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Monstros e prodígios

Conheça a história da teratologia - o estudo dos defeitos congênitos e suas causas - em sua longa trajetória da superstição à ciência.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Escamas: o menino tinha escamas. Dizem que cheirava a pescado e que só comia peixe. Nasceu em Nápoles, no início do século 17, e fez sucesso em excursões pela Europa, exibindo-se como uma aberração itinerante. Os médicos hoje imaginam que ele teria um caso grave de ictiose, doença congênita que dá à pele uma aparência escamosa. Uma doença terrível, sem dúvida, mas nada que devesse impedi-lo de viver uma vida plena e produtiva. Calcula-se que cerca de 5% a 10% dos nascimentos resultam em algum tipo de defeito congênito. A pesquisa médica ainda tem muito trabalho a fazer nessa área. Ainda assim, há espaço para otimismo. O preconceito é renitente, mas as vítimas dessas doenças não são mais vistas como híbridos animais nem precisam levar a vida como atração circense.

Por mais que adotemos uma generosa postura de aceitação da diferença, o fato é que nenhum pai ou mãe espera um filho com defeito congênito. A criança vem ao mundo cercada de expectativas. Pais, avós, irmãos mais velhos, todos aguardam a chegada de uma criaturinha com corpinho rechonchudo, rostinho angelical e cinco dedos em cada mão. Comunicar à família que o bebê não saiu de acordo com os projetos é um dos momentos mais duros para um médico. “Salvo as malformações menores, tais como a polidactilia (condição em que a criança tem mais do que cinco dedos) ou o pé torto congênito, que não costumam ser muito dramáticas, as outras geralmente constituem um quadro complexo”, diz o médico geneticista Gilberto Lima Garcias. Ele cita a síndrome de Meckel-Gruber como uma das mais terríveis de que já tratou – as manifestações clínicas podem incluir cérebro exposto, lábio leporino e rins imensos. “Mostrar isso à família pode ser um momento muito difícil.

Gêmeos siameses e anencefalia também são malformações que chocam muito as famílias e a própria equipe hospitalar, tornando esses momentos muito dramáticos”, complementa o médico.

Professor da Universidade Católica de Pelotas e da Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, Gilberto recentemente publicou De “Monstros” e Outros Seres Humanos, livro que inclui uma breve revisão histórica da teratologia, como é chamado o estudo dos defeitos congênitos, seus mecanismos e causas. Até mesmo o nome dessa ciência tem ecos funestos: o radical grego teratos quer dizer “monstro”. E os monstros andam sempre rondando a etimologia das doenças congênitas. A deformação em que a criança nasce com apenas um olho, por exemplo, é conhecida como ciclopia, lembrando o Ciclope, gigante caolho que o aventureiro Ulisses derrota na Odisséia, poema épico de Homero. A síndrome de Hurler – deficiência genética no metabolismo de açúcares complexos que geralmente conduz à morte antes dos 10 anos – já foi chamada de gargulismo. As deformações faciais típicas desta doença supostamente tornariam suas vítimas parecidas com as gárgulas, aqueles monstros de pedra que adornam catedrais góticas.

A história cultural da deficiência física é marcada pelo preconceito, pelo medo da diferença que se expressa ali onde menos esperamos – em nossa própria descendência. Também há um elemento de fascínio perverso pela suposta “aberração”, que se revela na exibição de deficiências raras em espetáculos de circo (leia texto na página 60) ou, atualmente, em programas de televisão. A arte pré-histórica já traz registros de seres humanos com malformações; na Austrália, foram encontrados desenhos e esculturas primitivas, datando provavelmente de 5000 a 4000 a.C., retratando dicéfalos conjugados (isto é, gêmeos siameses com duas cabeças num mesmo corpo). Na Antiguidade, a norma geral parece ter sido a condenação à morte para recém-nascidos defeituosos. Um texto chinês do período Qu’in (200 a.C.) estabelecia punições para infanticidas, mas ressalvava que matar crianças deformadas não constituiria crime.

