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Anuros em risco de extinção: A hora do pulo do sapo

Os chamados bichos anuros sapos, rãs e pererecas ¿ passam por um momento crucial: os desmatamentos e a poluição do mundo moderno são obstáculos à sua sobrevivência.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 28 fev 1993, 22h00

Marcelo Affini

Primeiros vertebrados a caminhar na Terra, os sapos resistiram às diversas glaciações e não sucumbiram à catástrofe que dizimou os dinossauros, quando provavelmente um asteróide se chocou contra o planeta. Hoje, 200 milhões de anos depois de deixarem as águas, algumas de suas espécies estão desaparecendo. Mas, ao contrário do que acontece com macacos, baleias ou pássaros ameaçados de extinção, o sumiço dos anfíbios não desperta muita atenção das entidades preservacionistas. Poucos lhes dirigem o mesmo olhar de encantamento dispensado, por exemplo, a um mico-leão-dourado. Contudo, a possibilidade de extermínio dos sapos e de seus companheiros da ordem Anura — as rãs e as pererecas — vem sendo a grande preocupação de alguns cientistas. Eles procuram descobrir como esses animais enfrentaram tremendas transformações da superfície terrestre e, agora, centenas de milhões de anos depois de seu aparecimento, tornaram-se aparentemente tão vulneráveis.

“Numa escala evolutiva, os anuros são os intermediários entre os peixes e todos os demais vertebrados”, diz Werner Bockermann, chefe do setor de aves da Fundação Parque Zoológico de São Paulo. Apesar do nome de seu cargo, Bockermann é mais conhecido pelas investigações sobre anfíbios, que realiza desde 1947. Apaixonado pela Zoologia, esse biólogo mineiro de 64 anos acredita que muitas espécies de anuros vêm desaparecendo nos últimos anos, inclusive no Brasil.

Enquanto a maioria das pessoas tem uma imagem asquerosa desses animais que adoram chafurdar na lama, há aquelas que, como Bockermann, dedicam boa parte da vida pesquisando-os. No primeiro Congresso Mundial de Herpetologia (a área da Zoologia que estuda anfíbios e répteis), realizado em Canterbury, na Inglaterra, em 1989, mais de 1 300 herpetólogos tomaram conhecimento de que o objeto de seu trabalho está com a população em franco declínio. Essa novidade, porém, não teve muita repercussão até o final do ano passado, quando o jornal americano The New York Times publicou: os sapos estão sendo vítimas de uma doença, ainda misteriosa, capaz de provocar o colapso de seu sistema imunológico, levando-os à morte.

Os herpetólogos Adão Cardoso, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Célio Fernando Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, SP, também notam o desaparecimento gradual dos anuros de nossas plagas. No entanto, eles conhecem bem os motivos do sumiço dos sapos, rãs e pererecas do território brasileiro: a destruição das matas e a poluição. “Perto dos grandes centros industriais, o desmatamento já foi o principal inimigo dos sapos. Hoje em dia, eles morrem também por causa das chuvas ácidas”, afirma Haddad.

A água, que deveria ser o bálsamo da vida para esses animais — pois é nela que a maioria deles coloca ovos — , tornou-se uma perigosa vilã na luta pela sobrevivência. Isso porque os sapos respiram também por meio da pele, permeável, já que os pulmões, por si sós, não conseguem suprir o organismo de oxigênio. Os mesmos poros que, espalhados pelo corpo, servem para absorver o gás, funcionam como entrada de substâncias tóxicas, num eventual mergulho em águas poluídas ou num banho de chuva ácida. Em muitas regiões da Mata Atlântica, por exemplo, o velho prazer de coaxar na chuva pode ser uma sentença de morte para os sapos, porque ali os pingos d’água carregam diversos gases tóxicos, diluídos na atmosfera. O triste fenômeno, no entanto, se repete no mundo inteiro, onde há poluição atmosférica.

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“Além disso, um grande número de espécies brasileiras de anuros deve ter se extinguido com a destruição da Mata Atlântica, principalmente nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro”, suspeita Célio Haddad. “E, infelizmente, isso muitas vezes aconteceu antes que nós, os herpetólogos, pudéssemos estudá-las e classificá-las.” O pesquisador menciona ainda a pequena rã Brachycephalus ephippium, que vive num ponto isolado da Serra do Japi, próximo a Campinas, interior de São Paulo. Ameaçada pelas atividades de uma pedreira, ela é estudada por causa da secreção tóxica, liberada para afastar predadores. O veneno é alvo do interesse de uma equipe de cientistas da Universidade de Brasília (UnB), chefiada por Antonio Cebbem, que já descobriu tratar-se de uma neurotoxina, que funciona como um anestésico local. Esse efeito, talvez, no futuro, poderá ser explorado pela indústria farmacêutica.

