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Entrevista: Afinal, o que é vida?

Hernan Chaimovich, um dos autores do novo livro "A Evolução é Fato", explica as condições necessárias para que a vida surgisse na Terra.

Por Manuela Mourão
6 out 2024, 19h00
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  • Imagem abstrata de um punhado de tinta despejado sobre superfície.
     (Joel Filipe/Unsplash)

    As principais teorias dizem que a vida começou na Terra há uns 3,8 bilhões de anos. Para efeito de comparação, nosso planeta tem cerca de 4,5 bilhões de anos. Mas como foi que isso aconteceu?

    Primeiro, precisamos definir alguns conceitos. Um deles é a auto agregação espontânea de moléculas anfifílicas, que são constituídas por partes hidrofóbicas (que repelem a água) e hidrofílicas (que têm afinidade com a água). Essas moléculas podem se juntar de um jeito que, dependendo do pH do ambiente, formam vesículas.

    Essas vesículas, que vêm de certos ácidos graxos, conseguem pegar outros componentes, crescer e até se dividir. Elas concentram diferentes substâncias em várias áreas, o que abre portas para a comunicação entre moléculas diferentes e para reações químicas que podem ser aceleradas com a ajuda de enzimas. 

    Pensando nisso tudo, a evolução química já contém, na Terra jovem, alguns dos elementos necessários para o surgimento da primeira célula. Experimentalmente, porém, nunca conseguimos reproduzir em laboratório a transição entre a matéria inanimada e a vida. É bem possível que seja super difícil, ou até impossível, simular as condições que deram origem à primeira protocélula.

    Essa mudança de matéria inanimada para vida pode ter acontecido em ambientes como mares, entre pedras, em gêiseres ou em outros lugares da Terra primitiva. O consenso científico é que o confinamento em espaços muito pequenos foi fundamental para isso. Esse “nanoconfinamento”, como o que acontece dentro das vesículas, muda a maneira como as reações químicas acontecem e ajuda as moléculas a se unirem e crescerem, além de impedir que os produtos se espalhem e se diluam.

    Então, esses produtos podem acabar formando macromoléculas e, talvez, dar início a uma forma de vida.

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    Mas ao que exatamente estamos nos referindo quando falamos em vida? 

    Para explicar melhor esse significado e como se deu a emergência da vida na Terra, a Superinteressante conversou com o bioquímico Hernan Chaimovich. Ele e Iolanda Midea Cuccovia, também bioquímica, escreveram um dos capítulos do livro A Evolução é Fato, que conta com a participação de 28 pesquisadores brasileiros. Você pode baixá-lo gratuitamente aqui

    A obra é quase um dicionário evolutivo, que aborda diferentes fases da evolução na Terra, fácil e gostoso de ler. O livro levou três anos para ficar pronto, sempre se mantendo atualizado das descobertas científicas. Além disso, vários dos exemplos usados nos textos têm raízes brasileiras. A entrevista a seguir faz parte de uma série de entrevistas que a Super irá publicar com os autores dos textos. 

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    Super: Como se deu essa emergência de vida na terra?

    Hernan: [Modificado] Eu não pertenço a esse clube que fala da origem da vida a partir de macromoléculas, tá? Eu penso que, até chegar lá, passaram um monte de coisas, em um tempo curto. Esse é o mais fantástico. Estamos falando da Terra de 4.7, 4.8 bilhões de anos. E estamos falando da aparição das primeiras coisas que, talvez, sejam a primeira forma de vida há 3.8 bilhões de anos. Então, do ponto de vista geológico, a passagem de “não vida” para “vida” foi um processo muito curto, tipo 400 milhões de anos. E para mim é fascinante, isso é um treco genial.

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    Para você, o que é vida? 

    Bom, como que eu vejo se uma coisa é viva ou não é viva? Na Terra é muito simples: chuta uma pedra, tá? Se você conhece a minha força, o tamanho do meu sapato, o peso da pedra, o vento para onde sopra, dá para dizer exatamente para onde a pedra vai. Agora, dá um pontapé em um cachorro. Ninguém pode predizer para onde ele vai. Ninguém pode predizer se ele vai te morder, vai fugir. Por quê? Porque ele tem uma história. O que o cachorro vai fazer depende da vida dele. Então, na Terra é muito fácil. As coisas têm uma história.