Entre as cidades da Grécia antiga, Esparta era particularmente rigorosa com os deficientes, que eram vistos como um ônus inútil para a pólis. Mas mesmo na luminosa Atenas os filhos malformados eram abandonados à própria sorte, o que equivalia a condená-los à morte por inanição. Considerava-se que o “monstro” não deveria ser enterrado para não conspurcar a terra.

As teorias para explicar os defeitos congênitos eram variadas e, da nossa perspectiva moderna, bastante bizarras. Demócrito, filósofo pré-socrático, acreditava que os monstros surgiam de uma dupla emissão do líquido seminal, a qual daria origem a dois embriões que se misturavam, crescendo de forma confusa. Mais tarde, o filósofo grego Aristóteles sugeriria o contrário: a insuficiência de esperma poderia produzir o indivíduo malformado. Na Antiguidade também vigorava a curiosa crença de que a imaginação da gestante seria capaz de imprimir marcas físicas no bebê – a chamada impressão (ou sugestão) materna.

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Talvez a melhor ilustração dessa curiosa doutrina esteja em uma lenda que envolve o pai da medicina, Hipócrates. Conta-se que uma esposa grega estava prestes a ser condenada à morte por adultério quando Hipócrates apresentou-se como testemunha de defesa. As provas da acusação pareciam irrefutáveis: branca e casada com um homem branco, a mulher dera à luz uma criança de tez escura. O médico, porém, tinha outra explicação para a pele suspeita do bebê. No quarto da jovem mãe, havia a pintura de um sarraceno. Recolhida a seus aposentos durante a gravidez, a mulher passara um longo tempo admirando a figura do negro. Por força da sua imaginação, a cor fora transmitida ao rebento, que assim virou mulato. A autoridade de Hipócrates deve ter sido grande, pois os jurados compraram a história. A mulher foi inocentada.

O caso acima é apócrifo. Consta de muitas crônicas antigas, mas não aparece nos escritos do próprio Hipócrates. Pode não ser verdadeiro, mas é certamente verossímil. A doutrina da impressão materna faria uma longa história na medicina, como você verá adiante. Nesse caso específico, o obscurantismo científico salvou a cara do obscurantismo moral, impedindo que a mulher fosse morta apenas por ter pulado a cerca do vizinho negro. Mas as impressões maternas não surgiram como desculpa para o adultério. Eram uma forma de explicar o que até hoje parece inexplicável para todos os pais: os defeitos congênitos.

Durante a Idade Média, como seria de se esperar, as malformações foram geralmente entendidas como punição religiosa: o pecado da família traduzia-se em defeitos no rebento. Também era corrente a idéia de que malformações fossem presságios, anúncios de algum grande evento, fosse ele catastrófico ou auspicioso. Essa concepção parece ter se estendido além da Idade Média. No século 16, o escritor francês Michel de Montaigne, em um de seus clássicos Ensaios, depois de descrever uma criança colada pelo ventre como um aborto com pernas e braços, mas sem cabeça, especula sobre o possível significado político desse portento: “Esse duplo corpo e esses múltiplos membros ligados a uma só cabeça poderiam muito bem constituir um bom prognóstico para o nosso rei, pressagiando a coexistência de vários partidos sob suas leis”. O próprio Montaigne, porém, ressalva que é melhor não confiar nesses presságios, que podem sempre ser desmentidos pelos acontecimentos.

Contemporâneo e conterrâneo de Montaigne, o cirurgião-barbeiro Ambroise Paré lançaria em 1573 um livro que se tornaria uma espécie de clássico da teratologia: De Monstros e Prodígios. Essa obra, que hoje poderia ser lida como peça de literatura fantástica, sintetizava muitas das convicções correntes entre os médicos. O texto era ricamente ilustrado com gravuras de sereias aladas, meninos com rabo de cachorro, crianças com cara de rã, mulheres com duas cabeças, potros com cabeça humana e que tais. Paré listava causas variadas para a criação de “monstros”: intervenção divina; ação de bruxos e demônios; excesso, falta ou corrupção do sêmen. A impressão materna destacava-se nessa etiologia fantástica. Paré dizia, citando autoridades antigas (inclusive Hipócrates), que uma gestante de imaginação ardente poderia imprimir marcas no filho. Recomendava, pois, que as mulheres não olhassem nem pensassem em coisas monstruosas no momento da concepção e nos primeiros meses de gestação.

