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Como a vida de Kepler pode inspirar a sua

"A diversidade da natureza é tão grande, e os tesouros escondidos nos céus tão ricos, para que a mente humana nunca sofra com a falta de alimento fresco"

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 9 abr 2017, 13h49 - Publicado em 7 abr 2017, 19h38

Já virou um chavão aquela história de falar, “fulano precisa se reinventar”. O que poucos falam é o que isso de fato significa, além do mero clichê. E a essência da reinvenção é a humildade intelectual. É reconhecer que o que você pensava antes não vale mais e é preciso repensar. Não necessariamente estava errado, mas a dinâmica exige que o sujeito jamais pare no tempo, jamais pare de refletir.

E se tem um sujeito que tinha uma mente inquieta e sem barreiras era Johannes Kepler. A facilidade com que ele transitava entre a religião e a ciência, a teologia e o materialismo, a fantasia e a realidade eram impressionantes. Parece uma colcha de retalhos? Não é. Na verdade, essa é uma expressão bastante completa do que temos dentro de cada um de nós. As inquietações, as angústias, as dúvidas e as convicções estão sempre lá. Kepler adicionava a elas a virtude da transparência, que permitiu um vislumbre especial sobre seu modo peculiar de pensar.

O astrônomo (e astrólogo) alemão, a exemplo do polonês Copérnico (e bem diferente do pragmático Galileu), também tinha a ambição de buscar uma estética no Universo. Não por acaso Kepler começou trabalhando com as formas geométricas perfeitas, numa hipótese de como elas ditariam as órbitas dos planetas, numa organização supostamente ditada por Deus. Ao buscar a sublime simplicidade do arranjo cósmico, Kepler partiu do que ele supunha ser um arranjo esteticamente atraente.

Contudo, a lição que ele foi capaz de absorver, e então transmitir a nós, é de que não basta buscar uma estética para o Universo. É importante, acima de tudo, reconhecer que essa estética não é nossa, não está em nossos olhos, e na verdade se encontra no cosmos. A estética é do Universo, não dos seres que o observam.

Uma vez que viu que as observações de Tycho não corroboravam seu modelo da órbita marciana, Kepler poderia perfeitamente ter vivido em negação, como fizeram seus predecessores, de Ptolomeu a Copérnico. Todos conheciam as falhas e limitações de suas teorias, mas as abraçaram mesmo assim. Já Kepler, seguindo a trilha dos bons filósofos, era um amante da verdade. Em vez de morrer com suas ideias marginalmente melhores que as da geração anterior, expressas no Mysterium Cosmographicum, Kepler estava decidido a matar a charada.

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Para isso, teve de se reinventar, reinventando com isso a própria estética atribuída ao cosmos. Saíam círculos e esferas, e entravam as elipses. E então Kepler enxergou como as duas visões se conciliavam. Matematicamente, a circunferência é apenas uma solução específica (e mais simples) da fórmula que descreve a elipse. Ou seja, ambas são a mesma coisa, com a diferença de que no círculo os dois focos são coincidentes, no centro da figura geométrica. Quer um exemplo mais bonito e singelo de reinvenção? É diferente, mas também é a mesma coisa.

Com a introdução das elipses, pela primeira vez os movimentos planetários se tornaram completamente inteligíveis, com o triunfo definitivo da saga de Copérnico. O Sistema Solar finalmente funcionava tal qual um relógio, colocando fim à controvérsia entre os diferentes modelos da época. (Claro que a discuss��o perduraria para além do tempo de Kepler. Mesmo alguns de seus contemporâneos, como Galileu, não estavam dispostos a também “se reinventar” e aceitar as elipses no lugar dos círculos, por mais que fizessem sentido perfeito. Somente com Isaac Newton, e a lei da gravidade, as elipses keplerianas ganharia inteligibilidade.>

Kepler nos revela, pois, o segredo da reinvenção: o abraçar do livre pensar, a capacidade de pescar ideias de todos os cantos, de agir como uma esponja, sem nunca se desconectar completamente da realidade. Muito pelo contrário, norteado por ela. Se você mantiver um cordão umbilical com os fatos, o intelecto pode voar solto e, inevitavelmente, encontrar uma nova perspectiva durante a viagem.

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