-C com um voo marcado para 22 de dezembro de 2022, embarcado num foguete Falcon 9, da SpaceX. Até a japonesa ispace tem um pezinho nos carretos da Nasa, em parceria com a empresa americana Draper. Elas vão desenvolver um módulo de pouso baseado no Hakuto-R – que deverá alcançar o lado oculto da Lua em 2025.

Tudo isso só está acontecendo por conta de uma transformação na indústria espacial: o menor custo das missões privadas. “As empresas, puxadas pela SpaceX, estão reduzindo o custo de colocar cada 1 kg de carga em órbita para um décimo, ou até um centésimo, dos valores praticados apenas dez anos atrás”, afirma o engenheiro espacial Lucas Fonseca, diretor do Instituto Garatéa – grupo responsável pelo projeto Brazil 200, que ambiciona promover a primeira missão nacional à Lua.

O grupo negocia o envio de uma bandeira brasileira digital em 2022, a bordo da missão da japonesa ispace. Seria a primeira de uma série de atividades anuais, culminando com o envio de um minissatélite brasileiro à órbita lunar, em 2025. Ele poderia ser lançado a bordo de um foguete privado, como os da SpaceX.

A empresa de Elon Musk, que domina de forma avassaladora o mercado de lançamentos espaciais, tem a expectativa de fechar 2022 tendo realizado mais de 50 voos. Com o foguete Falcon 9, ela de cara reduziu em 90%, em média, os custos de lançamento.

Isso sem levar em conta o fato de que, pela primeira vez, um foguete tinha um primeiro estágio reutilizável – que pousa em pé (em vez de cair no mar) e pode ser reaproveitado, gerando mais economia. Hoje, a SpaceX tem em seus hangares vários veículos que já fizeram mais de dez idas ao espaço.

A evolução da tecnologia também estimulou o surgimento de foguetes lançadores de pequeno porte. Embora eles acabem saindo mais caros, por quilo de carga transportado, do que foguetes grandes, como o Falcon 9 ou o Falcon Heavy, seu custo total de lançamento é bem mais baixo.

Quem puxa a fila é a empresa Rocket Lab, instalada na Nova Zelândia. Com seu pequeno foguete Electron, de capacidade similar à do defunto VLS (Veículo Lançador de Satélites) que foi desenvolvido pelo Brasil entre 1980 e 2003 (e não chegou a ter um voo bem-sucedido), ela tem viabilizado missões menores.

A primeira missão lunar impulsionada por um Electron decolou em 28 de junho, carregando o satélite CubeSat Capstone, desenvolvido pela Nasa. O lançamento do foguete saiu por US$ 10 milhões, e o satélite, outros US$ 13 milhões, no que provavelmente foi a missão lunar mais barata até hoje. E os custos devem cair ainda mais.

Mas essa missão ultra-low-cost tem como objetivo avaliar a viabilidade de um projeto caríssimo: ela vai testar a órbita na qual a Nasa pretende construir a Lunar Gateway, uma nova estação espacial.

Ela estava prevista para 2024, e serviria como um ponto de parada para os astronautas das missões Artemis. Mas vai atrasar – sua montagem só começará com a missão Artemis IV, em 2027. O preço também pode ser um problema: uma auditoria feita pela Nasa estimou que os custos do programa Artemis podem superar os US$ 90 bilhões já em 2025. O Apollo custou US$ 257 bilhões, em valores atualizados.

Thumb para o infográfico do programa lunar americano da SpaceX.
Clique para abrir o infográfico. (Davi Augusto/Superinteressante)

Para dar o próximo passo na ocupação da Lua, a Nasa decidiu apostar alto num programa experimental da SpaceX, o Starship, com o qual pretende fazer o primeiro pouso lunar tripulado do século 21. Trata-se do veículo lançador mais ousado de todos os tempos.

Ele será mais potente que o foguete Saturn V, das missões Apollo, mas também terá a versatilidade dos ônibus espaciais (capazes de levar carga e tripulação, bem como fazer pousos controlados e precisos) e será 100% reutilizável. Vai permitir até reabastecimento em órbita.

Tudo isso ainda precisa ser demonstrado, e a SpaceX corre para realizar o primeiro teste orbital do veículo. Até agora, ocorreram apenas pequenos voos suborbitais. Na melhor das hipóteses, o Starship estaria pronto para levar humanos à superfície da Lua em 2025.

Já o cronograma real é bem incerto. Mas, se o projeto vingar, a humanidade terá pela primeira vez a capacidade de transportar carga pesada até outros corpos celestes. Com o Starship, seria possível levar mais de 100 toneladas de cada vez – um salto decisivo para a construção de uma base na Lua.

A nova era de exploração lunar está só começando – e já promete ser muito mais frutífera do que a primeira.

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