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Como a vida de Wegener pode inspirar a sua

"Os cientistas ainda parecem não entender que todas as ciências precisam contribuir para o desvendar do estado do nosso planeta em épocas passadas"

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 9 abr 2017, 13h42 - Publicado em 7 abr 2017, 19h49

Wegener nos ensina, acima de tudo, o valor que podemos obter ao abordar um velho problema de uma perspectiva nova. Ele sempre defendeu a noção de que a história da Terra não poderia ser decifrada mantendo os compartimentos do conhecimento especializado firmemente separados entre si, com cada especialista explorando o seu próprio quadradinho, e nada mais.

Em certo sentido, o triunfo da teoria da deriva continental é um prenúncio da importância da multidisciplinaridade, algo que hoje é absolutamente cristalino não só nas ciências, como na vida cotidiana e profissional de todos nós, aqui, no século 21.

(Um parêntese pessoal: poucos imaginariam que conquistei meu primeiro emprego no jornal Folha de S.Paulo como jornalista de ciência em parte por ter colocado no meu currículo que eu desenhava histórias em quadrinhos quando era moleque. A história, contada a mim anos depois pelo editor de ciência da Folha na época, Marcelo Leite, era a de que ele buscava alguém que pudesse pensar em termos das infografias, tão importantes no noticiário de ciência, e meu background como quadrinista amador viria bem a calhar. É um exemplo pequeno, quase pueril, mas bastante eficaz, de como às vezes fazemos coisas a que não damos muita importância no momento, movidos apenas por nossos interesses e aspirações pessoais, para depois vermos essas mesmas coisas se tornando relevantes em outros aspectos e épocas da vida, quando simplesmente as deixamos vazar para “fora da sua caixinha”.)

Wegener, com sua formação em astronomia, meteorologia e climatologia, tinha referências diferentes das dos geólogos e geógrafos de então para poder abordar um problema tão intratável como gritante – o fato de que os continentes pareciam se encaixar num quebra-cabeça – a partir de uma perspectiva nova. Concentrando-se em evidências paleontológicas e paleoclimáticas, ele produziu um conjunto de fatos científicos que apontavam numa única direção: os continentes já estiveram todos reunidos numa única massa de terra – que ele chamou de Urkontinent, mas hoje conhecemos como Pangeia –, milhões de anos atrás.

Em retrospecto, o fato de não ter sua contribuição devidamente apreciada antes de sua morte mostra como Wegener estava adiante de sua época. E não pense você que ele não sabia disso. Seu irmão Kurt chegou a dizer que a motivação de Alfred para o livro A Origem dos Continentes e Oceanos, de 1915, era “restabelecer a conexão entre a geofísica de um lado e a geografia e geologia de outro, que haviam se rompido completamente por conta do desenvolvimento especializado desses ramos da ciência”. Em retrospecto, a missão foi cumprida com brilhantismo. E era um reconhecimento da importância da interdisciplinaridade, uma das qualidades fundamentais a gente de todas as áreas de atuação hoje em dia, mas uma ideia quase alienígena apenas 100 anos atrás.

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Claro que com isso não precisamos voltar atrás no tempo e esperar que todos se tornem polímatas, abdicando assim da especialização. A essa altura, o desenvolvimento cultural, científico e tecnológico é tão pujante que seria impossível ver emergir alguém capaz de comandar a imensa maioria do conhecimento disponível – algo que seria viável para alguém no Renascimento, por exemplo.

Contudo, podemos aprender a lição deixada por Wegener e aplicá-la em nosso dia a dia em toda a sua plenitude quando promovemos trabalhos em conjunto. É importante, na formação de grupos e equipes, valorizar diferentes características e qualidades, para que o todo saia enriquecido da mistura. Se todo mundo tiver o mesmo perfil, esse valor é perdido, por mais que sejam todas pessoas competentes e brilhantes. E nunca podemos perder de vista que não é só a formação acadêmica que molda e influencia esses indivíduos. Tão importantes quanto são as inclinações, aspirações e ambições pessoais. Repudiá-las, ou mesmo desprezá-las, seria destruir um enorme potencial para o desenvolvimento criativo e eficiente de qualquer trabalho.

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