Lêmures cantam em ritmo característico de humanos, indica estudo
O canto dos indris segue padrões que até então só eram conhecidos em humanos e aves. A descoberta pode ajudar a construir ‘árvore evolutiva’ de características musicais entre primatas. Ouça.
Nas florestas de Madagascar, grandes lêmures de corpo preto e branco e olhos esbugalhados se dedicam a duetos e coros. Eles cantam para encontrar familiares nas árvores, marcar território e até realizar batalhas vocais com seus vizinhos. São os indris: os únicos lêmures que se comunicam por meio de canções.
Os gritos do primata lembram uma buzina pouco agradável, mas têm muito em comum com a música humana, segundo pesquisa publicada na revista Current Biology. Estudando o canto dos indris (Indri indri), uma equipe de cientistas descobriu que ele apresenta ritmos que até então só eram conhecidos em humanos e aves.
Ao longo de doze anos, os pesquisadores analisaram canções de vinte grupos de indri para descobrir se o canto dos animais apresenta algum ritmo específico (em outras palavras, um padrão alternado de sons e silêncios) – e tentar encontrar traços musicais comuns entre outras espécies. Ao todo, foram 636 gravações de 39 animais adultos.
Eles perceberam que esses lêmures compartilham dois padrões rítmicos com humanos. O primeiro é parecido com o tique-taque de um relógio ou de um metrônomo, em que o intervalo entre duas notas é sempre o mesmo. Esse padrão 1:1 é o que os pesquisadores chamam de isocronia.
Outro ritmo observado no canto dos indris é o de duração dobrada: o padrão 1:2. Nessa outra proporção, o segundo intervalo entre as notas é duas vezes maior do que o primeiro. Segundo Andrea Ravignani, coautor do estudo, um exemplo desse ritmo é a introdução da música “We Will Rock You”, da banda Queen, que possui um padrão “curto, curto e longo” do bumbo e das palmas.
Esses dois padrões – chamados de “ritmos categóricos” – são considerados universais para os humanos, porque são característicos de músicas e canções de todas as culturas.
A equipe também identificou que os indris costumam terminar seus cantos com o chamado “ritardando”, uma desaceleração do andamento musical também característico nos sons produzidos por humanos.
As gravações também mostram que as canções de lêmures machos são diferentes da fêmeas. Apesar de terem os mesmos ritmos, os sons dos machos têm durações mais longas. Chiara De Gregorio, autora principal do estudo, afirma que cantar consome uma quantidade significativa de energia, e os lêmures machos podem usar intervalos estendidos para cantarem por períodos mais longos.
“Essa é a primeira evidência de um traço típico da música humana em outro mamífero”, diz a pesquisadora. “Esses dois ritmos diferentes tornam as canções [dos indris] bastante complexas e articuladas.”
Os pesquisadores acreditam que essas características musicais universais podem estar mais enraizadas na linhagem dos primatas do que se imaginava. Vale destacar que o último ancestral comum entre humanos e indris viveu há 77,5 milhões de anos.
“Procurar por esses sinais em outras espécies nos permite construir uma ‘árvore evolutiva’ de características musicais e entender como as capacidades rítmicas se originaram e evoluíram nos humanos”, afirma Andrea. Em estudos futuros, a equipe planeja investigar se os indris (que estão ameaçados de extinção) aprendem esses ritmos ao longo da vida ou se eles já estão enraizados, como configurações de fábrica.