E se os neandertais nunca tivessem sido extintos?
Eles seriam gente como a gente em muitos aspectos. Mas a força física extrema lhes daria certas vantagens – e causaria polêmica em competições esportivas.
As olimpíadas de 2020 foram como nunca antes. O mundo assistiu a uma disputa entre basicamente seis países e todos os atletas eram ruivos, baixinhos e musculosos. A internet foi tomada tanto por admiração e simpatia quanto por comentários virulentos, dizendo que “eles não eram gente”. A polêmica retomava a das últimas competições, em 2016, quando a proposta de remover esses atletas de esportes de força física, que dominavam completamente, foi recebida com acalorados protestos.
Mas em 2020, ironicamente, só os neandertais puderam participar da Olimpíada: por eles não serem suscetíveis ao coronavírus. Competiram por seus países nativos: Canadá, Rússia, Noruega, Suécia, Finlândia e Estados Unidos, mais alguns descendentes de imigrantes em outros poucos países. O mundo assistiu ao que ficaria conhecido como a Olimpíada Neandertal.
De volta ao mundo real. Extintos há 37,5 mil anos, neandertais são os parentes mais próximos com quem os humanos conviveram. Tinham 99,7% de genes em comum conosco (os Homo sapiens têm 98,8% de genes em comum com os chimpanzés, e 99,9% em comum dentro da espécie). O cérebro do Homo neanderthalensis era ligeiramente maior que o dos humanos atuais. Há indícios de que enterravam seus mortos, cuidavam de seus doentes, produziam arte e se comunicavam por voz. O consenso, hoje, é o de que, sim, eram gente como a gente.
Esqueça então a ideia de homens das cavernas primitivos suplantados por humanos avançados. Um estudo de 2017, da Universidade Stanford (EUA), concluiu que, mesmo se sapiens e neandertais fossem seres absolutamente idênticos, eles não estariam mais entre nós. Após milhares de simulações matemáticas com variáveis diferentes, os neandertais sempre acabavam extintos após alguns milhares de anos de convívio com a gente. Por uma razão simples: os neandertais estavam restritos basicamente à Europa (com alguns membros no Oriente Médio) enquanto os sapiens tinham uma reserva populacional partindo o tempo todo da África e da Ásia. De migrante em migrante, uma hora dominaríamos a Europa de qualquer jeito, como aconteceu. E extinguiríamos os neandertais pelo caminho – via conflitos mortais.
E via sexo também. Sabe-se que humanos e neandertais reproduziram-se entre si. A coisa é que, como a população sapiens era bem maior, os genes neantertais acabaram diluídos. Os híbridos entre as duas espécies foram ficando cada vez mais sapiens, geração após geração. Essa foi a “extinção genética” dos neandertais. A hibridização, porém, foi tão universal que, até hoje, algo entre 1% e 4% dos genes de qualquer indivíduo de etnia europeia, árabe, asiática, polinésia ou nativo-americana é composto por DNA de origem neandertal. Se você tem ao menos um ancestral de qualquer uma dessas regiões, tem algo de neandertal aí dentro. Só os 100% africanos são 100% sapiens.
Enfim, para que os neandertais sobrevivessem, teriam de jamais se reproduzir com sapiens. E preservar um espaço só deles.
Caso isso tivesse acontecido, os neandertais terminariam espremidos para fora de suas regiões originais pelo tsunâmi de imigrantes sapiens. A tendência é que se mudassem para áreas menos interessantes à nossa espécie. Áreas para as quais estivessem mais preparados também: o Ártico. Os neandertais são filhos das eras do gelo. Surgiram há 400 mil anos na Europa a partir de outra espécie humana, o Homo heidelbergensis, natural da África, e que, na mesma África, daria origem ao sapiens, há 300 mil anos. Esse é o nosso ancestral comum com eles. Um neandertal, em suma, é um heidelbergensis adaptado ao frio, com sua forma compacta, que não dispersa calor pela pele, e sua cavidade nasal ampla, que esquenta o ar.
Se tivessem sobrevivido, então, os neandertais acabariam nas regiões próximas ao Polo Norte. Isolados, seguiriam com seu modo de vida caçador. A agricultura – e as cidades e impérios que ela gerou – ficaria restrita aos sapiens.
E as duas culturas permaneceriam cada uma no seu quadrado por muito tempo. Exemplo: os sámis, um povo caçador-coletor da Finlândia, escaparam da assimilação pelos nórdicos até o século 18. Idem para os Yupiks, da Sibéria, que só viraram russos nessa época. Já os inuítes só seriam incorporados ao modo de vida dos EUA e do Canadá no século 20.
Em relação aos humanos conquistados da história real, os neandertais poderiam ter uma vantagem: um perfil genético distinto o suficiente para livrá-los de certas viroses. Isso acontece com nossos parentes próximos vivos, os chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, que têm susceptibilidades bem diferentes para doenças virais. A hipótese de que um neandertal de hoje fosse imune à Covid, portanto, é plausível – ainda que seja impossível cravar qualquer coisa.
Bom, o fato é que, mais hora menos hora, os neandertais se tornariam cidadãos dos países fundados por sapiens. Como fizeram os inuítes, trocariam sua lanças por espingardas, roupas de pele por náilon, trenós por motos, cabanas por casas com calefação. Integrados economicamente, viajariam pelo mundo como turistas, embaixadores, estudantes. E, claro, haveria os super-esportistas neandertais. Corrida não seria o forte deles: suas pernas eram curtas e suas articulações não absorviam o impacto de correr.
Sua densidade muscular, porém, os faria excepcionalmente bem dotados para esportes de força (levantamento de peso, arremesso de dardo, zagueiro do Bangu). A divisão de pesos-pesado do MMA seria 100% neandertal – suas ossadas, no mundo real, trazem fraturas que indicam luta corpo a corpo com bisões. E eles tinham lanças. Então provavelmente lutavam na unha com grandes mamíferos por esporte mesmo, para demonstrar “macheza”. Ou seja: eram gente como a gente, inclusive na babaquice.