Biólogos descobrem por que alguns sapos têm a pele translúcida
Camuflagem: a pele opaca disfarça os contornos do animal, da mesma forma que um box jateado quebra a forma do corpo de quem está tomando banho lá atrás.
Os sapos da família Centrolenidae não dariam trabalho para a equipe do Dr. House: esses nativos da Amazônia e do Caribe têm as pernas e o abdômen translúcidos – de maneira que é possível observar (e até diagnosticar) alguns de seus órgãos internos, como o intestino e o coração, sem abrir os bichinhos com um bisturi. Dá uma olhada na foto:
Em um artigo publicado no periódico PNAS, biólogos da Universidade McMaster, no Canadá, argumentam que essa beleza interior toda na verdade é um truque de camuflagem. “O sapo é sempre verde para corresponder à cor média das folhas, mas elas podem variar em brilho”, diz Barnett ao jornal britânico Guardian. O corpo translúcido permite gerar um gradiente sutil no tom de verde: se o anfíbio está na frente de um arbusto mais escuro, ele fica mais escuro. Se está na frente de vegetação mais clara, ele fica mais claro.
O primeiro passo dos pesquisadores foi fotografar o sapo em 55 fundos diferentes – alguns lisos, outros repletos de folhas. O sapo permaneceu verde em todas as fotos, mas as regiões de pele translúcida, na parte inferior do corpo, ficaram mais ou menos escuras conforme o que havia atrás dele.
Depois, eles usaram um programa como o Photoshop para gerar um sequência de 125 imagens em que o sapo apresenta diferentes graus de transparência: do completamente sólido ao transparente feito vidro, passando pelo translúcido intermediário do animal real – que lembra um box jateado de banheiro, desses que não permitem ver quem está pelado lá atrás.
A curiosidade era a seguinte: alguns peixes, por exemplo, são de fato transparentes – é possível ver o que há atrás dele com uma certa nitidez, ao contrário do sapo, que transforma tudo em um borrão difuso. Será que haveria alguma vantagem em ser translúcido como uma vidraça jateada?
Essas imagens foram exibidas para 20 voluntários humanos, cujo objetivo era encontrar o bichinho na foto o mais rápido possível (como nos livros do Wally, aquele personagem de óculos e camiseta vermelha listrada que desaparece nas ilustrações). O experimento comprovou que a pele translúcida disfarça os contornos do sapo aos olhos dos predadores – no caso, nós. Exatamente da mesma forma que o box jateado quebra a forma do corpo de quem está tomando banho lá atrás.
Um teste final, realizado em parceria com a Universidade de Quito, no Equador, comprovou a de vez a hipótese: 360 réplicas de gelatina dos sapos foram distribuídas em locais de mata nativa na América e passaram a ser monitoradas por câmeras. Metade dos modelos era translúcida, a outra metade tinha cor sólida. Ao final de 72 horas de monitoramento, 53 sapos lisos foram atacados por pássaros, contra só 24 sapos translúcidos. Ponto para a seleção natural.
A maior parte dos organismos vivos têm uma grande quantidade de água em sua composição – 60% do corpo humano consiste no líquido. Por causa disso, camuflagens de transparência completa, como o vidro de uma janela, tendem a funcionar muito bem apenas em animais aquáticos. Eles acabam tendo o mesmo índice de refração do ambiente em que estão inseridos – o que significa, em termos leigos, que a luz os atravessa sem se desviar. Não ficam rastros.
Já na superfície da terra, o truque não funciona, porque a água do corpo interage com a luz de maneira diferente do ar que está em volta. É só você imaginar um saco plástico transparente cheio de água. Ele ainda é completamente visível. Por isso, a aparência translúcida é mais útil nesse contexto: embora não seja capaz de tornar o animal invisível, ela é eficaz em borrar sua imagem para disfarçá-lo contra o fundo.