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Corujas, rainhas da escuridão

A natureza fez delas excelentes caçadoras, graças à plumagem e à visão e audição privilegiadas. Os mesmos atributos que garantem sua segurança.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 30 nov 1990, 22h00

Márcia Rocha

Todas elas têm a mesma aparência: cabeça e olhos grandes, bico curvo, plumagem macia que às vezes chega até os dedos dos pés, rabo curto, garras afiadas e as fêmeas são um pouco maiores que os machos. De olhar profundo e penetrante, as corujas parecem ameaçadoras e, embora inofensivas, são cercadas por lendas e superstições. Alguns acreditam que elas trazem sorte, mas geralmente estão associadas com mau agouro. Não é por acaso que todo filme de terror que se preze sempre tem uma coruja piando como se anunciasse a tragédia que, invariavelmente, está por vir. Predadoras noturnas, as corujas pertencem à ordem dos estrigiformes e são divididas em duas famílias: titonídeos e estrigídeos. Brancas, acinzentadas ou avermelhadas, as corujas não têm dimorfismo sexual das cores, ou seja, na mesma espécie tanto machos quanto fêmeas podem ter a mesma cor. O tamanho varia entre 12 e 70 centímetros, e a envergadura das asas pode chegar a quase 2 metros. Caçadoras por excelência, essas aves se valem, principalmente, da visão, da audição e da plumagem, três verdadeiros prodígios da evolução. Por serem enormes, os olhos se destacam e, ao contrário dos olhos humanos, enxergam perfeitamente num noite escura, porque têm grande capacidade de dilatar a pupila, captando a maior quantidade de luz possível.

Muitos fotógrafos se aproveitam disso e usam uma lanterna potente para localizar essas aves, que, sob o facho de luz, ficam com os olhos vermelhos e brilhantes. A estrutura do olho das corujas também é singular. Os bastonetes, células especializadas em captar a luz dos objetos, estão densamente concentrados na região central da retina — a fóvea, onde é a maior a incidência de raios luminosos. Já nos humanos, as fóveas têm somente células captoras de cor, ou seja, cones (SUPERINTERESSANTE número 1, ano 4). “A coruja-buraqueira (Speotyto cunicularia), por exemplo, muito comum no Paraguai e no Brasil, tem quatro bastonetes para cada cone nas fóveas e, na região periférica da retina, essa proporção aumenta para mais de nove bastonetes, explica Ricardo Luiz Smith, professor de Anatomia da Escola Paulista de Medicina.

Por isso mesmo, os cientistas deduziram que as corujas não enxergam cores, ou, pelo menos, não têm uma visão desenvolvida das cores. O que não é nenhuma desvantagem, já que ela é um bicho especialmente adaptado à escuridão. Por outro lado, a disposição frontal dos olhos diminui o ângulo de observação, prejudicando a visão global. Mas a natureza compensou tal limitação com uma solução no mínimo curiosa: graças à versatilidade das vértebras do pescoço, as corujas são capazes de virar a cabeça num ângulo de 270 graus e assim conseguem olhar em todas as direções. Os ouvidos, diferentemente do que se pode imaginar, nada têm a ver com os tufos de penas que mais parecem orelhas ou chifres na cabeça de algumas espécies. Na verdade, eles estão bem escondidos debaixo de finíssimas plumas que lembram uma máscara — os chamados discos faciais. Essas penas concentram os sons e os transmitem ao ouvido externo —pequenas aberturas situadas na parte lateral da cabeça.

Em muitas espécies, o conduto auditivo esquerdo está voltado para baixo e o direito para cima, numa assimetria que favorece a percepção de ruídos, pois há uma pequena diferença nos sons que os ouvidos dessa forma conseguem captar. Eles são analisados independentemente pelo cérebro e, dessa maneira, a ave consegue saber a posição correta de quem os emitiu. “A disposição correta das penas torna os discos faciais verdadeiras conchas acústicas. O som encontra-se com elas e é enviado para as aberturas do ouvido, que funcionam como uma espécie de microfone”, diz a bióloga Elizabeth Höfling, da Universidade de São Paulo.

