Atividade humana está secando o ar da Amazônia, diz estudo
Floresta teve forte queda de umidade nos últimos 20 anos, o que a torna mais vulnerável a incêndios. E há uma notícia pior ainda.
Nos últimos meses, o Brasil e o mundo acompanharam consternados enquanto grandes queimadas se alastravam pela Amazônia. Em agosto, no ápice da tragédia ambiental, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 30.901 focos de incêndio, 196% a mais que no mesmo mês do ano passado. Segundo um estudo recente feito por cientistas da Nasa, o fato de o fogo ter ganhado essas proporções não foi nenhuma coincidência.
Os resultados da pesquisa mostram que, ao longo dos últimos 20 anos, o ar acima da floresta amazônica tem ficado cada vez mais seco, como consequência direta das atividades humanas. Os especialistas da agência espacial analisaram dados obtidos tanto por satélites quanto por sensores terrestres para medir os níveis de umidade. “Nós observamos que, nas últimas duas décadas, houve um aumento significativo na secura da atmosfera”, disse em comunicado o principal autor do estudo, Armineh Barkhordarian, do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL). Ao comparar a tendência com modelos que estimam a variabilidade climática ao longo de milhares de anos, ficou claro se tratar de algo anômalo.
A alta na aridez está muito acima do que seria esperado levando-se em consideração apenas os ciclos e processos naturais. O maior responsável pelo problema é o aumento das emissões de gases de efeito estufa, que contribuem com metade do déficit de pressão de vapor (VPD, na sigla em inglês) — termo técnico que os cientistas usam para medir a secura do ar. Destruições provocadas pelo homem respondem pelo resto.
A escalada do desmatamento culmina em mais queimadas, que são a última etapa para “limpar” os restos vegetais da área recém-desmatada e abrir caminho para a exploração de atividades econômicas no terreno, como agricultura e pecuária. Esse processo traz efeitos nefastos para a Amazônia. Quando as árvores queimam, liberam aerossóis na atmosfera: partículas sólidas minúsculas que ficam em suspensão, flutuando como em um gás.
As fuligens da madeira carbonizada absorvem o calor do Sol, provocando aumento da temperatura local, além de interferirem na formação de nuvens — e, logo, nos índices de chuva. A Amazônia não é o pulmão do mundo, mas é um elemento essencial para a regulação do clima global por absorver todos os anos bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera por meio da fotossíntese de suas árvores.
Em seu estado original, sem perturbações humanas, e funcionando de maneira saudável, a própria floresta capta a água e a reutiliza de forma cíclica. As raízes a absorvem do solo para usar na fotossíntese e também para regular a temperatura da planta. A água que sobra é devolvida para o ar em forma de vapor por meio dos poros das folhas; ela resfria o ar e forma as nuvens. Assim, a Amazônia produz 80% de sua própria chuva.
Mas, quanto mais a floresta é desmatada e queimada, mais desregulado fica esse ciclo — e tudo passa a funcionar de forma comprometida, desequilibrada. Com o ar mais quente e seco, as árvores precisam “suar” mais para manter sua temperatura ideal, só que a água no solo fica cada vez mais escassa. E esse é o principal alerta do estudo: a Amazônia precisa de cada vez mais água, mas a quantidade que tem à disposição está diminuindo.
Se continuar assim, chegará um momento em que a floresta tropical não será mais capaz de manter o próprio ecossistema. Especialistas no tema acreditam que, quando esse dia chegar, a Amazônia vai aos poucos se transformar em uma savana semelhante ao Cerrado. Além da inestimável perda de biodiversidade, muitas árvores grandes e velhas vão morrer, lançando grandes quantidades de carbono na atmosfera.
De grande aliada na luta contra as mudanças climáticas, capturando um imenso volume de CO2 todos os anos, a Amazônia pode virar uma terrível vilã, colocando ainda mais em risco o futuro da humanidade. Segundo a pesquisa, a região mais problemática para o aumento da secura amazônica é a parte sudeste da floresta, em estados como Mato Grosso e Pará, bem onde se concentra o grosso do desmatamento e do avanço da agropecuária.