A fauna de anuros, aliás, vive reservando surpresas aos seus estudiosos. O ritual de acasalamento dessas espécies, por exemplo, é capaz de fazer inveja a um dom-juan. Quando existem condições ótimas de ambiente, como umidade e temperatura, e os bichos estão na época da reprodução — o que ocorre uma ou duas vezes por ano —, eles sentem-se instintivamente atraídos para a água. Os machos correm na frente e, em seguida, vão literalmente passar uma cantada para atrair as fêmeas. A voz pode ser, ou não, o segredo de seu sucesso. Afinal, é pelas qualidades do canto que as fêmeas escolhem o parceiro ideal. Em suma, sem um belo coaxar, nada feito, não há sexo.

Cada uma das cerca de 3 000 espécies de sapos, rãs e pererecas conhecidas coaxa à sua maneira. O som é gerado pelo movimento do ar entre os pulmões e o papo, que infla e funciona como um amplificador. Nesse vaivém, o ar faz vibrar as cordas vocais. Quando a fêmea se aproxima do felizardo cantador, o namoro já está garantido. “Eventualmente, porém, a fêmea apaixonada pelo cantador pode ser surripiada por um macho satélite”, conta Haddad. “Este não coaxa, mas fica ao lado de um sapo cantante, na espreita, para pular em ci–ma da fêmea antes que o outro o faça.” Uma vez enamorados, os anuros parecem não ter pressa: os machos podem permanecer até três meses abraçados nas costas das fêmeas. Nesse período, o futuro papai não se alimenta, mesmo que passem os mais suculentos insetos na sua frente. Tão longo amor tem, é claro, um preço: invariavelmente, o macho sai dessa orgia extenuado, raquítico e abatido.

Os óvulos — cuja quantidade varia de 6 a 32 000 — são fecundados externamente, ou seja, sem cópula. Para estimular a fêmea a soltá-los, o macho faz carícias na barriga da companheira. Dos ovos que escaparem dos predadores — peixes ou aves — sairão larvas, conhecidas como girinos. Nessa primeira fase da vida, os anuros respiram feito peixes, por meio de brânquias; não possuem membros e se alimentam de detritos e algas. Mas, conforme crescem, passam por uma verdadeira metamorfose. As alterações começam pelo tubo digestivo, no início to-do espiralado, que vai se tornando fino e reto, ligando a boca ao ânus. As patas, por sua vez, se desenvolvem hiper-trofiadas, e os pulmões entram em ação.

Uma outra mudança importante é que a alimentação se torna carnívora. Com fome, sapos e outros anuros não trocam um belo inseto por nada — pode ser uma mosca, um pernilongo ou mesmo um apetitoso besouro. Existem, porém, algumas espécies de paladar mais extravagante. Morador das matas sul-americanas, o sapo-intanha (também conhecido por sapo–untanha), que, apesar do nome, pertence à família das rãs, costuma ingerir filhotes de aves, co-mo pintinhos, nas refeições. Para isso, emite um ruído em alto e bom som, abre a boca imen-sa e engole a vítima, sem a menor cerimônia. “Há sapos que comem até fi-lhotes de cobras”, diz Adão Cardoso, da Unicamp.

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Exceções à parte, os anuros sofreram adaptações especiais para capturar insetos: sua língua está presa na parte da frente da boca e solta atrás. Com isso, quando o sapo resolve colocá-la para fora, seu comprimento acaba ficando enorme, permitindo alcançar o inseto em pleno vôo. A caça é ainda facilitada por substâncias adesivas presentes na saliva.

O salto, também, pode ser considerado outra façanha do anuro, que serve para ajudá-lo na busca de alimento.

Mas nem sempre os sapos foram tão pródigos em dar seus pulinhos. As análises de fósseis mostram que os ancestrais dos anuros eram muito parecidos com jacarés — e se locomoviam como esses. “Os músculos dos anuros, porém, se alargaram, tornando-os aptos para saltar”, explica Haddad. Esses animais, ainda, perderam a cauda e o crânio ficou mais leve, evitando que caíssem de cabeça no chão.

