Em algumas espécies de vespas, as operárias podem receber o título de rainha
Pesquisadores brasileiros observaram um tipo exclusivo de ascendência social em cinco espécies de vespas
Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros buscou compreender mais sobre o funcionamento social das colônias de vespas, observando principalmente o que acontece quando os ninhos perdem suas rainhas.
Alguns animais possuem características únicas quando o assunto é hierarquia. Nas monarquias eussociais das abelhas e vespas, existem rainhas para garantir a continuação das colmeias – e reprimir as operárias que tentam reproduzir suas próprias filhas. As demais são operárias, responsáveis pela proteção, alimentação e organização do ninho. Porém, esses dois insetos se divergem na maneira em que cuidam de suas casas.
Algumas vespas (animais menos estudados do que as abelhas graças ao estigma criado ao redor da espécie) têm um sistema exclusivo de organização social. Nele, quem vem de baixo tem também a chance de vencer: quando uma rainha morre, uma operária pode substituir e pegar o título de monarca. E mais que isso: em algumas colônias existe a ocorrência de mais de uma rainha.
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP), em conjunto com cientistas da Costa Rica e Alemanha, acompanharam por alguns meses colônias de cinco espécies de Epiponini, comuns na América Latina e que são caracterizadas pela presença de múltiplas rainhas. Quando identificavam quem eram as líderes, retiravam-as das colmeias e acompanhavam o que acontecia.
Fernando Barbosa Noll, docente do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp (Ibilce-Unesp) explica que quando não há rainhas nos tronos, “existe, provavelmente, uma sinalização – ou ausência de sinalização – químicas na colmeia, que indica a lacuna e resulta no desenvolvimento de ovários em algumas operárias”.
Ainda não é claro quais devem ser os requisitos para o desenvolvimento do ovário nas operárias. O que dá para saber é que essa evolução não garante a coroa.
Noll explica para o Jornal da Unesp que o processo de seleção de uma nova rainha nas colônias ocorre por dois mecanismos: um químico e outro comportamental. O primeiro envolve a liberação de feromônios e hidrocarbonetos, que ajudam a identificar o papel de cada indivíduo.
O segundo, que foi o foco do estudo, envolve a linguagem corporal das candidatas. Para ser escolhida, a futura rainha deve demonstrar sua aptidão por meio de uma postura específica chamada “bending display”, em resposta ao que os pesquisadores chamaram de “dança das operárias”.
Esse comportamento ritualizado é um “exame seletivo”, e aquelas que não o realizam corretamente são descartadas da colônia. “Um caminho é continuar a ser operária e muitas vezes há inclusive uma regressão ovariana”, conta Noll. “Outros cenários envolvem a morte imediata, corte das asas ou expulsão da colônia.”
Um grupo único
Acontece que esse tipo de ascendência não é comum. Na maior parte dos casos, Noll explica, as rainhas são únicas e solitárias. “Ela inicia a construção do ninho sozinha, vai atrás de alimento e bota os seus ovos sem nenhuma companhia”.
Quando os ovos eclodem e as primeiras vespas operárias surgem, a rainha controla elas de maneira muito agressiva. “Essa agressão envolve não somente fazer com que elas trabalhem para a rainha, mas o estresse, literalmente, gera uma inibição do desenvolvimento ovariano. Ela impede que os bichos se reproduzam, e fiscaliza se tem alguém – porque tem sempre alguém – tentando botar um ovinho ou outro.”
Nas colmeias das vespas Epiponini acontece o contrário. Por ocorrerem em climas com pouca incidência de um inverno rigoroso, suas colônias não morrem em períodos frios e por isso conseguiram passar por processos evolutivos contínuos, o que permitiu, por exemplo, a ocorrência de mais de uma rainha. Além disso, tornou as operárias mais agressivas.
Os autores sugerem que, ao longo da evolução, as rainhas passaram a ser mais tolerantes com a presença de iguais, possivelmente devido a um aumento de recursos, como espaço ou alimento, o que reduziu a competitividade na colônia. No entanto, essa diminuição da agressividade gerou uma reprodução frenética – e nem todas eram aptas.
Para garantir a sobrevivência da colônia, as operárias desenvolveram rituais comportamentais, como as danças, para selecionar os indivíduos mais aptos à reprodução.
Ao Jornal da Unesp, o pesquisador disse que o comportamento agressivo das castas mais baixas pode ser uma maneira de sinalizar possíveis candidatas para os títulos de monarcas. Ele mencionou também que “isso diminui um pouco o nível de agressividade dentro da colônia, tornando o ambiente mais coordenado e resultando em uma economia maior de energia”.
Fernando Noll ainda menciona que quer seguir com trabalhos que analisem a comunicação entre castas dos animais, no sentido bioquímico da coisa. “Eles são muito complexos na comunicação e na construção de ninho, mas, ao mesmo tempo, você tem uma simplicidade muito grande na produção de castas. Raramente você encontra na natureza, sociedades em que facilmente indivíduos podem se tornar rainhas.”
A pesquisa foi publicada em junho deste ano, na revista Ethology Ecology & Evolution.