Há uma boa dose de verdade naquela história de que uma mãe sempre faz tudo por seu filho. E, apesar da fama de poucos amigos que fêmeas como a viúva-negra criaram, dá para falar que isso vale também para os aracnídeos. As aranhas-caranguejo, por exemplo, oferecem pedaços de seus próprios corpos para suas crias quando a falta de comida aperta. Acontece igualzinho com outra espécie, a Stegodyphus lineatus, que pratica um ritual ainda mais elaborado: dissolve seus órgãos internos para dar uma última refeição digna à prole – antes de partir desta para uma melhor.
O que pesquisadores da Universidade de Aahrus, na Dinamarca, descobriram é que esse tipo de comportamento altruísta-destrutivo das aranhas não acontece apenas em relações ‘sanguíneas’. Segundo seu estudo, publicado no jornal Animal Behaviour, fêmeas virgens da espécie Stegodyphus dumicola costumam se preocupar mais com os recém-nascidos de seu grupo do que as próprias mães deles – a ponto de se sacrificarem para servir como refeição dos mais jovens.
“E onde estão as mães dessas crianças?”, você deve estar se perguntando. Não tem nada a ver com omissão da parte delas. A culpa é mesmo daquelas que não têm filhotes– mas morrem de vontade de realizar o sonho de ser mãe a todo custo.
Característica de áreas quentes e secas do sudeste da África, a espécie costuma fazer suas teias no alto de árvores e arbustos, morando sempre em bandos de vários indivíduos. Esse sistema ajuda na hora de arranjar alimento e também permite que os os filhotes sejam criados coletivamente. Como cada aranha vive apenas um ano, elas só têm a chance de se reproduzir uma única vez. Isso explica o fato da maternidade acontecer para apenas 40% das fêmeas do bando, em média.
Para observar de perto esse comportamento suicida, cientistas analisaram por dez semanas cinco aranhas fêmeas – três virgens e duas que tinham parceiros. Funciona assim: primeiro, as mães-postiças ajudam a tomar conta dos ovos e assumem a alimentação inicial dos filhotes. Quando os pequenos famintos, já fora do ninho, se veem sem comida, eles se aproximam da jovem aranha e injetam algumas enzimas em seu interior.
Tais enzimas destroem a voluntária por dentro, permitindo que eles suguem seus nutrientes por completo. O processo todo acontece enquanto elas estão vivas, claro, o que confere um tom melancólico para a cena. No final, só resta a “casca” – todo o resto virou banquete dos bebês-aranha.
Esse tipo de relação entre vizinhos, segundo o estudo, é resultado da vida em comunidade que a S. dumicola adota. A guarda compartilhada, para quem não encontrou seu par, se torna a verdadeira salvação da lavoura. O sacrifício que as fêmeas sem parceiro fazem permite que elas passem à frente parte da sua própria genética – ainda que morram sem a experiência de ter copulado.
“Quando investem nesses recém-nascidos, as aranhas estão investindo em seu próprio sucesso reprodutivo”, explicou Trine Bilde, que liderou o estudo, em entrevista à New Scientist. “Quanto mais genes ela transmitir para próxima geração, melhor. Seguindo essa lógica, dar seu próprio corpo como alimento é uma solução evolutiva bastante sensível.” Afinal, quer forma melhor de virar uma folhinha da árvore genealógica de alguém do que fornecer as proteínas que formarão seu DNA?