Apesar de toda essa especialização, seu futuro tornou-se incerto. O Brasil, que dispõe da maior fauna de anuros do mundo, já perdeu muitas espécies, devido ao desmatamento. Desde que existam condições favoráveis, os anuros brasileiros podem viver cerca de trinta anos. Nesse período, cada um deles come, sem exagero, milhões de insetos e gera filhotes que, eventualmente, alimentam outros animais. A diminuição de seus exemplares, ainda que mal notada pelos leigos, põe em risco o delicado equilíbrio ecológico do planeta.

 

Para saber mais:

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(SUPER número 0, ano 1

 

A turma do coaxo

Os anfíbios se dividem em três grandes grupos. Na chamada ordem Apo-da, os animais se caracterizam pelo corpo alongado e cilíndrico, e sua mais notória representante é a cobra-cega. Já as espécies da ordem Urodela têm o corpo achatado, dotado de cauda e quatro patas, como é o caso da salamandra. Sapos, rãs e pererecas, no entanto, constituem a ordem Anura, cujas espécies também possuem quatro patas, mas são desprovidas de cau–da. Em comum, os bichos anuros possuem a mania de coaxar e o fato de a temperatura do corpo variar conforme a do ambiente. No mais, para olhos atentos, eles são muito diferentes entre si.

 

Sapos

Atrás da cabeça, eles possuem glândulas, chamadas paratóides, capazes de secretar veneno. E, graças às toxinas dessas glândulas, sua pele é cheia de verrugas. Se, com isso, os sapos saem perdendo na aparência, ganham de qualquer outro anfíbio anuro em matéria de defesa pessoal: os predadores costumam se afastar, graças ao cheiro ruim e à própria toxicidade das substâncias secretadas pelas paratóides. Os sapos, ainda, gostam de viver no seco e só vão para a água para se reproduzirem.

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Pererecas

Elas representam quase metade das espécies de anuros. Esbeltas, não têm verrugas e nem sequer listas; os olhos são saltados e as pernas, extremamente delgadas e longas. Na ponta dos dedos, curtos, encontram-se discos adesivos, feito bolinhas, que ajudam na locomoção. Gostam de viver em cima de vegetais, por isso seu endereço são as matas. Aproveitam a noite, para se alimentarem de insetos; aliás, adoram baratas.

 

Rãs

Elas também liberam toxinas, graças a glândulas espalhadas em suas costas, que costumam ser cheias de listas. Mas seu corpo é bem mais esguio do que o dos sapos, a pele é lisa, e, ainda por cima, preferem passar o tempo todo na água. Os membros posteriores são bastante desenvolvidos, o que faz das rãs as campeãs de saltos, entre os anuros.

 

No final, macho vira fêmea

Ao envelhecer, muito sapo macho vai se afeminando — e, levado a cabo, esse processo pode até torná-lo capaz de gerar filhotes. Isso porque, grudado sobre os testículos, há um tecido ova-riano de origem lar-val, chamado órgão de Bidder, que se mantém em estado embrionário, enquanto dura a liberação normal de testosterona, o hormônio sexual masculino. Quando a dosagem des-sa substância despenca, por causa da idade avançada ou por algum problema nos testículos, o órgão de Bidder começa a produzir óvulos per-feitos, prontos para serem fe-cundados por outro macho. A troca de sexos também é co-mum em machos de rãs e pere-recas. “Fêmeas velhas de certas espé-cies também podem passar a produzir espermatozóides, mas isso é muito mais ra-ro”, acrescenta o herpetólogo Célio Fernando Haddad, da Unesp, em Rio Claro, SP.

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Salto para a vida

Sapos, rãs e pererecas são animais de hábitos sedentários, que podem ser encontrados, ano após ano, morando na mesma moita ou toca. Apesar de não apreciarem mudanças, costumam ser extremamente ágeis e sua especialidade, em matéria de locomoção, é pular. Isso tornou sua musculatura bem desenvol-vida, sobretudo a dos membros poste-riores, longos e robustos, que funcionam feito alavanca, impulsionando o corpopara o salto de grandes distâncias.

A rã-gigante-africana, por exemplo, é o maior anuro conhecido e consegue dar saltos de até 3 metros. Isso não é espeta-cular, considerando que espécies muito menores, que vivem em árvores, são ca-pazes de saltar 15 metros de um galho a outro, distância que chega a ser 100 vezes maior do que o comprimento de seu corpo. Não foi à toa que, no decorrer da evolução, os anuros aprenderam a ser exímios saltadores. O pulo, além de muitas vezes facilitar a captura de alimento, é uma excelente forma de escapar dos predadores. Pois a carne macia de certas espécies de anuros é agradável ao paladar de pássaros, répteis e do próprio homem.

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