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Diamantes para toda obra

Do espaço ao fundo da Terra, o diamante entra em cena quando nenhum outro material agüenta trabalho pesado ou executado em condições adversas. Incorporado à eletrônica, ele promete revolucionar o mundo dos computadores

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 30 abr 1991, 22h00

Fátima Cardoso

É apenas uma pedra, de estrutura simples, composta por átomos do elemento básico de toda forma de vida., o carbono. Raro, elaborado pela natureza há milhões de anos em camadas profundas da Terra, o diamante desde a Idade Média tem sido o ornamento mais fascinante e valioso das coroas reais e das jóias das mulheres afortunadas. Ao longo das últimas décadas ele se tornou também uma pedra preciosíssima para cientistas que pesquisam materiais.

Essa jóia, porém, não é natural nem nasce no fundo da Terra, mas em laboratórios. Como uma versão contemporânea dos alquimistas medievais, que procuravam a pedra filosofal para transformar chumbo em ouro, esses cientistas fazem diamantes a partir de substâncias tão pouco nobres como grafita ou gás metano. Longe de criar pedras para ornamentar anéis, eles buscam aperfeiçoar um material que pode se tornar o trampolim de um novo salto tecnológico, promessa mais concreta do que os badalados supercondutores cerâmicos anunciados alguns anos atrás.

Por suas propriedades, os diamantes se constituem num espécie de panacéia tecnológica, remédio para problemas em locais tão diversos quanto usinagem de metais, instrumentos medidores de radiação, computadores, naves espaciais e perfuração de petróleo. “Um diamante, seja natural ou sintético, é o material mais duro que existe”, diz o físico João Herz da Jornada, chefe do Grupo de Física de Altas Pressões da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que pesquisa a síntese de diamantes há seis anos. Isso significa que a pedra risca e penetra qualquer outro material, mas não pode ser riscada por nenhum deles. Duro mas frágil: devido ao tipo de arranjo molecular dos átomos de carbono, o diamante quebra quando leva pancadas em determinados planos. Mas sua resistência à abrasão é poderosa, o que lhes permite desgastar de cerâmicas a metais e sofrer bem pouco ataque.

Diamantes são também os melhores condutores térmicos, ou seja, dissipam calor mais rápido que qualquer outra substância, ao passo que são isolantes elétricos, impedindo a passagem de correntes elétricas. Inertes quimicamente, dificilmente reagem com outras substâncias, passando incólumes por banhos de ácido capazes de dissolver metais.Tudo isso misturado numa só pedrinha, e tem-se a receita de um material quase perfeito. Até 1955, quando nos laboratórios da General Electric americana foi produzido o primeiro diamante sintético, dependia-se apenas dos naturais que haviam se dignado a subir à superfície da Terra. Somente em 1797, o químico inglês Smithson Tennant provou que o diamante era simplesmente uma forma de carbono: queimado na presença de oxigênio, virava dióxido de carbono, como acontece com a grafita ou com o reles carvão vegetal. O século e meio seguinte foi de corrida para ver quem descobria a receita de transformar grafita em diamante, em que a GE chegou primeiro.O método desenvolvido pela GE é a técnica de alta pressão e alta temperatura. Junta-se um pouco de grafita, um catalisador (metais como ferro, cobalto e níquel), faz-se um sanduíche de várias camadas, colocando-o no centro de uma câmara de alta pressão. No Laboratório de Alta Pressão da Federal gaúcha, montado com máquinas e equipamentos totalmente projetados e construídos no Brasil (e iguais aos estrangeiros ), essa câmara é o furo central de um disco de carboneto de tungstênio. uma liga superdura. 

Colocada numa prensa de 500 toneladas, a câmara atinge a pressão de 50 000 a 60 000 atmosferas—1 atmosfera é a pressão do ar ao nível do mar. Uma corrente elétrica passa então por dentro da câmara e aquece o sanduíche na temperatura ideal de 1 500ºC. Em cinco minutos, tem-se uma mistura solidificada de diamantes pequenininhos e metal. Um banho de ácido dissolve o metal e ficam só as pedrinhas. Parece simples, mas é preciso controlar muito bem temperatura e pressão, para que o processo seja eficiente.Acima de 1 000 graus Celsius, o diamante em pressão normal se grafitiza. Isso só não acontece na câmara por causa da alta pressão, condição em que a forma estável do carbono é o diamante. Quando se quer uma pedra maior, monocristalina, um pequeno diamante é colocado na base da câmara, e ali o carbono vai se depositar, fazendo-o crescer, num processo que pode demorar uma semana.Foi assim que o laboratório da GE fabricou seu diamante ultrapuro, com 99,9% de isótopos de carbono-12 (enquanto os naturais têm 99% ), e apenas 0,1% de carbono-13, considerado uma impureza. Esse ultrapuro consegue a proeza de conduzir calor com 50% a mais de eficiência do que o diamante natural. Do diamante, costuma-se dizer que é para sempre, mas na verdade não deveria ser nem por trinta segundos. Na temperatura e pressão da superfície da Terra, a forma estável do carbono é a grafita. O diamante é a forma metaestável, ou seja, só continua existindo porque não há energia suficiente (alta temperatura) que sacuda seus átomos e o faça retornar à forma estável, a grafita.

