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Especialistas assinam documento de Senciência em Crustáceos, que afirma que esses animais sentem dor

Declaração reúne novas evidências científicas e reacende debate global sobre dor e bem-estar em crustáceos.

Por Manuela Mourão
3 dez 2025, 08h00

Em 2003, o romancista, contista, ensaísta e professor norte-americano David Foster Wallace foi enviado pela revista Gourmet para fazer uma reportagem sobre o Maine Lobster Festival (MLF), um festival gastronômico na costa leste dos EUA que ocorre durante a temporada de lagostas.

Durante cinco dias, os pescadores de lagostas do Maine abastecem freneticamente o festival com novas pescas, que serão transformadas em tudo que você consegue imaginar sabor lagosta. Para preparar nove mil kg da iguaria, os produtores do evento se gabam pela construção do maior fogão para lagostas do mundo, capaz de preparar cerca de 725 kg em apenas 15 minutos. Talvez você já saiba que há um segredo para o encanto gastronômico: os animais devem ser cozidos minutos antes de serem servidos ou seja, vivos. 

Os devaneios de Wallace sobre a ética de ferver os animais ainda vivos foram publicados em 2004 pela Gourmet no ensaio “Considere a lagosta”, nome que, no ano seguinte, se tornou o título de um livro de ensaios do autor. 

Wallace escreve: “Será que é certo ferver uma criatura senciente viva apenas para nosso prazer gustativo? Uma série de preocupações relacionadas: Será que a pergunta anterior é irritantemente politicamente correta ou sentimental? O que significa ‘certo’ nesse contexto? Será que é apenas uma questão de escolha individual?”

Vinte anos depois, em meio à expansão da aquicultura global, um novo documento lançado em dezembro pela organização brasileira Alianima reacende esse debate incômodo para a indústria de produtos do mar. A declaração defende que camarões, lagostas e outros crustáceos – animais historicamente tratados como organismos simples – são, de fato, seres sencientes.

A Declaração de Senciência em Crustáceos, assinada por 35 especialistas nacionais e internacionais, compila décadas de estudos neuroanatômicos, comportamentais e farmacológicos que sugerem que esses invertebrados são capazes de sentir dor, experienciar sofrimento e demonstrar respostas complexas a estímulos nocivos – afirmações em que Wallace já se embasava lá atrás, quando escreveu o texto sobre o festival.

As conclusões parecem destinadas a reconfigurar a forma como bilhões de animais são manejados ao redor do mundo.

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Uma indústria colossal

A magnitude da produção impressiona: cerca de 440 bilhões de camarões são cultivados anualmente – mais de cinco vezes o total de todos os animais terrestres abatidos para consumo – segundo um estudo de 2023. Quando se soma a pesca extrativa, a estimativa salta para entre 7,6 e 76 trilhões de animais mortos por ano.

Apesar desses números, os crustáceos permanecem praticamente ausentes de políticas públicas de bem-estar animal. A distância evolutiva entre humanos e invertebrados, aliada à ausência de vocalizações ou expressões faciais interpretáveis, contribuiu historicamente para a impressão de que esses animais seriam incapazes de sofrer – um equívoco que a ciência começa a desmentir com mais clareza.

Segundo o documento, crustáceos possuem sistemas sensoriais sofisticados, capazes de detectar calor excessivo, choques elétricos e outras formas de estímulo potencialmente danosos. Em alguns experimentos, camarões “esfregam” a área afetada após uma lesão – uma forma rudimentar de autocuidado, raramente associada a organismos considerados simples demais para experienciar dor. Quando anestesiados, esses comportamentos diminuem de forma significativa.

Há também indícios convincentes de que esses animais exibem capacidades cognitivas mais complexas do que se imaginava: discriminação de cores e objetos, reconhecimento social, aprendizagem, memória, tomada de decisão, cuidado parental e até sinais de personalidades individuais. Tais achados reforçam a percepção de que processos mentais elaborados evoluíram também em grupos filogeneticamente distantes dos vertebrados.

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“Há um volume crescente de evidências sólidas”, afirma Caroline Maia, bióloga e especialista em peixes da Alianima, em comunicado. “Esses animais aprendem a evitar situações dolorosas, ajustam seus comportamentos e podem sofrer estresse prolongado. Não podemos ignorar isso”.

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As reivindicações não são novas, e, nos últimos anos, organizações internacionais começaram a reagir. Entidades como a RSPCA, a British Veterinary Association e a UFAW passaram, nos últimos anos, a incluir invertebrados aquáticos em suas recomendações de manejo – um movimento ainda incipiente, mas crescente. A Organização Mundial da Saúde Animal, embora não ofereça diretrizes específicas para crustáceos, tem normas para saúde e manejo de animais aquáticos que podem ser adaptadas ao contexto desses seres.

Reconhecer a senciência dos crustáceos é um passo inevitável rumo a práticas mais humanitárias na captura, produção, transporte e abate. O tema, porém, enfrenta resistência estrutural: mudanças exigiriam investimentos, revisão de métodos consolidados e possivelmente a reformulação de uma cadeia global que cresce ano após ano.

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A Declaração encerra citando Jeremy Bentham, filósofo que, no século 18, antecipou debates que só agora ganham força: “A questão não é: eles podem raciocinar? Nem: eles podem falar? Mas sim: eles podem sofrer?”

David Foster Wallace resume a ideia em uma frase: “Por que uma forma primitiva e inarticulada de sofrimento é menos urgente ou desconfortável para a pessoa que está ajudando a infligí-la ao pagar pela comida resultante?”

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