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Covid-19: segunda onda na China sugere mutações no vírus

Pessoas ficam doentes por mais tempo e demoram mais para apresentar sintomas, dizem médicos que acompanham os novos casos no nordeste do país.

Por Bruno Carbinatto
26 Maio 2020, 21h11

Depois de ser o epicentro inicial da pandemia e controlar a crise com lockdowns extremos, a China agora está enfrentando uma segunda onda de casos de Covid-19, desta vez no nordeste do país. As provínciais de Heilongjiang  e Jilin já registraram novos casos de transmissão comunitária, o que fez com que governos locais decretassem medidas de isolamento social na região, mesmo que os números sejam bem menores dos registrados na província de Hubei no início da pandemia. Mais de 100 milhões de pessoas vivendo no nordeste do país estão sob algum tipo de restrição de movimento, segundo estimativas. Mas, mais do que uma nova preocupação para o país, essa segunda onda pode revelar detalhes importantes sobre a evolução do SARS-CoV-2. Isso porque os novos casos registrados estão sendo substancialmente diferentes dos observados em Wuhan, o que sugere mutações no patógeno.

As constatações vêm de médicos do país que acompanharam tanto o surto inicial quanto os mais recentes. Segundo Qiu Haibo, um dos principais médicos de cuidados intensivos da China que ajudou no surto de Wuhan e agora atua no nordeste do país, os novos pacientes parecem carregar o vírus por mais tempo. Eles levam mais do que duas semanas para apresentar sintomas, também demora mais para testar negativo – e curados. Isso dificulta o trabalho de rastrear os casos e impedir a transmissão, já que aumenta o tempo que uma pessoa pode levar o vírus adiante, mesmo sem sintomas.

Além disso, os próprios sintomas são diferentes. Enquanto em Wuhan vários pacientes tinham órgãos como rins, coração e intestino afetados, os novos casos parecem ter quadros mais focados em danos aos pulmões, inclusive mais severos do que os do início da pandemia. Por outro lado, menos pacientes graves – cerca de 10% – chegam ao estágio crítico da doença e precisam de entubação. Ou seja, menos gente chega ao pior estágio da doença, mas quem chega enfrenta um vírus mais agressivo. Além disso, a febre – um dos principais sintomas citados como indício da doença – já não está tão presente como nos casos iniciais, enquanto a dor de garganta e a sensação de um mal estar geral integram agora a lista dos mais comuns.

Cientistas ainda não sabem explicar exatamente o porquê das diferenças. Uma das hipóteses mais forte é que a cepa do vírus que está causando a crise no nordeste do país seja diferente da que devastou Wuhan: análises genéticas sugerem que o vírus circulando pela China agora tenha vindo da Rússia, o terceiro país com mais casos no mundo (atrás somente do Brasil e dos Estados Unidos).

Com mapeamento genético, dá para saber quando um vírus sofre mutações. Sabemos, por exemplo, que os primeiros casos registrados no Brasil vieram da Europa, pois o vírus já tinha passado por uma mutação ao imigrar da China para a Itália e a Alemanha. Acontece que sofrer uma mutação não necessariamente altera de fato alguma característica do vírus – na verdade, a maior parte das mutações não tem efeito algum. Nenhuma mutação que altere o funcionamento vírus foi identificada com certeza até agora. Os cientistas alertam, então, que é precoce afirmar que o vírus esteja ficando mais perigoso – ou menos.

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Mas, se não forem mutações, o que explica as mudanças observadas nos novos casos da China? Alguns acreditam que não é o vírus em si, mas o progresso nas pesquisas. Agora, temos mais informações sobre as infecções e podemos estudar a doença melhor, incluindo a progressão dela em fases iniciais. Em janeiro, pouco, ou nada, se sabia sobre o vírus, e é possível que muitos pacientes já estivessem infectados há semanas, sem sintomas. Além disso, no pico de infecções o sistema de saúde de Wuhan ficou tão sobrecarregado que a prioridade era salvar as vidas dos pacientes graves, e não havia tempo nem recursos para acompanhar os milhares de casos leves. Não é o que acontece agora, com muito mais pesquisas sendo feitas sobre a evolução da Covid-19.

Além disso, os novos dados são de um grupo seleto e pequeno de pacientes, e são meramente observacionais: não foram publicados em revista científica, nem obtidos segundo metodologia revisada por pares. Conforme a doença se espalhou pelo mundo, vários cientistas relataram novas informações sobre a doença, como sintomas raros e diferenças na progressão do quadro clínico. Ou seja, a doença por si só é variável de pessoa para pessoas: não dá para usar os novos casos da China como parâmetro para generalizar.

 

 

 

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