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Calcula-se em 1 bilhão de dólares anuais o mercado mundial de diamantes sintéticos, Graças a sua dureza, o diamante entra em cena na indústria toda vez que ferramentas normais não dão conta do serviço pesado. Só nos automóveis, cada um que sai da linha de montagem deixa para trás 1 quilate (0.2 grama) de diamante gasto em sua produção. Como nessa indústria trabalha-se muito com peças e ferramentas de materiais duros e abrasivos, o diamante é quem dá melhor resultado nas usinagens—retiradas de material para que as peças atinjam as dimensões exigidas— e acabamentos. como polimento de discos de freio ou dos cilindros dos motores. Quem faz esse trabalho é o chamado policristalino de diamante, ou PCD, uma das formas de aplicação do diamante industrial que nada tem a ver com as gemas vistosas incrustadas nos anéis.Quase 90% dos diamantes industriais são sintéticos. Pedrinhas minúsculas, com tamanho variável entre 1 200 e 0,25 mícrons (1 mícron é 1000 vezes menor que 1 milímetro), parecem a olho nu um punhado de purpurina extremamente brilhante. O PCD é feito com milhares de diamantes de 10 mícrons colocados sobre uma base de metal-duro, uma liga de carboneto de tungstênio com cobalto. Sob alta temperatura e pressão, o cobalto penetra nos interstícios entre os diamantes, unindo os pedacinhos num corpo agora inteiro, com formatos diversos e tamanhos de até 5 centímetros. 

Além da indústria automobilística, o PCD é usado na aeronáutica, para trabalhar os novos materiais leves e resistentes como kevlar e fibra de carbono.”No caso da fibra de carbono, é imprescindível o uso de ferramentas que sustentem o poder de corte por muito tempo, como as de diamante, pois se ficarem cegas estragam a fibra”, explica o engenheiro Luiz Carlos Caetano da Silva, da De Beers Diamantes Industriais do Brasil. Outro processo de construir ferramentas diamantadas é a sinterização, em que grãos de diamantes são misturados a ligas metálicas que aprisionam esses grãos. Essa liga cravejada de pedras pode ser posteriormente soldada a diferentes bases, formando ferramentas como rebolos, serras e limas. Uma das ferramentas mais importantes é a broca para perfuração de poços de petróleo. Com o diamante sinterizado na ponta, a broca vai perfurando várias camadas de rocha até perto de 4 000 metros de profundidade. Só o diamante consegue chegar lá inteiro—ainda que as pedras sofram desgaste no processo, ele é muito menor do que o sofrido por qualquer outro material que fosse utilizado, tornando a broca resistente por mais tempo. Segmentos sinterizados de diamantes são aplicados também em serras. Elas cortam qualquer pedra que apareça pela frente, de mármore e granito a concreto.

O método mais moderno de fabricar diamantes sintéticos é chamado CVD, sigla de Chemical Vapour Deposition, ou deposição de vapor químico, inventado por soviéticos há mais de dez anos. Os avanços científicos e técnicos nesse método, nos últimos quatro anos, transformaram- no na última moda em laboratórios de todo o mundo. “Nesse processo, não se passa de uma fase a outra, mas de uma substância a outra”. afirma o físico Rogério Pohlmann Livi, do Grupo de Altas Pressões da Federal do Rio Grande do Sul.A matéria-prima aqui não é a grafita, mas o gás metano (CH4). Numa proporção de mais de 99% de hidrogênio e menos de 1% de metano, o gás é levado a um recipiente de vidro protegido com quartzo e passa por um filamento de tungstênio, semelhante ao das lâmpadas domésticas, onde é aquecido a 2 000°C. A temperatura ativa o gás e quebra as ligações moleculares, ocorrendo a formação de radicais livres (CH3, CH2,CH, etc.). Em muitos experimentos o gás é ativado por microondas, Iaser ou até mesmo pelas reações químicas em maçaricos.Dentro do recipiente de vidro fica a base onde vai se formar o diamante, o substrato, geralmente uma plaquinha de silício mantida aquecida a 800°C. Cada molécula de CH3 se deposita sobre o substrato, deixando ali o carbono e liberando o hidrogênio. 

