Uma megalomaníaca, hollywoodiana intervenção humana poderia instalar über-refletores na órbita da Terra e assim acabar com a escuridão. Mas, até este momento da história, não há motivo para fazer algo tão faraônico. Então fiquemos com a alternativa astronômica. A única maneira de não haver noite é pela sincronização dos movimentos da Terra. Ou seja, se a rotação fosse igual à translação. Só assim o mesmo lado do planeta daria toda a volta ao redor do Sol sem deixar de ser iluminado. E, para isso, a velocidade da Terra no Sistema Solar deveria ser constante, o que implica uma órbita circular, e não elíptica. Mesmo com essas condições, seria dia para sempre somente em um lado do planeta. No outro, noite eterna. Um lugar inóspito, com temperaturas que podem ser baixas como as dos polos e onde as formas de vida seriam diferentes das do lado iluminado. Algo como as profundezas abissais dos oceanos, mas na superfície. Teríamos dois planetas em um só. “Em movimento sincronizado, as condições climáticas seriam radicalmente diferentes. Dificilmente haveria a explosão da vida”, diz o astrônomo da USP Enos Picazzio.
No lado iluminado, as coisas tampouco seriam fáceis. A vida na Terra está programada para reagir à luz. A galinha, por exemplo, é fotossensível. Em condições naturais, ela só bota ovos quando o Sol nasce. Com ele a pino sempre, a ave como conhecemos dificilmente existiria. Já as plantas vivem de acordo com a duração da noite e do dia. Em noites curtas, como no verão, elas crescem. Na primavera, elas florescem. “A ausência de sinais temporais poderia impedir a floração e a produção de frutos”, diz Sergio Tadeu Meirelles, biólogo da USP. A vida como um todo seria adaptada não às andanças do Sol no céu, mas à imobilidade dele. E ele não serviria mais para contarmos o tempo. Essa função seria da Lua.
Cruzeiro para o crepúsculo
Quase não veríamos a Lua – mas ela continuaria importante
Piratas emos
Devido à volta da Lua ao redor da Terra, por 15 dias ela ficaria no lado claro, escondida. Nos outros 15, estaria a pino, na escuridão. O fenômeno chamaria a atenção na parte iluminada, mais rica e povoada. Turistas iriam ao escuro, guiados por habitantes das trevas, gente à margem da sociedade.
Pobres e pequenos
Nosso organismo foi feito para repousar no escuro. Sem ele, precisaríamos de câmaras de sono. Quem não tivesse dinheiro para isso teria problemas como pressão alta e estresse. E seria baixinho: o hormônio do crescimento age principalmente durante o sono.
Feliz 1433
O dia como o conhecemos é o tempo em que a Terra dá uma volta em seu eixo, a rotação. Como ela teria o mesmo tempo que a translação, um dia seria igual a um ano. Bizarro. Então a ideia de dia seria determinada pela Lua, cujo movimento em volta da Terra tem cerca de um mês. Não é absurdo. Há calendários baseados na Lua, como o islâmico.
Robin das trevas
A influência da noite na cultura seria outra. O Pink Floyd, se existisse, gravaria The Dark Side of the Earth. Caetano Veloso cantando “Às vezes no silêncio da noite”? Esqueça. E não teríamos tanto convívio com os morcegos. Ou seja, Drácula e Batman não existiriam. Mas o lado escuro inspiraria tanta curiosidade que viveríamos obcecados por lendas de monstros no lado de lá.
Pelos, por que tê-los?
Os animais seriam pelados. Ou teriam pelos (e penas) muito curtos, provavelmente brancos, para refletir o sol e diminuir a temperatura corporal. Na parte escura do planeta não haveria plantas, pois não haveria luz para fazer fotossíntese. Então todos seriam carnívoros, com olhos ultrassensíveis para enxergar à noite.
Fontes Enos Picazzio, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP; Glândula Pineal e Melatonina, de Regina Pekelman Markus e Solange Castro Afeche, entre outros (Instituto de Ciências Biomédicas da USP); Sergio Tadeu Meirelles, professor do Instituto de Biociências da USP.