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Meiofauna: tardígrados e outros monstrinhos que habitam a areia da praia

Conheça a família de bichinhos de menos de 1 milímetro que povoa as costas do mundo inteiro. Sem você notar.

Por Wanda Nestlehner
Atualizado em 11 out 2019, 11h43 - Publicado em 30 nov 1995, 22h00

Quando você pisa na areia molhada da praia e seu pé afunda uns 10 centímetros, ocorre um terremoto na casa de 35 mil monstrinhos. Não se sabe quantos morrem. Mas muitos conseguem sobreviver à catástrofe. E continuam povoando os pequenos espaços entre os grãos de areia, um mundo cheio de espécies.

Seus habitantes, os verdadeiros donos da praia, são uns bichos estranhos, que os cientistas chamam de meiofauna. Seriam assustadores se fossem grandes. Mas eles têm menos de 1 milímetro e, ao contrário de outros pequenos intrusos que são levados à areia pelo homem ou pelos cães, não fazem mal a ninguém. São faxineiros que comem restos de animais e algas em decomposição. Agora que você sabe que eles existem, não precisa ficar com remorso nem medo de caminhar na areia, mas lembre-se de que sob os seus pés há uma microscópica selva, cheia de animais alucinantes.

A palavra meiofauna diz respeito, principalmente, a tamanho. Para se enquadrar nessa classificação, é preciso ser pequeno o suficiente para passar por buracos de 1 milímetro de largura e grande o bastante para enroscar numa tela cujos furos têm 0,042 milímetro, algo tão fino quanto um fio de seda. Mas isso não é tudo: o animal deve viver nos sedimentos, como a areia das praias de água salgada ou doce, o cascalho do fundo do mar ou as dunas. Dezenas de milhares de espécies se encaixam nessas características. E muitas delas vivem na praia que você freqüenta. Algumas, possivelmente, ainda nem foram catalogadas pelos cientistas.

“Em termos de taxonomia — a ciência que cuida da classificação das espécies —, pode-se dizer que a areia é um ambiente tão rico quanto a floresta amazônica”, disse à SUPER o zoólogo americano Robert Higgins, pesquisador emérito do Departamento de Invertebrados do Museu de História Natural da Smithsonian Institution, um dos maiores especialistas do mundo em meiofauna. Pode parecer exagero, mas o que Higgins diz faz sentido.

Segundo ele, os animais estão divididos em 33 filos, que são grupos organizados em função de suas características mais gerais. O homem faz parte do filo dos cordados, os animais que em parte da vida ou durante toda ela possuem uma estrutura ao redor da qual se podem formar vértebras. Isso inclui pássaros, répteis e peixes. Como se vê, uma divisão ampla. Mas o mais surpreendente é que desses 33 filos, 22 têm ao menos uma espécie que é meiofauna. No total, são cerca de 20 000 tipos já identificados. Quase nada. Acredita-se que outras 40 000 espécies permaneçam desconhecidas.

Sabe-se pouco sobre os hábitos dessas criaturas. Uma coisa, porém, é certa: a meiofauna tem papel importante na cadeia alimentar, transformando matéria orgânica decomposta em nutrientes para outros animais. Seus integrantes são verdadeiros recicladores de lixo. E não fazem mal à saúde do homem. Por isso, não tenha dúvida, quanto mais meiofauna tiver na sua praia, melhor para você.

Numa única praia da Ilha Anchieta, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, a zoóloga paulista Liliana Medeiros identificou 35 gêneros da meiofauna. O número de espécies não foi definido. Liliana, que faz doutorado em Zoologia na Universidade de São Paulo, é fascinada pelo mundo desses estranhos seres que, suspeita-se, foram os primeiros animais pluricelulares a viver na Terra. Ao longo de sua evolução, eles se adaptaram para levar a vida na escuridão e em ambientes tão reduzidos quanto o espaço entre os grãos de areia.

A maioria, conta Liliana, não tem olhos. Em compensação, são bichos ricos em órgãos sensoriais, como cerdas e antenas, que os ajudam a se orientar e a encontrar alimentos. Um caso interessante é o dos copépodes, uns crustáceos cujos menores exemplares têm 0,2 milímetro. Há espécies de copépodes que vivem na água e possuem olhos, mas os da areia são todos cegos. Quanto ao tamanho reduzido, vale lembrar as loricíferas, bichos que parecem plantas, com um chumaço de cerdas na cabeça. Aparentemente esses animais, de no máximo 0,3 milímetro, se miniaturizaram à custa da diminuição do tamanho de suas células (e não somente da quantidade delas). É um caso único, ainda não explicado pelos cientistas.

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Nas praias de água salgada, os bichos mais abundantes são os nematódeos, ou nematóides, que se parecem com minhocas. Eles são encontrados também em solos férteis e parasitando plantas e animais. Já inspiraram até ficção científica. Só nas praias, há 4 000 espécies. As menores têm 0,2 milímetro. Algumas possuem dentes e são predadoras. Outras são agricultoras. Elas produzem um muco que funciona como fertilizante para algas que integram seu cardápio. A substância também ajuda a evitar desabamentos nos túneis abertos na areia.

