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Como a carne de laboratório pode mudar tudo

Nuggets de dodô, animais criados só para alimentação, e canibalismo aceito - a carne de laboratório pode possibilitar tudo isso (e muito mais)

Por Felipe Germano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
16 fev 2017, 18h25
Suco-de-cerebro
(The In Vitro Meat Cookbook)

Você está no mercado. Vai receber visita para um jantarzinho, mas a despensa está vazia. Aquele filé ao molho mostarda deve servir. Pega a carne. Putz, seu amigo vegetariano vai aparecer. Tudo bem. Checa a embalagem e lá está o selo: “Carne produzida em laboratório – nenhum animal foi ferido durante a fabricação”. Ótimo.

A situação acima não aconteceu. Ainda. Ela poderá ser comum em alguns anos. Nisso é que aposta Koert van Mensvoort, designer holandês, que se uniu a cientistas, engenheiros, filósofos e chefs para escrever o livro The In Vitro Meat Cookbook (O Livro de Receitas para Carnes In Vitro, sem lançamento no Brasil). De acordo com ele, as carnes feitas em laboratório são o futuro – ajudarão o ambiente, libertarão a consciência dos vegetarianos e, claro, trarão novas experiências culinárias.

A ideia em si é bem antiga. Em 1894 o químico francês Marcellin Berthelot cravou que a química permitirá ao homem “plantar” ovos e carnes. Mas a prática mesmo só rolou em 2013, quando Mark Post, professor da Universidade de Maastricht, na Holanda, conseguiu: produziu o primeiro hambúrguer do mundo feito 100% com carne criada em laboratório. Para isso, lançou mão de um processo complicado que consiste em coletar células animais e banhá-las em um soro derivado de fetos de bezerro que não chegaram a nascer (ou seja, ainda não foi feito 100% sem sacrifício animal). O líquido estimula a multiplicação das poucas células, que se transformam em bilhões. Elas se aglomeram naturalmente e formam uma pequena fibra, como carne mesmo. Essa é a chave. Depois disso, é só repetir o processo milhares de vezes, formar uma massa, jogar na frigideira e, se quiser, completar com ketchup e mostarda.

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Gastronomicamente, o hambúrguer é uma comida simples: não passa de uma maçaroca. Mas a ideia é que a técnica avance para criar texturas, sabores e peças inteiras. É nisso que acredita Mensvoort e sua equipe. O livro imagina receitas com carnes que ainda não existem. Ele inventou um salame que já “nasce” com tempero e formato prontos e tiras de peixe que nadam e viram sashimis fresquinhos (como no gif abaixo). Ele afirma até que poderemos nos deliciar com animais que nem estão mais entre nós. O holandês acredita que poderíamos usar os restos mortais de um dodô, pássaro exposto no museu de Oxford, para clonar algumas de suas células e produzir nuggets.

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O gosto dos outros

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O processo ainda é caro. O hambúrguer de Post saiu por R$ 1 milhão e a coisa toda só rolou porque Serguey Brin, cofundador do Google, resolveu bancá-la. O interesse de Brin não é estranho – a carne criada em laboratório pode salvar o planeta. No Brasil, por exemplo, o gado é responsável por 50% das emissões que contribuem para o aquecimento global – culpa do arroto da vaca, que é puro metano. Mas não para por aí. Para produzir 1 kg de carne são necessários mais de 10 mil litros de água, e não são poucos os casos de desmatamento visando ao plantio de soja para alimentar o gado. Em suma, ser carnívoro é insustentável.

Claro que no mundo das carnes feitas em tubo de ensaio nem tudo é felicidade. A principal preocupação é com a saúde. Assim como com produtos transgênicos, é difícil determinar os efeitos do alimento no nosso corpo. Os testes de hoje apontam que a carne de laboratório é segura – como daria para controlar a gordura presente, ela pode até ser melhor que a proteína tradicional -, mas os efeitos só serão sentidos daqui um tempo. “Esse sempre é o problema das novas tecnologias. Você só tem certeza das consequências após algumas gerações”, diz Mesnvoort. Fora isso, tem a burocracia: o método que pode salvar o mundo tende a gerar monopólios. Desde 1998, há registros de patentes sobre carne de laboratório. Na prática, isso pode gerar um efeito parecido ao que temos na medicina: remédios importantíssimos, na mão de uma única empresa que pode, por exemplo, mudar o preço do produto como bem entender.

A propagação da carne in vitro também transformaria a maneira como enxergamos carne em si. Não precisaríamos apenas comer animais, por exemplo. O fã que pagou R$ 12.600 por um lenço usado por Scarlett Johansson (sim, isso aconteceu) poderia investir um pouquinho mais e, bem, comer a perna da atriz. Em teoria, só precisaríamos de algumas células da estrela para reconstruir partes inteiras do corpo para consumo. Tudo inspecionado pela vigilância sanitária. A Friboi poderia vender o próprio Tony Ramos. “O canibalismo in vitro é interessante porque é um ritual primitivo e bárbaro do passado, mas que está relacionado com a intuição humana. Você poderia, literalmente, comer alguém de forma civilizada”, divaga Mensvoort.

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Nesse açougue de cientistas, tempo é, de fato, dinheiro. Conforme os estudos avançam e as técnicas se popularizam, os preços devem despencar. Em março de 2015, Mark Post afirmou em uma entrevista à rádio australiana ABC que seu hambúrguer de R$ 1 milhão, feito há três anos, já poderia ser produzido por R$ 40 (ou R$ 260 o quilo). Mesmo assim, o cientista diz que ainda deve levar duas ou três décadas para que a carne in vitro se torne uma prática comum, principalmente para substituir o tal soro de feto de bezerro e agilizar o processo, muito lento para a escala industrial. Mas é bom a gente se preparar, as carnes estão vindo, mesmo que não da forma que o holandês imaginou. “Eu adoraria abrir esse livro daqui 20 anos e ver no que eu acertei e no que eu errei”, afirma Mensvoort. A ideia é se ater ao futuro. Nessa história, de passado, já basta o ponto da carne.

Ao ponto

Confira as possibilidades carnívoras imaginadas por Mensvoort, e a probabilidade de elas serem produzidas, de 1 a 5

Canibalismo
Nota: 1

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Gostinho de Futuro
(The In Vitro Meat Cookbook)

Eis uma possibilidade da carne in vitro. Você pode tanto comer um pedaço da sua celebridade favorita (acima) como dar, literalmente, um pedaço seu para o jantar. Esse medalhão imaginado por Mensvoort (abaixo) ficaria fincado em você e usaria seu sangue e células por meses, a fim de criar um bifinho. Com isso, a forma com que você se alimenta resultaria diretamente no sabor da proteína que poderia ser devorada em uma romântica refeição.

Gostinho de Futuro
(The In Vitro Meat Cookbook)

Doces
Nota: 3

Mensvoort acredita que, manipulando as propriedades da carne, sobremesas não seriam improváveis. Um sorvete, por exemplo, poderia ter sabor de urso polar com textura de bolas de neve.

Gostinho de Futuro
(The In Vitro Meat Cookbook)

Sashimi
Nota: 4

O sashimi de laboratório teria uma cara diferente: como não seriam necessários órgãos ou vasos sanguíneos para manter um peixe vivo, o alimento poderia ser transparente como vidro. Além disso, poderia ter qualquer sabor, inclusive de peixes caríssimos ou em extinção.

 

Gostinho de Futuro

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