Os átomos de carbono se arranjam então na forma de diamante, microscópicos cristais nascendo ao longo do substrato, num processo chamado nucleação. Os pequenos cristais de diamante espalhados pela superfície crescem até se tocarem, formando uma camada continua. O resultado do CVD, portanto, é um filme de diamante policristalino, ou seja, formado por milhares de infinitesimais cristais de diamantes agregados.A invenção do CVD foi um achado. É certo que ele ainda custa muito mais do que o de alta pressão—calcula-se em 100 dólares por quilate—, pois são necessárias cerca de dez horas de um consumo extraordinário de energia para fabricar um 1 filme de 1.5 cm x 1.5 cm com até 10 mícrons de espessura. Apesar do preço ainda elevado, essa nova técnica permite o revestimento de diamante em superfícies relativamente extensas (atualmente mais de 100 centímetros quadrados) e com formas complexas, o que viabiliza um grande número de novas aplicações.Por outro lado, para campos tão diferentes como revestimentos antiabrasivos, ferramentas de corte e microeletrônica, apenas camadas muito finas—e portanto baratas—são necessárias. Estima-se que a introdução do processo CVD irá ampliar consideravelmente o mercado do diamante sintético, dos atuais 1 bilhão de dólares por ano para algo em torno de 7 bilhões de dólares por ano. Imune a radiações, o diamante daria um ótimo passageiro a bordo de naves espaciais, já que passaria ileso pelo mar de raios lá em cima, como os ultravioleta e os raios X. 

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É uma janela perfeita também para aparelhos de raios laser. Isso tudo, se ainda não é uma realidade comercial, já é viável tecnologicamente. Porém, um dos grandes desafios pelos quais fervilham os laboratórios que pesquisam materiais em todo o mundo é aprender a usar o potencial do diamante como semicondutor, na fabricação de chips com características muito melhores do que os existentes hoje, baseados no silício.Melhor dissipador de calor já nascido ou inventado, e transportando impulsos elétricos a velocidades muito superiores à do silício o diamante poderia fazer maravilhas dentro de um computador. Os chips de silício, que fazem o trabalho de processar informação, já pedem água por tanto esforço que fazem. A movimentação dos elétrons dentro deles produz calor—assim, quanto mais informação passa mais ele fica quente—, e acima de 200 ou 300°C o chip está destruído. A 1 50°C ele já não funciona direito, um problema sério para computadores a bordo de automóveis, veículos militares e mísseis, que nem sempre trabalham sob sombra e água fresca, como aconteceu recentemente na Guerra do Golfo Pérsico. Supercomputadores, não fossem seus eficientes sistemas de refrigeração, simplesmente não poderiam funcionar.

Embora seja isolante elétrico, o diamante, tal e qual o silício, vira um semicondutor quando dopado (adicionado de impurezas) com outra substância, nesse caso o boro. Só que a confecção de chips de diamante para computadores e outros equipamentos eletrônicos, pelas mesmas tecnologias existentes para o silício, esbarra na inabilidade em se produzirem camadas finas monocristalinas do material. Por enquanto, só se consegue fazer crescer filmes policristalinos (um aglomerado de monocristais).Por isso, em dezenas de laboratórios do mundo, existe hoje uma corrida louca atrás do crescimento epitaxial (com a mesma orientação cristalina) de diamante sobre silício e outros materiais, tendo como resultado as duas camadas monocristalinas. “Mesmo que isso seja conseguido, existem muitos outros problemas a serem resolvidos para a fabricação de chips comerciais, como contatos elétricos, dopagern seletiva, adesão de camadas e temperatura de funcionamento”, adverte João Herz da Jornada. De qualquer forma, protótipos de diodos e transistores—peças básicas dos chips —feitos de diamante já provaram seu funcionamento em laboratório. Fazê- los trabalhar no mundo real parece ser uma questão de tempo e de desenvolvimento tecnológico. Quando esse dia chegar, os computadores verão o futuro mais brilhante.

 

 

 

 

 

 

Boxes da reportagem

Caixa de reflexos

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Antes de ser lapidado, um diamante natural tem a aparência de uma pedra qualquer. É nos cortes sofridos durante a lapidação que ele se transforma numa verdadeira caixa refletora de luz. Qualquer que seja o formato, de circular a quadrado, o importante é dar ao diamante a proporção correta. Assim, a luz, ao entrar pela pane de cima da pedra, reflete e sai também por cima, causando aos olhos a impressão de brilho. Se a pedra ficar com um cone muito profundo, a luz reflete uma vez e escapa para o lado. Num diamante raso demais, a luz passa direto e o atravessa, sem refletir.Quando passa pelo processo de lapidação, um diamante perde metade de seu peso original. É necessário extrair cerca de 250 toneladas dos veios de kimberlito, a rocha que abriga os diamantes formados a 160 quilômetros de profundidade numa temperatura de cerca de 1 700° C, para se conseguir uma gema—uma pedra com pouca ou quase nenhuma impureza, e de tamanho suficiente para ser cortada.

 

 

 

 

 

 

 

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