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Como um povo sanguinário ajudou a domesticar os cavalos

Genes de 13 ossadas encontradas no Cazaquistão dão detalhes dos usos civis e militares dos cavalos pela civilização Cita, contemporânea da Grécia Antiga.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
2 Maio 2017, 16h04

Uma análise genética dos ossos de 13 cavalos sacrificados por nômades Citas há 2,3 mil anos conta a história da domesticação desses animais pela espécie humana. O DNA contido nos esqueletos, encontrados no território do atual Cazaquistão, revela características anatômicas e comportamentais vantajosas que foram selecionadas para torná-los mais dóceis e adequados a subsistência e a aplicações militares.

Os cavalos ganharam um lugar nas fazendas humanas há 5,5 mil anos, inicialmente para fornecer leite e carne. Mais algumas centenas de anos se passaram até que eles dominassem os campos de batalha – onde foram relevantes até o começo do século 20, quando o uso de metralhadoras e veículos blindados sobre esteiras os tornou frágeis e obsoletos.

Os citas dominaram o centro da Ásia, entre a Rússia e o atual Irã, do século 9 a.C. até o início do Império Romano. Eles eram nômades e, segundo o historiador grego Heródoto, cruéis – tinham o hábito de cegar seus prisioneiros de guerra e beber o sangue do primeiro inimigo morto em uma batalha. Foram cavaleiros talentosos, conhecidos pela habilidade de disparar flechas envenenadas do topo de animais em movimento. Além da boa relação com os cavalos, também eram especialistas na domesticação de mamíferos como vacas e ovelhas.

Os esqueletos encontrados no Cazaquistão foram preservados pelo solo permanentemente congelado das regiões mais frias do país, conhecido como permafrost. Além dos 13 cavalos mencionados no início da matéria, que têm entre 2,3 mil e 2,7 mil anos de idade, também foi encontrada uma égua muito mais antiga, com 4,1 mil anos.

Os citas traziam animais de todos os cantos para sacrificá-los em rituais religiosos dedicados à realeza – o que torna essa espécie de “vala comum” um mapa genético abrangente dos cavalos que viveram entre a Ucrânia e a China naquele período. Para preservar os ossos, o DNA é extraído de fragmentos de menos de meio grama.

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No artigo científico, publicado na Science, os pesquisadores, liderados pelo geneticista Pablo Librado, revelam as preferências citas na hora de escolher seus Rocinantes. Animais com pernas dianteiras mais grossas e musculosas eram favoritos – afinal, correr mais rápido que o inimigo é sempre uma boa ideia. Genes associados à retenção de água também foram encontrados. Nas éguas, eles são sinônimo de mais leite.

Os citas não faziam questão de uma cor específica. Foram encontrados genes de cavalos pretos, marrons e beges – essa variedade toda na funilaria e pintura é comum em espécies domesticadas, e vem acompanhada, em geral, de orelhas caídas, cérebros menores e uma redução no número de hormônios responsáveis por comportamento arisco e violento.

Eles também não ligavam para o conforto. Nos cavalos, a presença ou ausência de um gene específico associado à coordenação motora dá a eles a habilidade de trotar – um meio termo entre uma corrida e uma simples caminhada que torna o balanço menos desgastante. As montarias citas, porém, não continham esse “botão mágico”.  

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Na média, o povo asiático foi mais consciente na hora da domesticação que os criadores de cavalos contemporâneos. Os citas mantinham grupos de cavalos muito heterogêneos, com saúde forte e adaptados para diferentes finalidades na vida civil e militar. Hoje, só um pequeno número de machos com características desejáveis é usado para fecundar todas as fêmeas – o que gera descendentes bons para uma finalidade específica, no caso, as corridas, mas com pouquíssima variabilidade genética e maior propensão a várias doenças.

Segundo o jornal norte-americano Washington Post, esse não é um problema contemporâneo. É provável que a rápida expansão do Império Romano – e com ele, a disseminação de “famílias” muito específicas de cavalos por todo o mundo ocidental – tenha sido o gatilho desse processo de seleção artificial. Para os pesquisadores, foi essencial encontrar esqueletos que têm em média 2,5 mil anos. Eles estão bem no centro da relação de 5 mil anos entre humanos e cavalos, e permitem estabelecer até que ponto o processo de domesticação havia caminhado naquele período.

Ser ou não capaz de domesticar animais foi uma habilidade decisiva na história da civilização. No livro Armas, Germes e Aço, o biólogo e geógrafo Jared Diamond constrói uma teoria que explica o ritmo do desenvolvimento tecnológico de povos de diversas partes do planeta com base nas oportunidades que cada uma teve de domesticar animais e plantas úteis ainda na pré-história.

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As vacas, por exemplo, são descendentes de animais chamados auroques, extintos em 1627. Eles eram grandes, chifrudos e nada dispostos a colaborar conosco – milhares de anos de seleção artificial os transformaram nas vacas atuais, gordinhas e simpáticas. A disponibilidade de animais como elas, os camelos e os cavalos na Eurásia e não nas Américas, segundo Diamond, teria dado aos povos do Velho Mundo uma dianteira razoável – a disponibilidade de comida permite que uma população se dedique a outras atividades além da caça e da coleta.

No caso dos cavalos, essa vantagem vai além – pois permitiu vitórias militares que, se não tivessem ocorrido, teriam mudado a história da humanidade. É muita responsabilidade para uma crina só.

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