A crença na impressão materna legou à história da medicina uma impressionante galeria zoológica. Já vimos o menino-peixe de Nápoles: a explicação médica aceita na época era de que sua mãe passara a gravidez assombrada por monstros marinhos, e essa aflição fantasiosa teria produzido as “escamas” na pele do garoto. De passagem pela Holanda em 1638, o anatomista dinamarquês Thomas Bartholin conta ter examinado uma jovem com cabeça de gato. Sua mãe teria se assustado, durante a gravidez, com o movimento de um felino escondido embaixo da cama. Menos drásticos em suas conseqüências, os sinais de nascença prestavam-se à perfeição para “comprovar” a estranha teoria. Os exames sempre descobriam no formato aleatório das manchas o desenho de algum objeto do desejo obsessivo da gestante.

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A crença na impressão materna também abriu espaço para fraudes. O caso mais escandaloso foi o da camponesa Mary Toft, reconstituído pelo médico sueco Jan Bondeson na sua saborosa Galeria de Curiosidades Médicas. Mary estava grávida de cinco semanas quando viu um coelho em sua horta, em uma pequena aldeia do condado de Surrey, Inglaterra, em 1726. Perseguiu o bicho, mas não conseguiu alcançá-lo. A partir daí, foi dominada pelo desejo de comer coelhos. Quatro meses depois, ela abortou o que parecia ser um coelho malformado. E não parou por aí: seguiu parindo coelhos às dezenas, embora os pobres bichos sempre saíssem despedaçados. O estranho caso atraiu a atenção até mesmo da corte do rei Jorge I. Mary foi levada a Londres, onde acabou sendo desmascarada: descobriu-se que os coelhos supostamente paridos haviam sido introduzidos pela própria Mary em sua vagina. O caso foi muito embaraçoso para alguns médicos que haviam referendado a fraude.

Em certa medida inflamados pelo escândalo, começam a surgir, no século 18, trabalhos contestando a crença ancestral na impressão materna. O tema seria debatido ardorosamente pelos cientistas nos anos seguintes. Com tudo isso, em meados do século 19 ainda havia médicos sérios defendendo a teoria.

Mesmo hoje, quando os avanços da ciência médica e da genética aparecem quase diariamente nos noticiários, a crença popular na impressão materna subsiste. Quem já não ouviu dizer que os desejos alimentares de uma mulher grávida devem ser atendidos, por mais exóticos que sejam, sob pena de o bebê nascer com cara de legume ou fruta? Às vezes, obedecemos a essas superstições por brincadeira, porém mais gente do que se imagina ainda as leva a sério. “Um estudo realizado por nós em Pelotas demonstrou que a crendice popular a respeito da causa dos defeitos congênitos é muito grande”, diz Gilberto Garcias. A pesquisa encontrou mais de uma centena de causas fantasiosas para as malformações. Algumas parecem absolutamente arbitrárias, como a crença de que usar chaves penduradas no corpo durante a gravidez pode resultar em um filho com lábio leporino.

Outras seguem a lógica linear da impressão materna: derramar bebidas na mulher grávida origina manchas no corpo do bebê; comer frutas coladas origina gêmeos siameses; rir de deficientes pode determinar o mesmo problema na criança que está sendo gerada; passar por baixo de cercas pode levar o cordão umbilical a se enrolar em torno do feto. “Muitas mães temem ver cenas de sexo ou pornografia, pois poderão gerar filhos com problemas sexuais”, afirma o médico. “Essas idéias fantasiosas se originam basicamente na busca de explicação para transtornos de origem desconhecida. A própria classe médica tem dificuldades para explicar a origem de muitos defeitos, o que acaba colaborando com o desenvolvimento de mitos e crenças.”