Mas afinal, no instante crítico em que a coruja tem que identificar uma presa ou predador, o que atua primeiro? Os olhos ou os ouvidos? Apesar de enxergarem muito bem, numerosas experiências científicas provaram que, na hora H, o que conta mesmo é a audição. Uma coruja cega não teria problemas em capturar suas presas, ao passo que, surda, mesmo que apenas de um dos ouvidos, não conseguiria dar golpes tão certeiros. Mas as corujas ainda possuem uma terceira arma: as plumas extremamente sedosas estão estreitamente ligadas à audição durante a caça. A textura da plumagem faz com que elas passem despercebidas durante o vôo. Além disso, as chamadas “penas do vôo”, que recobrem a borda das asas, formam uma espécie de franja, que reduz o atrito com o ar, tornando-as ainda mais silenciosas. Com tantos atributos, não é difícil imaginar como se dá uma manobra de caça em plena noite. Pousada em alguma árvore, no mais completo silêncio, a coruja gira a cabeça em todas as direções para ver se consegue captar algum indício, por mais leve que seja, de alguma presa. Em seguida, ela fixa seu infalível radar num ponto e, rápida, se lança certeira sobre a vítima. Pouco tempo depois, tranqüilamente, ela despedaça a presa com as garras afiadíssimas ou a come inteira. Apesar de contar com poderosos sucos gástricos para fazer a digestão, algumas partes do corpo das vítimas, como os ossos (principalmente os do crânio), os dentes e os pêlos, não são digeridos. Acumulam-se no estômago, para depois serem expulsas via oral em forma de pelotas, as chamadas bolotas de regurgitação, valiosas fontes no estudo da dieta desses animais.

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Hoje, os pesquisadores já sabem que a parte fundamental de sua alimentação se compõe de aves, peixes às vezes, insetos e, principalmente, de pequenos mamíferos, como morcegos e roedores.

Em geral, as corujas costumam ter um único período reprodutivo por ano, mas se a caça for farta podem ter mais de um. É que existe uma relação direta entre a taxa de natalidade e a presença de alimentos. Quando a caça míngua, as fêmeas não chegam a pôr ovos, pois precisam de energia extra para formá-los. O acasalamento geralmente ocorre no começo da primavera, e a quantidade de ovos varia de espécie para espécie. Como as corujas ainda não foram suficientemente estudadas, os cientistas sabem apenas que o número de ovos que elas põem varia de acordo com a quantidade de caça.

O sucesso na reprodução também depende da escolha de um lugar seguro para o ninho, o que varia de espécie para espécie. A maioria prefere árvores ocas ou ninhos abandonados por outras aves, mas a corujinha-buraqueira, por exemplo, faz ninhos em cupinzeiros e buracos de tatu. Mais amiga das alturas, a suindara ou coruja-das-torres (Tyto alba), também comum no Brasil, prefere fazer ninhos em sótãos ou torres de igrejas. Por seus hábitos discretos, as corujas são difíceis de ser localizadas por inimigos e eventuais observadores humanos. Durante o descanso diurno, elas se empoleiram num galho, contraem a plumagem, alongam o corpo e ficam com os olhos semicerrados, para não atrair a atenção de visitantes indesejados. Quando se sentem ameaçadas, assumem uma postura intimidatória abrindo as asas pela metade e fazendo com elas um movimento de rotação, além de arrepiar as penas, estalar o bico e cravar os enormes olhos no inimigo. Por isso, qualquer um aposta que elas são quatro vezes maiores. O canto também é muito importante, tanto na defesa do território quanto na época do acasalamento. É através dele que um indivíduo se faz reconhecer pelos outros. Cada espécie tem um canto, com afinação, timbre e ritmo únicos que podem variar desde os pios dados pelas corujas maiores até os trinados das menores. Embora sem melodia como o canto de certos pássaros, algumas corujas emitem sons que podem até parecer musicais aos ouvidos humanos. Já foram muito perseguidas, principalmente por causa das falsas crenças que as cercam. Algumas vão parar nos laboratórios clandestinos de taxidermia e viram corujas empalhadas. Para os cientistas, seu futuro ainda é incerto, pelo menos enquanto não se pesquisar mais sobre essas assustadoras aves de rapina.

Para saber mais:

Vida noturna

(SUPER número 3, ano 3)

Difíceis de fotografar

“Para fazer fotos de um animal qualquer, é preciso conhecer seu modo de viver, seus hábitos. Assim, não prejudicamos o bicho e, ao mesmo tempo, flagramos situações interessantes. Não se trata de simplesmente dar um clic.” Assim, o fotógrafo Haroldo Palo Júnior, especialista em fotos de natureza e animais, explica o trabalho que faz. Com as corujas, a tarefa é ainda mais complicada, porque são bichos noturnos e, à noite, é quase impossível localizá-las. Para isso, são necessários outros equipamentos além dos normais. Haroldo, por exemplo, quando vai fotografar uma determinada espécie de coruja, costuma levar uma potente lanterna e um gravador que reproduz os cantos de outras espécies. Assim que o gravador é ligado, as corujas que estão por perto começam a cantar, na ilusão de que precisam defender seu território de algum intruso. Os sons que elas emitem orientam o fotógrafo. A lanterna serve para focalizar os olhos dessas aves, que se tornam vermelhos e brilhantes assim que a luz bate neles. Isso acontece porque parte dessa luz reflete na retina, que é avermelhada. Para fotografar os ninhos, é preciso redobrar os cuidados, porque as corujas se tornam mais agressivas e podem ferir um fotógrafo desavisado, como aconteceu com o inglês Eric Hosking, que perdeu um olho nessa aventura.

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