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Depressão: de frente para o abismo

A tristeza é senhora, e desde que o ser humano é humano é assim. Mas o número de depressivos só cresce. Saiba por que a evolução permitiu que isso acontecesse.

Por Maurício Horta
Atualizado em 15 jan 2023, 11h25 - Publicado em 19 Maio 2012, 22h00

Qualquer vida é triste. O tempo passa e todo momento feliz é uma perda que podemos recuperar apenas na memória. Nossos desejos não têm fim, e nos sentimos impotentes quando eles não correspondem às limitações do mundo. Nossos corpos inevitavelmente entram em decadência e, por fim, todos nós morremos. Mas a vida também é feliz e, conforme superamos uma frustração amorosa, a morte de alguém ou um fracasso, logo voltamos à luz, prontos para ver que cada conquista expande nosso mundo.

Só que em alguns casos a tristeza não vai embora e se torna muito maior que o fato que a desencadeou. E a depressão começa lentamente a agarrar e corroer a vida, como a ferrugem consome a lataria de um carro abandonado.

Para o depressivo, a vida é estar constantemente à beira de um abismo, tomado pela tontura que rouba o equilíbrio e que paralisa diante de uma queda iminente. Ele se sente para baixo o tempo todo, inútil, culpado, desconcentrado, cansado, sem prazer para fazer as coisas do dia a dia. O sono fica irregular, o peso cai, e ideias de morte ou suicídio não saem da cabeça – segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 15% dos depressivos acabam se matando.

O problema é sério – em 2001 (esse é o dado mais atual), havia 340 milhões de depressivos espalhados por todo o mundo, dos quais apenas 25% tinham acesso a algum tratamento efetivo. E o transtorno não para de crescer. Quando chegarmos a 2030, será a doença mais comum no mundo, segundo a OMS.

Quais são as causas?

A depressão é engatilhada por eventos da vida, como alguma perda – a de uma pessoa querida, de uma função, de uma ideia sobre si e é pior quando se sofre humilhação ou a sensação de estar em uma armadilha. Mas também mudanças positivas podem surpreendentemente desencadear a depressão – como o casamento ou uma promoção no trabalho.

Só que nem sempre passar por uma barra leva a uma depressão. Afinal, ela não tem uma causa única. Na verdade, é uma conjunção de fatores genéticos (se um gêmeo tiver depressão, seu irmão terá 46% de risco), bioquímicos (desequilíbrio de neurotransmissores, como serotonina, norepinefrina e dopamina), ambientais (quando os acontecimentos da vida vão mal) e psicológicos (a história de vida da pessoa). Por isso, o tratamento em geral inclui tanto medicamentos quanto psicoterapia, num processo por vezes frustrante, com tentativas e erros até encontrar o remédio (e o psicólogo) correto. E é importante que segui-lo à risca e não abandoná-lo sem orientação médica quando começar a se sentir bem. O caso do jornalista Andrew Salomon mostra bem o risco de abandonar o tratamento por conta própria.

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Solomon era um exemplo de sucesso. Graduou-se na Universidade de Yale e fez mestrado em Cambridge. Viajou o mundo, escrevia para a revista New Yorker e, quando parou de tomar antidepressivos, decidiu se matar. Como a culpa de traumatizar a família impedia o suicídio, optou pela via indireta. “Não conseguia encontrar uma maneira de provocar câncer, esclerose múltipla e outras doenças fatais, mas sabia como pegar aids. Então, decidi fazê-lo”, conta em seu livro O Demônio do Meio-Dia, sobre a depressão com a qual aprendeu a conviver.

Durante 4 meses, afundou-se em encontros sexuais com estranhos que presumia infectados. Quando marcou seu teste de HIV, teve uma crise tão forte que voltou aos medicamentos. Por fim, descobriu não ter sido contaminado. Depois de dois meses, a crise passou. Nunca mais Solomon abandonou seus remédios, e assim conseguiu seguir em frente. “O oposto da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade. E minha vida (…) é vital, mesmo quando triste”, escreve.