    Mas se eu vou para um outro planeta, sei lá onde, como que eu vou distinguir? Porque lá não tem cachorro. Vai ver que tem pedra, mas sei lá. Mas vai ver que eu chuto uma coisa que eu acho que é uma pedra e um dia ela vai para a esquerda e outro dia vai para a direita. Essa coisa está viva? Então, precisa de uma definição de vida que não tenha uma relação direta com as coisas que você vê.

    Eu acho que a melhor definição é a de que uma coisa viva é uma coisa que se auto reproduz e pode variar. Por que isso é importante? Se ela não se auto reproduzir, morreu. Então, não está viva. Se ela não pode variar, ela não entende o que é o ambiente que a rodeia. E não pode evoluir. Então, a coisa mais simples é uma coisa que eu não sei como se chama, não sei qual é a forma, não sei nada disso, mas se auto-reproduz e pode variar.

    Por que a água foi tão importante para a emergência da vida?

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    Porque a água é o solvente ideal. Tem poucas coisas mais divertidas que a água, porque a água é capaz de deixar que um monte de outras moléculas vivam tranquilas dentro dela. A água é capaz de separar moléculas. Então é um solvente que tem tantas propriedades que um religioso diria mágicas. Se não, você tem que saber bastante física para entender que o gelo flutua em cima da água. E eu acho que a vida na Terra, como a gente conhece, precisava desse solvente.

    Qual a importância do nanoconfinamento?

    Imagina um pedaço de mar. Para que alguma coisa aconteça, moléculas têm que se encontrar. Qual é a probabilidade de uma molécula encontrar a outra se cada uma delas pode ir para qualquer lado? É muito pequena. Mas se eu pego uma bolhinha que se forma espontaneamente com coisas dentro e portanto eu posso distinguir o que está dentro daquilo que está fora, aí a probabilidade de encontro dentro dessa bolha aumenta. E o problema da vida é você encontrar o outro. Se você estivesse num mundo totalmente gigante, onde a probabilidade de encontrar o outro seria perto de zero, o futuro da espécie… esquece. Por isso, para que a vida existisse, foi necessário esse confinamento. 

    Mas esse nanoconfinamento, ele conseguiria acontecer em outros espaços ou ele é necessário da água?

    É absolutamente necessária a água. No deserto não ia acontecer nunca. Nunca. 

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    Como foi a primeira célula viva da Terra?

    Eu não sei se a palavra célula é a coisa correta. Quando você fala de célula, você pensa em um treco que tem mitocôndria. Redondinho. 

    Para que a primeira coisa que se auto reproduzisse e pudesse variar aparecesse foram necessárias condições muito especiais, que certamente eu não sei se um dia vamos ser capazes de reproduzir no laboratório.

    Por que não? 

    Porque foi um fenômeno emergente. E as condições para que esse fenômeno emergente acontecesse, eu não consigo predizer. É por isso que tem tanta gente no mundo preocupada com esse problema. 

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    Os primeiros experimentos maravilhosos da década de 40, sabe, parecia um filme do Frankenstein, colocavam eletricidade, faziam girar o líquido que tinha metano, que provavelmente era a composição da atmosfera da Terra e de repente surgiam aminoácidos. Genial! Um experimento lindo, que prova o quê? Prova que não é impossível que nas condições primordiais exista a possibilidade de você espontaneamente obter moléculas desse tipo.

    Também foi provado que alguns meteoritos contêm uma coisa que a gente podia definir como gordura. Mas, de novo, como reproduzir isso? Então, se você é religiosa, eu não sei se você é ou não é, não importa, é um milagre, porque eu não consigo reproduzir as condições iniciais. 

    Não é um milagre que um ser desconhecido apareceu e criou a célula, não é isso. É pelo conjunto de condições que eu não consigo, apesar de muita gente tentar, reproduzir no laboratório. Não é lindo?

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