Isso não quer dizer que a medicina não conheça progressos nessa área. “Graças aos avanços da genética molecular, especialmente derivados do Projeto Genoma Humano, o conhecimento sobre as bases genéticas de muitos defeitos congênitos tem avançado bastante”, afirma Lavínia Schüler-Faccini, professora do Departamento de Genética da UFRGS e co-organizadora de um Manual de Teratogênese (Editora da UFRGS). Mas ainda há muito o que fazer. Lavínia explica que, segundo estudos consagrados, 15% dos defeitos congênitos são de causas predominantemente genéticas, outros 15% são de causas predominantemente ambientais e 20% seriam decorrentes de uma soma de fatores genéticos e ambientais. O restante – ou seja, metade dos casos – é de causa desconhecida. Em seu livro, Gilberto apresenta números ainda mais desconsolados – cerca de 60% das doenças congênitas seriam de causas desconhecidas.

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A prevenção inclui cuidados básicos mais ou menos conhecidos: a gestante não deve beber nem fumar e precisa se alimentar bem. Descobriu-se também que a idade avançada aumenta as chances de o filho ter síndrome de Down. Exames pré-natais como o ultra-som e a amniocentese detectam problemas congênitos de maior gravidade, o que poderia ser utilizado para a prevenção através do aborto – a lei brasileira, porém, não permite essa alternativa. Ainda pouco conhecida é uma medida simples e barata para evitar defeitos de fechamento do tubo neural, como a anencefalia e a espinha bífida: o consumo de ácido fólico – uma vitamina presente em folhas verdes e em suplementos vitamínicos – pela mulher no período da concepção e no início da gestação diminui as chances desses distúrbios.

Ainda dá para esperar avanços na prevenção de defeitos congênitos. Lavínia observa, porém, que não se deve imaginar que o risco de uma gravidez algum dia chegue a zero. Mesmo em condições ideais – uma gestante jovem, bem-alimentada, que não fuma nem bebe –, ainda persiste uma taxa de risco básica de 1% a 2%. “Em muitos casos, o aparecimento de doenças genéticas ou defeitos congênitos é casual, um fenômeno particular de uma determinada gestação e independente de fatores de risco. Faz parte de nossa variabilidade”, explica Lavínia. A única coisa que podemos – aliás, devemos – levar a zero é o preconceito com relação ao deficiente.

Casos como o de Violetta, que nasceu sem braçose sempernas,eram cercados de superstições

Lionel Bilgraski achava que tinha nascido com esta aparência porque sua mãe teria visto a morte violenta de seu pai

Toney, o “rapaz com pele de crocodilo”, era atração de um circo de Nova York

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O circo humano

Muitos dos casos clássicos da teratologia – o estudo dos defeitos congênitos – foram também estrelas de circo, especialmente no século 19. Se o estigma do problema físico impedia que o indivíduo pudesse seguir uma profissão convencional, a humilhante – e às vezes lucrativa – alternativa era explorar o fascínio e a ignorância do público, exibindo-se sob a lona dos freak shows (“espetáculos de aberrações”). O caso mais conhecido é o de Joseph Merrick, nascido em Leicester, Inglaterra, em 1862. Ele tinha 2 anos quando sua mãe notou que a pele do filho crescia de modo estranho, formando calombos na cabeça e no pescoço. Os defeitos tornaram-se cada vez mais acentuados à medida que o menino crescia. O lado direito de sua cabeça cresceu de forma desproporcional. Seu braço direito também era enorme, e o crescimento irregular inutilizou sua mão. Joseph teve de deixar a casa cedo, por incompatibilidade com o padrasto.

Tentou a vida como vendedor de rua e operário, mas o abuso por parte dos colegas era demais. Acabou se empregando com um promotor de espetáculos, que lhe deu o apelido pelo qual ficaria conhecido: Homem-Elefante. Merrick foi então “descoberto”pelo doutor Frederick Treves, que mais tarde seria o médico da família real britânica. Treves exibiu seu paciente célebre nas sociedades científicas da época. Merrick ainda voltaria ao circo, mas acabou sendo acolhido em caráter permanente por um hospital de Londres. Morreu de asfixia, em 1890, ao deitar-se para dormir – o peso de sua cabeça esmagou a traquéia. Sua história inspirou um filme de David Lynch, O Homem-Elefante (1980).

