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Alta atividade subterrânea no planeta: vozes do inferno

Chegou-se a pensar num surto de alta atividade subterrânea no planeta, tal a força de alguns desastres recentes. Mas eles são sinais normais de vitalidade da Terra.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 dez 1992, 22h00

Flávio Dieguez e Marcelo Affini

Durante 600 anos, a terrível energia que flui das profundezas se acumulou vagarosamente nos rochas que sustentam todo o Sudoeste Asiático. Em meados de 1991, ela vazou de um só golpe, com a força de milhares de bombas atômicas, pelo topo da Ilha de Luzon, perto de Manilha, capital das Filipinas. A causa da tragédia foram blocos subterrâneos imagináveis, com 100 quilômetros de espessura, que se chocam em toda a borda do Pacífico, onde formam o “cinturão de fogo”, sede de metade de 600 vulcões ativos do mundo. Aprendendo a espionar massas parecidas em toda a Terra, os geólogos esperam explicar não apenas erupções, maremotos e terremotos, mas a própria forma dos continentes e oceanos.

A Terra não é jovem. Com 4,6 bilhões de anos, tornou-se um planeta maduro, de vida bem assentada. Nem por isso se podem excluir surpresas, como um surto transitório e localizado de intensa atividade interna, como a que marcou sua adolescência, há muitos milhões de anos. Algo assim chegou a passar pela mente de algumas pessoas quando somaram as vítimas do vulcão Pinatubo, nas Filipinas, em junho de 1991 — 300 pessoas morreram e 1 milhão perderam o lar. Após 600 anos de silêncio, o vulcão acordou de modo violento: por sua boca, deixaram o fundo da Terra e foram lançados a 20 quilômetros acima da superfície 20 milhões de toneladas de matéria, cifra sem precedente neste século.

O problema é que os subterrâneos da Terra estão intimamente ligados, naquela região: do Sudeste Asiático às ilhas do Pacífico sul, e até o Japão, ao norte. Não é absurdo pensar numa espécie de conspiração do inferno, em sentido quase literal. Sinal disso foi uma distante erupção que precedeu a do Pinatubo em algumas semanas — a do vulcão Unzen, na província de Nagasaki, no Japão. Não admira que inúmeros cientistas procurem vislumbrar — sem vê-las diretamente — as imensas placas rochosas que sustentam continentes e mares no lado oeste do Pacifico.

Oscilações desses assoalhos do mundo, chamados placas tectônicas, ligariam os dois eventos distantes, mas não há como ter certeza. Foi o que apurou a jornalista Fabienne Lemarchand, da revista científica francesa La Recherche. “Sem dados precisos, não se pode estabelecer uma relação entre os dois vulcões.

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” Ela lembra também que há um problema humano superposto aos fenômenos geológicos: a explosão populacional. Inicialmente, a importância da destruição foi superestimada devido à grande população instalada nas suas proximidades (num raio de 80 quilômetros). Mas é justamente por isso que se procura, cada vez mais, bisbilhotar os porões do planeta. Afinal, é certo que as duas explosões se devem a um mesmo tipo de comportamento tectônico — no qual uma placa de tipo oceânico naufraga lentamente no abismo viscoso do interior do planeta.

A placa das Filipinas, por exemplo, sustenta parte do Pacífico e move-se contra a placa Eurasiana — alicerce de dois continentes, Ásia e Europa. É como o embate paralisante de campeões de sumo que se esforçam para deslocar um ao outro. Vez por outra, a borda da placa Indo-australiana resvala para debaixo da placa Eurasiana e a força concentrada no confronto escapa, tomando diversas formas. Uma delas, derivada do forte atrito das placas, é o calor. Ele derrete rochas e forma bolhas fluidas a uma temperatura de até 1 500 graus e mais rarefeitas que a matéria vizinha. Por isso essas bolhas tendem a subir, às vezes por dezenas de quilômetros placa acima, até extravasar à superfície. Não é o que acontece de imediato mas a partir daí está armado o palco de uma grande catástrofe. Talvez um dia se possa auscultar as entranhas e prever terremotos e erupções.Na prática, porém, os desastres podem demorar. Especialmente as erupções que proliferam na borda japonesa do Pacifico, que tendem a bloquear a lava e o gás subterrâneos. Assim, há um lento acúmulo de energia, agora bem perto da superfície, que é repentinamente liberada. Vale notar que a energia é convulsiva: as engrenagens tectônicas giram aos trancos. A erupção do Unzen foi um caso traumático de incerteza, pois foi precedida de alerta geral por parte dos cientistas. Mesmo assim, ela surpreendeu gente experiente. como o casal de vulcanólogos franceses Maurice e Katia Kraft e o geólogo americano Harry Glicken, mortos por ela.

Incerteza ainda maior cercou o mais recente desastre de grande proporção: o terremoto que atingiu a capital do Egito, Cairo, em outubro passado. Com duração de apenas 20 segundos, tempo bastante para destruir 139 edifícios, danificar outros 2 682 e matar mais de 500 pessoas, o tremor espantou o mundo. “Essa região não é sede de grande atividade sísmica”, explica a geóloga brasileira Magda Bergmann. Ele teve origem num fenômeno completamente diferente dos choques tectônicos da Ásia, já que nesse local não há destruição parcial das placas, mas o oposto: há criação de crosta terrestre.

