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Fractais: A matemática do delírio

O artista digita uma equação. A partir daí, o computador faz literalmente milhões de cálculos e vais desenhando os fractais, imagens cuja riqueza de detalhes só perde para a própria realidade.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 30 set 1994, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Segundo o velho Euclides, matemático grego que viveu dois milênios atrás, existem figuras que não têm dimensão, ou melhor, têm dimensão 0. É o caso dos pontos, como este ponto final (.). Uma linha, por sua vez — considerada a distância entre dois pontos quaisquer —, é algo com uma única dimensão. Já a capa de SUPERINTERESSANTE, de acordo com a geometria euclidiana, tem duas dimensões. Pois, para conhecer qual a sua área, é necessário multiplicar dois números — o do comprimento pelo da largura. Do mesmo modo, um bloco possui três dimensões, porque precisamos multiplicar três números (comprimento, largura e altura) para saber qual o seu volume. Euclides estava certo. Mas não resolveu todo o problema.

Os contornos das montanhas, a superfície dos pulmões humanos, a trajetória das gotículas de água quando penetram na terra – existe uma infinidade de fenômenos na natureza que não podem ser descritos por essa geometria toda certinha. É preciso apelar para complicados cálculos que resultam nas chamadas dimensões fracionárias — como a dimensão 0,5, por exemplo, típica de um objeto que é mais do que um simples ponto com dimensão zero, porém menos do que uma linha com dimensão 1.Só a chamada geometria dos fractais consegue descrevê-lo.

Essa nova área das ciências matemáticas vem tendo uma enorme aplicação. Para os biólogos, ajuda a compreender o crescimento das plantas. Para os físicos, possibilita o estudo de superfícies intrincadas. Para os médicos, dá uma nova visão da anatomia interna do corpo. Enfim, não faltam exemplos. Um dos mais belos — e, sem dúvida, o mais colorido — é o uso dos fractais na arte. Quando os computadores são alimentos com equações, eles criam magníficos desenhos abstratos. É o que você poderá ver nas ilustrações do inglês Greg Sams e no trabalho do Grupo Fractarte, formado por três pesquisadores paulistanos.

Planetas com florestas estranhas, mares cor de laranja e montanhas com milhares de picos pontiagudos — são alguns dos mundos imaginados pelo artista gráfico Greg Sams, que trabalha em Londres, na Inglaterra. Na verdade, ele faz uma espécie de colagem com o auxílio do computador, como se recortasse pedaços redondos de fractais para criar um planeta ou uma estrela de contorno regular.

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“O que mais me fascina é procurar novos padrões de um mesmo fractal para construir as minhas imagens”, diz o artista. Isso porque quanto mais você se aproxima de um fractal, mais detalhes você consegue enxergar nele. Parece não ter fim — é uma visão do infinito. Desse modo, Sams vai ampliando determinada área dezenas ou centenas de vezes — e sempre observa desenhos diferentes.

Diferentes, porém parecidos. Pois não basta ter dimensão fracionária para ser um fractal. É preciso que o objeto seja auto-semelhante: suas partes devem se parecer muito entre si e representar o todo. Ou seja, um fractal pode ser comparado a uma couve-flor — se alguém cortar um pedaço dela, verá que ele tem a cara da verdura inteira. A terceira e última característica de um fractal é ser fruto de um processo iterativo. No jargão dos matemáticos, isso significa repetir uma fórmula inúmeras vezes. É dessa repetição que surge a imagem.

A arte com fractais pode ser um caminho para os matemáticos explicarem as suas idéias. Isso é o que almejam três pesquisadores da Universidade de São Paulo. Rodrigo de Almeira Siqueira, 23 anos, cursa Engenharia Elétrica e faz pesquisas na área de multimídia. Alexandre Dupont, 25 anos, é estudante de Engenharia e de Matemática. A terceira figura é Humberto Rossetti Baptista, 23 anos, formado em Ciência da Computação, que vive no maior corre-corre por causa de uma inacabada tese de mestrado. Cujo assunto, claro, é teoria dos fractais — o elo entre os três integrantes do grupo Fractarte.

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“Os fractais viraram uma espécie de moda”, observa Dupont. “Muita gente está fazendo coisas com fractais. No entanto, quase ninguém explica o que são.” Daí surgiu a idéia da exposição “Janelas para o Infinito”, que já esteve em São Paulo e agora percorre o interior do Estado. Neste mês, poderá ser vista em Pirassununga (até o dia 21) e em Ribeirão Preto. Novembro será a vez de Bauru (a partir do dia 17). Finalmente, em dezembro o grupo mostrará a sua arte (e ciência) aos cariocas.

Dizem que uma imagem pode substituir mil palavras. No caso, um único fractal pode ocupar o espaço de 100 000 palavras na memória do computador. E o objetivo dos pesquisadores é de que ele sirva por outras 100 000 palavras para mostrar ao público leigo aquilo que passa na cabeça de um matemático. “Muitas vezes, os matemáticos perdem anos tentando encontrar ou decifrar uma fórmula sem finalidade prática alguma — ao menos imediata” diz Rossetti Baptista. “Fazem isso porque a matemática é lúdica, com suas idéias abstratas. E é um pouco desse lado lúdico que as pessoas podem experimentar ao ver uma obra cuja base é uma equação.”

Na opinião do professor José Teixeira Coelho Neto, da Escola de Comunicação da USP, a linguagem dos fractais tem tudo a ver com o presente. “Há muito tempo existem uma discussão na Arquitetura entre modernos e pós-modernos”, exemplifica. Segundo ele, os modernos encaram os ângulos retos, a geometria clean como algo mais evoluído, enquanto os pós-modernos brigam contra esse conceito. “Assim, a geometria dos fractais vem como um reforço para o pós-modernismo.”

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Para saber mais:

Em nome das leis

(SUPER número 3, ano 3)

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O nome dos números

(SUPER número 8, ano 3)

Respiração a fundo

(SUPER número 1, ano 5)

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