Cientistas detalham mecanismo que faz os músculos nos manterem aquecidos
Estudo analisou a relação entre a quantidade de cálcio nas fibras musculares e a capacidade dos mamíferos de manter a temperatura corporal estável. Entenda.
Nós, mamíferos, somos animais endotérmicos. Isso significa que você pode ler este texto no conforto de casa e, ao mesmo tempo, manter sua temperatura corporal estável. Já os répteis, por exemplo, são ectotérmicos: eles não conseguem regular a própria temperatura, e precisam de agentes externos para isso – é a razão de muitos lagartos ficarem deitados em pedras tomando sol.
Foi justamente essa produção de calor, conhecida como termogênese, que permitiu que nossos ancestrais ocupassem territórios fora das zonas tropicais e se espalhassem pelo planeta. Mas, afinal, qual mecanismo criado durante a evolução está ligado a isso? É que que cientistas da Universidade de Queensland, na Austrália, podem ter identificado recentemente.
Apesar de usarmos as mesmas estruturas musculares básicas que répteis e anfíbios para nos mexer e manter nossa postura, os mamíferos evoluíram para mudar a forma com que a concentração de íons de cálcio é regulada nos músculos em repouso (íons são átomos carregados eletricamente). As nossas fibras musculares toleram concentrações de cálcio maiores. Só que é preciso manter um certo equilíbrio dentro das células. Elas, então, eliminam o excesso de íons, num processo que gasta energia – e gera calor.
Pesquisas anteriores já mostraram que essas bombas de íons de cálcio contribuem para o aquecimento dos músculos esqueléticos (aqueles cujo movimento é voluntário; os outros tipos de músculo estão no coração e em sistemas como o digestório e o respiratório – nós não o controlamos). OK. É uma quantidade de calor baixa. Mas, se considerarmos cada fibra muscular dos mais de 600 músculos esqueléticos do corpo humano, a soma é o suficiente para manter a temperatura constante.
Como o estudo foi feito
Os pesquisadores compararam as fibras de mamíferos e de animais de “sangue frio” e como elas funcionavam sob as mesmas condições. Eles analisaram o cálcio dissolvido nas fibras musculares de sapos-cururus, camundongos e de pessoas com hipertermia maligna, uma condição frequentemente causada por uma mutação em um receptor de rianodina que torna os canais de cálcio mais propensos a abrir quando estimulados. Como resultado, o corpo fica com uma temperatura maior do que o normal.
Os receptores de rianodina (RyR) são canais intracelulares de cálcio presentes em tecidos animais como músculos e neurônios, e é por eles fluem os íons de cálcio. Já as bombas de íons de cálcio funcionam no sentido oposto, lançando o cálcio de volta pela outra mão, na tentativa de restaurar o equilíbrio dentro das células. Os mamíferos têm um tipo de receptores chamado RyR1; enquanto os animais ectotérmicos têm dois tipos, αRyR e βRyR.
Os resultados mostraram que aumentos repentinos no nível de cálcio no fluido que cerca as células musculares fazem com que esses íons se acumulem em uma organela chamada de retículo sarcoplasmático, em vez de serem liberados rapidamente.
Normalmente, a chegada de íons de cálcio nas células musculares aciona os canais RyR para liberar mais cálcio no citoplasma da célula – o que leva, por exemplo, à contração muscular. Contudo, os mamíferos parecem ter desenvolvido certa resistência a esse aumento, o que possibilita que o retículo sarcoplasmático libere íons de cálcio, dando mais trabalho para as bombas e forçando-as a produzir mais calor.
Segundo os pesquisadores, ter uma forma de RyR a menos fez os mamíferos menos sensíveis aos aumentos na concentração de íons de cálcio, o que pode ter nos ajudado a manter o “sangue quente”.