Os médicos da época diagnosticaram a condição de Merrick como elefantíase, problema do sistema linfático que causa inchaço no corpo. Mais tarde, o consenso científico foi de que o Homem-Elefante sofria de um caso extremo de neurofibromatose, moléstia congênita que causa crescimento anormal do sistema nervoso. No final dos anos 90, exames radiológicos do esqueleto de Merrick, conservado até hoje no Hospital Real de Londres, revelaram que o crescimento ósseo era incompatível com os casos conhecidos de neurofibromatose – o Homem-Elefante não tinha, por exemplo, a espinha curvada que é típica desses casos. O diagnóstico mais aceito hoje é de que Merrick sofria de síndrome de Proteu, um distúrbio de crescimento raríssimo que só foi identificado em 1979.

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Os gêmeos conjugados são chamados de siameses por conta da fama de Chang e Eng Bunker, naturais do Sião (atual Tailândia). Ligados na altura do esterno, hoje os dois provavelmente poderiam ser separados cirurgicamente, mas quando nasceram, em 1811, a medicina não tinha muito o que lhes oferecer. Chang e Eng fizeram carreira nos Estados Unidos como atrações do célebre circo Barnum and Bailey. Cansados da vida nos picadeiros, acabaram se estabelecendo como fazendeiros no estado da Carolina do Norte. Cortejaram e se casaram com duas irmãs da comunidade local. Os dois morreram com 63 anos, deixando 21 filhos (11 de Eng e 10 de Chang).

Bem mais triste foi o destino de Julia Pastrana, a mulher barbada que causou sensação ao ser exibida como uma espécie intermediária entre o ser humano e o macaco. Consta que Pastrana era um índia mexicana, nascida em 1834, mas os dados sobre sua origem são duvidosos. Tinha pêlos abundantes e grossos não só no rosto, mas também nos braços. Com pouco mais de 20 anos, ela excursionou pelos Estados Unidos, exibida como a “Maravilha Híbrida”. Atravessou o oceano Atlântico em 1857 para começar sua carreira européia, em um espetáculo em Londres que incluía canto e dança. Seu empresário, Theodore Lent, levou-a em seguida a uma longa excursão pela Europa continental. Apesar dos pêlos abundantes, Julia era descrita como uma mulher delicada, talentosa e inteligente. Talvez seduzido por esses encantos, Lent, o empresário, casou-se com ela. Ou talvez tenha sido uma estratégia para preservar seu ganha-pão: Julia sofria por ter uma aparência como aquela e falava a amigos de sua vergonha por ser exposta como uma aberração.

O casal estava em Moscou quando descobriu que Julia ficara grávida. Os médicos temiam que o parto fosse difícil, pois a pélvis dela era muito estreita. Em 1860, deu à luz um menino igualmente peludo, que viveu só 35 horas. Ela mesma morreria cinco dias depois. A história fica particularmente bizarra a partir daqui. Lent vendeu Julia e o bebê para um anatomista russo que os embalsamou com muito capricho. Mais tarde, alegando direitos de marido e pai sobre os dois corpos, Lent tomou-os de volta. Voltou a excursionar pela Europa para exibir as múmias. Depois de sua morte, sua segunda mulher – que também era barbada! – doou Julia e o bebê a um empresário alemão. A partir daí, as múmias seguiriam um triste périplo, passando de um a outro museu de curiosidades. Em 1990, foram redescobertas no porão de um instituto médico legal em Oslo, Noruega. O médico Jan Bondeson examinou Julia e o filho.

Em seu livro Galeria de Curiosidades Médicas, ele revela que a índia mexicana não só tinha crescimento anormal de cabelos, mas também sofria de deformações dentárias, com hiperplasia da gengiva. Bondeson acredita que essas características encontradas em Julia Pastrana são parte de uma síndrome genética rara.

Para saber mais

NA LIVRARIA:

De “Monstros” e Outros Seres Humanos, Gilberto Lima Garcias, Ed. da Univ. Católica de Pelotas, 2002

Galeria de Curiosidades Médicas, Jan Bondeson, Record, Rio de Janeiro, 2000

Freaks, Aberrações Humanas, Akmitsu Naruyama, Livros & Livros, Portugal, 2000

A INTERNET:

https://www.worldcf.org/index.html

https://www.mic.ki.se/Diseases/alphalist.html

https://www.zoraskingdom.freeserve.co.uk

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