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Como funciona o CRISPR, método de edição genética que venceu o Nobel de Química

O prêmio foi concedido hoje (07) a Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pela descoberta de uma técnica que consegue cortar trechos específicos do DNA

Por Maria Clara Rossini
7 out 2020, 16h37

Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna integram o primeiro grupo composto apenas por mulheres a receber o Nobel de Química. Antes delas, apenas cinco outras pesquisadoras haviam sido laureadas na categoria, sempre dividindo o prêmio com colegas do sexo masculino. O Nobel de Química de 2020 foi anunciado hoje (07) às pesquisadoras graças ao desenvolvimento da técnica de edição genética mais sofisticada que existe atualmente, chamada CRISPR. Abaixo, conheça a história de como ela foi descoberta e entenda como funciona.

A descoberta

Desde 2011, a ciência passa por uma revolução na maneira com que lida com o DNA. Naquele ano, a microbióloga Emmanuelle Charpentier descobriu a molécula tracrRNA enquanto estudava a bactéria Streptococcus pyogenes, causadora de doenças como faringite e escarlatina.  

A tal molécula fazia parte do sistema imune da bactéria. O micróbio possui um mecanismo de defesa inusitado: ele incorpora o material genético dos vírus que tentam infectá-lo ao seu próprio DNA. Isso cria uma espécie de “imunidade” da bactéria, que no futuro irá se lembrar daqueles vírus. 

Dessa forma, a bactéria possui um trecho de seu DNA (conhecido como CRISPR) cheio de pedaços de material genético de outros vírus. O DNA produz uma cópia de si mesmo (o RNA) e a molécula tracrRNA se liga a esses trechos para formar várias “tesouras personalizadas” junto com a enzima Cas9. O resultado são moléculas específicas que conseguem identificar e cortar o DNA de cada um daqueles vírus.

Aí o trabalho está feito. Se a bactéria entrar em contato com um desses vírus novamente, ela vai usar essa tesoura personalizada para picotar o DNA do agressor, impedindo que ele a ataque. Esse mecanismo também é encontrado em outras bactérias e arqueas.

No mesmo ano em que Charpentier descobriu a molécula chave do mecanismo de defesa do Streptococcus pyogenes, a pesquisadora entrou em contato com Jennifer Doudna, uma bioquímica especialista no pedaço CRISPR do DNA das bactérias.

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Doudna já havia tentado usar as proteínas Cas9, orientadas pelo CRISPR, para cortar pedaços de DNA em laboratório, mas nada acontecia. O que estava faltando era a molécula tracrRNA descoberta por Charpentier, necessária para fazer a intermediação entre o CRISPR e a Cas9, como de fosse uma peça de quebra-cabeça para ligar os dois.

A dupla conseguiu reproduzir a “tesoura” em laboratório, e percebeu que ela poderia ser útil não apenas para recortar o material genético de vírus, mas o DNA de qualquer espécie. E mais: os pesquisadores poderiam escolher exatamente qual trecho do DNA eles querem cortar.

Charpentier e Doudna receberam o Nobel de Química de 2020 pela criação da técnica batizada de CRISPR/Cas9, que está sendo utilizada desde 2012 para editar o material genético de animais, plantas e microorganismos. É a técnica mais precisa que a engenharia genética conhece hoje. Tudo por causa das tesouras que conseguem identificar e recortar apenas uma parte específica do DNA. 

Experimentos com a CRISPR/Cas9 já tornaram plantas resistentes a pragas e secas, e estudos clínicos tentam usá-la para criar novas terapias para o câncer. A expectativa é que, no futuro, a técnica possa ser utilizada para curar doenças hereditárias, o que vai desde miopia até condições mais graves, como a Doença de Huntington, que degenera as células do cérebro.

Atualmente, em testes feitos com animais, essas tesouras são incorporadas ao organismo por meio de um vetor viral. O vírus entra nas células desejadas e a tesoura corta fora um trecho de DNA, desativando a característica codificada ali – mas sem mexer no resto do material genético.

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A possibilidade mais interessante, no entanto, é substituir esses trechos por outros, como se fosse um transplante de genes. A técnica abre margem para que seja possível remover partes do DNA relacionadas a doenças, trocando-as por pedaços “saudáveis”.

Na prática, nem sempre as coisas saem como planejado. Em 2018, o cientista chinês He Jiankui usou a técnica para editar um embrião de gêmeas humanas, supostamente tornando as bebês imunes ao vírus HIV. O pesquisador cortou o gene CCR5 delas e introduziu a variante Delta 32, que ocorre em pessoas naturalmente imunes ao HIV.

O feito foi alvo de debates éticos sobre a realização de experimentos como esse em humanos. No final de 2019, outra pesquisa mostrou que a edição genética pode ter causado efeitos colaterais indesejados no DNA das gêmeas, podendo, por exemplo, afetar o desenvolvimento cognitivo delas.

A técnica ainda precisa ser muito aperfeiçoada antes do uso em humanos, mas o fato é que ela já é amplamente utilizada em pesquisas de base e abre portas para tratamentos médicos no futuro. Um dos principais focos dos estudos é usar CRISPR/Cas9 para o tratamento do câncer, já que ele nasce a partir de mutações indesejadas nas células. A técnica poderia mirar nas células doentes e arrancar o mal pela raiz. 

O Nobel 2020 já anunciou os vencedores em Medicina e Física. Os prêmios de Literatura, Paz e Economia serão anunciados quinta (08), sexta (09) e segunda-feira (12).

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