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Espermatozoides transmitem mais do que DNA

Se o papai tiver hábitos de saúde e de alimentação ruins, pode passar isso para o herdeiro geneticamente. Ou melhor, epigeneticamente...

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 3 ago 2018, 18h52 - Publicado em 3 ago 2018, 17h51

Pode parecer contraditório, mas a hereditariedade envolve mais do que apenas o DNA. Isso não quer dizer que tudo que você aprendeu sobre evolução é uma mentira. Pelo contrário. O DNA é sim a “receita de bolo” dos seres vivos. Mas, dependendo do cozinheiro, a mesma receita, com os mesmo ingredientes e feita no mesmo ambiente, vai sair diferente. O DNA não age sozinho: fatores externos influenciam em como ele se expressa. É um fenômeno conhecido como “epigenética”.

Epigenética significa, literalmente, “além da genética”. São modificações no DNA sem alterar a sequência dos genes. Ela explica porque ratinhos de laboratório idênticos geneticamente agem de formas diferentes. Ou porque gêmeos univitelinos, criados juntos, manifestam comportamentos distintos. Agora, um estudo da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts, nos EUA, afirma que características adquiridas pelos pais ao longo da vida – ou de um período de tempo reduzido – podem ser, sim, transmitidas para os filhos. Por exemplo, pais que têm dietas desequilibradas ​​à época da concepção do filho podem repassar um metabolismo pior para seus herdeiros. E os cientistas encontraram pistas sobre como isso acontece.

A culpa é dos espermatozoides. Ou melhor, do epidídimo. Se você não sabe o que é esse nome engraçado, tudo bem, ele é um dos órgãos menos estudados do corpo humano – mas, acredite, pode influenciar diretamente nas características que um filho vai herdar do pai. Detalhando: epidídimo é um tubo do aparelho reprodutor masculino – com cerca de 6 m, desenrolado – que os espermatozoides atravessam para sair dos testículos (onde são produzidos) até serem ejaculados. Na pesquisa, os cientistas atestaram que espermatozoides de camundongos, em reproduções in vitro, transmitiam características diferentes dependendo de onde fossem coletados: nos testículos, no comecinho do epidídimo ou do final do canal. E todos continham exatamente o mesmo DNA.

Havia apenas uma explicação possível para a diferença: alguns espermatozoides tinham os RNAs alterados por células do epidídimo, que transmitiam informações referentes ao estado atual do pai da criança.

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“Mas de onde surgiu esse RNA na história?”, você pode estar se perguntando. Um dos componentes mais poderosos da epigenética são os “pequenos RNAs” (small RNAs). RNA é uma molécula que coleta instruções do DNA e as transforma em proteínas, e os pequenos RNAs são micro filamentos de RNA não-codificante (ou seja, que não dão origem a proteína nenhuma). Mas, mesmo inativos, eles podem esconder informações genéticas que podem influenciar na forma como o DNA vai atuar. Bingo, foi isso que aconteceu com os ratinhos.

Para confirmar a hipótese, a equipe de pesquisadores adicionou um marcador químico a um conjunto de pequenos RNAs no epidídimo e rastreou sua migração. Como eles suspeitavam, esses RNAs saíam das células do epidídimo e se fundiam com o espermatozoide. Cada um deles levava esses elementos epigenéticos até a união final com o óvulo. Ou seja, o esperma, em diferentes pontos ao longo do trato reprodutivo, tinha a mesma genética, mas não a mesma epigenética.

“Há muitas heranças que ainda não explicamos”, diz Colin Conine, um dos autores do estudo. “Mas é certo que os animais não são apenas seu DNA”. Outro ponto abordado pela pesquisa é se espermatozoides com RNAs epigenéticos são mais resistentes que aqueles que não sofreram interferência do ambiente – o que pode influenciar no aprimoramento da reprodução in vitro. Esses estudos ainda estão no início, mas os cientistas estão de olho na epigenética. E é melhor os papais em potencial também ficarem, já que o estilo de vida que levam pode influenciar a vida de seus filhos antes deles aparecerem por aqui.

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