Evolução

Como é possível que um transtorno tão prejudicial possa ter resistido à seleção natural e se tornado uma das doenças mais comuns da humanidade? Evolucionistas apresentam ao menos 3 possibilidades. Uma é a teoria da hierarquia, proposta pelos psiquiatras evolucionistas Anthony Stevens e John Price. Para eles, a depressão garante que animais consigam conviver conformados em sociedade, obedecendo hierarquias.

“O estado de depressão evoluiu-se para promover a aceitação do papel subordinado”, escrevem. Assim, quando um animal perde uma disputa, a depressão diminui suas aspirações de dominação e evita que tente questionar seu papel secundário – mesmo que ao líder se reserve a vantagem de ter mais comida e mais parceiros sexuais que os demais.

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Outra hipótese é a de que nosso cérebro evoluiu menos do que a forma como nós vivemos. A sociedade moderna, com suas inúmeras escolhas, decisões e responsabilidades, é simplesmente estressante demais. Afinal, o homem das cavernas não tinha que optar por uma profissão, procurar emprego e trocar de família, de cidade, de grupos sociais. Da vida se podia ter mais certezas e bem menos motivos para se arrepender.

Também é possível fazer a hipótese de que a depressão ajuda a encontrar soluções para problemas. É o que propõem Paul Watson e Paul Andrews, da Universidade do Novo México, EUA. Ao concentrar toda a energia para ruminar suas questões, o depressivo leve pode encontrar alternativas que não passariam por sua cabeça se estivesse feliz. Ao mesmo tempo, consegue das pessoas mais próximas certa benevolência e uma maior disposição para ajudarem-no.

E por que hoje a depressão não para de crescer? É possível especular várias razões – desde as mudanças tecnológicas até a crise das religiões. Mas isso é especular. O que a psicóloga Joan Chiao, da Universidade Northwestern, EUA, fez foi estudar o fenômeno do ponto de vista genético e cultural em 29 países. Sua conclusão aponta para o individualismo.

A prevalência de uma variante do gene transportador de serotonina relacionada à depressão é duas vezes maior nos povos do Leste Asiático – como chineses e japoneses – do que entre ocidentais. Mas, diferentemente do que isso sugeriria, a prevalência da depressão no Ocidente é muito maior do que no Leste Asiático.

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A razão, segundo o estudo, é que culturas baseadas na colaboração coletiva como as orientais acabam dando um apoio social a indivíduos geneticamente suscetíveis à depressão. “Isso parece proteger indivíduos vulneráveis de riscos ambientais que serviriam de gatilho para episódios depressivos”, conta. Ou seja, é impossível ser feliz sozinho.

Para saber mais

Demônio do Meio-Dia: uma Anatomia da Depressão
Andrew Solomon, Objetiva, 2002.

Populações em risco
A depressão atinge todos, mas com forma e força diferentes

ADOLESCENTES

Pelo menos 5% dos adolescentes sofrem depressão – o que é agravado pela dificuldade em saber o que é comum nessa fase de mudança de personalidade e o que é questão psiquiátrica.

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MULHERES

A depressão é duas vezes mais comum entre elas que entre eles, por motivos tanto biológicos quanto sociais e psicológicos. Além de os níveis flutuantes de estrogênio e progesterona terem efeito nítido no humor, a mulher sintetiza serotonina mais lentamente que os homens. Por outro lado, elas têm mais probabilidade de ser vítima de abuso, de ter menor instrução, de viver subordinadas e de se preocupar demasiadamente com os filhos.

HOMENS

Por outro lado, homens têm 4 vezes mais probabilidade de se suicidar. Como as culturas ocidentais consideram “feminino” admitir fraquezas, deprimidos tendem a, em vez disso, ficar frustrados, irritados e às vezes agressivos. É comum buscar a saída no álcool e nas drogas.

HOMOSSEXUAIS

Richard Herrell conduziu em 1999 um estudo com 103 duplas de irmãos gêmeos de meia-idade em que um era homossexual, e outro, heterossexual. Entre os heterossexuais, 3,9% já haviam tentado se matar; entre os homossexuais, a proporção subiu para 14,7%. A explicação mais óbvia para essa alta taxa de depressão entre os gays é a internalização da homofobia.

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