Os nematódeos, como boa parte da meiofauna, copulam. Mas não são tão fixados em sexo quanto os copépodes, aqueles crustáceos milimétricos. Estudos já constataram que machos desses animais copulam com fêmeas pré-adolescentes e mesmo com outros machos. “Ainda não foi encontrada uma explicação para esse comportamento aparentemente aberrante”, diz a pesquisadora Liliana Medeiros.

Em geral, animais da meiofauna produzem poucos ovos e a fêmea cuida deles até o nascimento da larva. Algumas os mantêm dentro do próprio corpo. Outras, como as turbelárias, os grudam em grãos de areia e os cobrem com uma secreção, formando uma espécie de casulo. As turbelárias também são predadoras. Elas espetam suas presas com uma estrutura bucal parecida com uma lança e sugam a vítima até secá-la.

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Você deve estar se perguntando qual a importância de se conhecer tantos detalhes sobre esses bichos. Há muitos motivos, embora, claro, não se possa esperar deles a solução para os grandes problemas da humanidade. Em primeiro lugar, diz o americano Robert Higgins, simplesmente precisamos saber tudo o que é possível a respeito da biodiversidade na Terra. Mas há mais.

Na última década, os cientistas vêm pesquisando meios de usar esses bichos como parâmetro para medir a poluição das praias. É que, além da grande diversidade e densidade, há meiofauna em todo o planeta. E as populações respondem de várias maneiras à presença de poluentes. Por exemplo: já se sabe que, quando aumenta a quantidade de lixo orgânico, ambientes naturalmente habitados pelos copépodes passam a ser dominados pelos nematódeos.

Outras pesquisas estão avaliando os efeitos de metais pesados e óleo sobre espécies diferentes. As dificuldades, porém, ainda são grandes, devido à falta de dados relativos ao seu ciclo vital. Sabe-se mais sobre os copépodes, que vivem de 4 a 13 meses, e nematódeos, cuja longevidade, pode variar de 10 a mais de 800 dias.

Outro motivo para se conhecer a meiofauna é a suspeita de que, em alguns ambientes, seu papel na cadeia alimentar seja preponderante. É o caso da Antártida. Por isso, o Comitê Científico de Pesquisa Antártica, entidade internacional com sede na Inglaterra, recomendou recentemente que fossem feitos estudos nessa área. Thaís Navajas Corbisier, professora de Oceanografia Biológica no Instituto Ocenográfico da Universidade de São Paulo, é uma das poucas pesquisadoras do mundo que está atendendo à recomendação.

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Ela já descobriu que encontrar 7 000 desses organismos em um punhado de 100 centímetros cúbicos de sedimento do fundo dos mares gelados do sul é coisa corriqueira. “Talvez a abundância se deva à claridade, que favorece a multiplicação do fitoplancton (vegetais que vivem em suspensão na água do mar)”, explica Thaís. Quando morre ou migra para o fundo, o fitoplâncton serve de alimento para os pequenos habitantes da areia submersa. Sorte dos peixes e camarões que vivem por lá.

Cace o bicho

Qualquer um pode capturar animais da meiofauna. Para isso, vai precisar de equipamento simples.

1 – Recolha um punhado de areia da praia a uns 10 centímetros de profundidade.

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2 – Coloque a areia num recipiente e acrescente água potável. A água doce faz com que os bichos percam o controle dos movimentos e se soltem dos grãos.

3 – Agite levemente o frasco até que a água fique meio “suja”.

4 – Despeje a parte de cima, mais líquida, numa peneira bem fina, que pode ser feita forrando-se a boca de outro frasco vazio com uma meia fina de mulher. A meiofauna ficará retida na meia.

5 – Retire a meia e vire-a ao contrário na boca de outro frasco (pode ser o mesmo que você usou antes, já lavado). Jogue um pouco de água do mar sobre a meia. Para isso, use um esguicho bem fino, que pode ser produzido furando-se a tampa de uma garrafa. Os bichos que ficaram presos na malha cairão no frasco, junto com a água salgada.

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6 – Coloque um pouco da água com a meiofauna em uma placa de Petri (um prato raso de vidro transparente), pingue um corante, se quiser, e observe-os, de preferência, num estereomicroscópio, aparelho que permite ver os bichos de uma distância maior. Se você não tiver esse equipamento (que é caro), use o microscópio convencional com lâminas escavadas ou comuns, pingando a água com conta-gotas. A ampliação deve ser de, pelo menos, 40 vezes.

Cuidado com o cachorro

Parasitas que não pertencem à meiofauna, mas são parecidos com alguns de seus representantes, podem ir parar na praia, levados pelas fezes de cães e gatos, e sobreviver ali alguns dias. Um deles é o bicho geográfico (Ancylostoma). A larva penetra na pele e pelos lugares onde passa deixa um rastro semelhante a um mapa que coça muito. Como o homem não é o seu hospedeiro natural, o bicho fica vagando na pele. Em situações raras invade a corrente sanguínea e atinge órgãos como o fígado ou o cérebro, causando infecções perigosas. Nesse caso, o efeito é parecido com o de outro parasita, o Toxocara, que também infesta cães e gatos. Na areia, pode-se adquirir ainda o vírus da verruga e fungos que provocam micoses. Mas esses bichos não fazem parte da meiofauna, que tem vida livre e não se hospeda em outros animais.

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