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A matéria fluida ascende de profundezas incríveis — devido à circulação de calor em todo o interior do planeta — e se acumula próximo à fenda entre as placas continentais Africana e Arábica. Em vista disso, ela vaza lentamente para o leito do Mar Vermelho, empurrando uma placa para cada lado. Eventualmente, a matéria subterrânea, chamada de magma, endurece e acrescenta um novo pedaço à casca do mundo. Mas os terremotos também podem ser causados por choque de placas. Foi assim que se destruiu boa parte do território turco, junto à cidade de Erzincan, em março do ano passado. Num intervalo de 48 horas, dois abalos de grande magnitude deixaram um saldo de quase 1 000 mortos e 100 000 desabrigados. Sua energia, avaliada em 6,8 graus na escala Richter — equivalente a 100 bombas como a de Hiroshima —, veio da placa Arábica que afunda sob a placa Anatólica. Ambas são relativamente pequenas e a primeira é uma subdivisão da placa Eurasiana.

Por ser leve, a placa Arábica não chega a se derreter nas profundezas, razão pela qual não produz vulcanismo intenso. Em compensação, a força liberada pelo atrito provoca movimentos ondulantes nas rochas próximas. Foram essas ondas que se traduziram nos terremotos à superfície da Turquia. Outra miniplaca foi responsável pelo grande maremoto que lavou com ondas de até 20 metros de altura 106 cidades da costa oeste nicaragüense e levou à morte mais de 100 pessoas. A fonte da energia, nesse caso, é o mergulho da placa de Cocos — situada junto à América Central — sob a placa Norte-americana. Constantemente castigada pela natureza, a pobre Nicarágua fica numa região de grande turbulência geológica. Além do mergulho, ou subducção, da placa de Cocos, ela sofre também com o atrito entre a placa Caribenha e a Norte-americana.

Esta última é famosa porque não deixa os habitantes da Califórnia, nos Estados Unidos, dormirem tranqüilos: ali ocorrem cerca de 10 000 abalos sísmicos por ano. O motivo é a enorme falha de San Andreas, ao longo da qual deslizam a placa Norte-americana e a placa do Pacífico. O governo americano faz um esforço concentrado para evitar tragédias como as que assolam a região de San Francisco. Em 1906, morreram 600 pessoas; em 1971, 64; em 1989,270. O maior pesadelo atualmente é a espera de um supertremor decorrente do movimento que está dividindo em dois o Estado da Califórnia. No final do ano passado, a NASA mandou para o espaço o satélite Lageos 2: armado com canhões laser, o satélite vai medir o deslocamento das placas para ajudar a prever a data do evento terrível.

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Tragédias diante da pequenez humana, os movimentos das placas tectônicas são saudáveis sinais de vitalidade da Terra. A ascensão do magma profundo por meio da lava em superfície é um meio admirável de reciclar as matérias-primas do planeta. Veja-se o exemplo do carbono, essencial à existência da vida. Ele viaja constantemente do ar, das plantas e dos animais para o mar, e daí mergulha para os abismos de rocha derretida. Num ciclo de 1 milhão de anos, ele volta à tona pela boca dos vulcões.A peça essencial da maquinaria subterrânea é o calor adquirido pelo planeta durante o seu nascimento, há 4,6 bilhões de anos. Desde então essa energia gera verdadeiros rios de matéria fluida que sobem e descem pelo interior da Terra. Sob as placas do Mar Vermelho por exemplo, há uma corrente ascendente. ” O magma sobe como o leite que ferve numa panela”, compara a geóloga Magda Bergmann. Por isso, nas fendas submarinas estão as rochas mais jovens do planeta. De modo geral, diz Magda, as placas são os verdadeiros arquitetos da Terra: elas criam, destroem e recriam a superfície, dando-lhe diferentes faces ao longo das eras.Ninguém poderia imaginar, por exemplo, que há 440 milhões de anos a cidade do Rio de Janeiro estava às bordas do que é hoje o Deserto do Saara. As duas regiões eram fronteiriças, faziam parte de um mesmo continente e ficavam no Pólo Sul. Podem-se visualizar essas incríveis mudanças no tempo, diz o geólogo Colombo Tassinari, da Universidade de São Paulo, como Magda. “Se fotografássemos a Terra a cada 100 anos, a partir do espaço, seria possível vê-la se contorcendo.

” O tempo é a chave para se compreender o trabalho das placas tectônicas — invisível, quase sempre. às fugazes sensações humanas. Os geólogos explicam que as grandes massas continentais não são mais antigas do que 560 milhões de anos. Parece muito, mas todo esse período não chega a preencher um oitavo da história geológica da Terra. Por isso, a imensa energia concentrada nas placas é praticamente imperceptível. A placa do Pacífico, por exemplo. se move cerca de 5,3 centímetros por ano, na direção noroeste, e a da América do Norte se move 7,5 milímetros para sudeste. África e América do Sul se afastam 2 centímetros por ano.

Há cerca de 200 milhões de anos todos os atuais continentes se reuniam num único bloco, chamado Pangéia. A expansão dos assoalhos oceânicos, aos poucos, dividiu esse supercontinente, e a fenda original ainda pode ser encontrada no centro de uma imensa “costura” submarina: a Cordilheira Meso-oceânica do Atlântico, que permanece no mesmo local em que se abriu no passado remoto. É incrível pensar que fenômenos dessa magnitude — no tempo e no espaço — possam ser medidos e monitorados como parte do dia-a-dia da humanidade. Essa, no entanto, é a perspectiva aberta à civilização — um símbolo de quanto ela vem se tornando responsável pela vida do planeta.

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Para saber mais:

1 000 léguas subterrâneas

(SUPER número 8, ano 10)

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