No futuro, haverá menos variedade de café – e a culpa é das mudanças climáticas
Cafés do tipo Harar e Yirgacheffe podem perder 40% da área de cultivo nos próximos 70 anos. E isso é uma má notícia não só para os apreciadores da bebida, mas também para a economia da Etiópia
O café é a bebida queridinha de muitas pessoas. Alguns gostam de apreciar o sabor, enquanto outros aproveitam os efeitos que ele tem sobre o corpo. Hoje, há duas espécies do grão com importância econômica, o café Robusta (Coffea canephora Pierre) e o café Arábica (Coffea arabica Linnaeus), sendo que o segundo possui uma demanda bem maior no mercado mundial.
Se são vendidos dois tipos de café, existem apenas dois sabores, certo? Um verdadeiro apreciador da bebida sabe que a resposta é não. Existem os chamados cafés especiais, que possuem diversos sabores e aromas, podendo ser frutados, doces, herbais, entre outros. O que vai definir essas características não é a espécie, mas sim os locais em que os grãos são cultivados, que possuem fatores climáticos e topográficos distintos.
A Etiópia é o terceiro maior produtor de café Arábica do mundo, atrás apenas do Brasil e Colômbia. De acordo com um novo estudo, realizado pelo Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático, 27% do território do país é adequado para o plantio de café, mas apenas um terço dessa área é apropriada para os cafés especiais. Os pesquisadores sugerem que, até 2090, parte dessa área pode ser perdida como resultado das mudanças climáticas.
Para chegar a tais conclusões, os cientistas montaram vários cenários em simulações computacionais, considerando variáveis climáticas, topográficas e do solo. Dentro das variáveis climáticas, foram considerados 19 fatores, como temperatura média, níveis anuais de precipitação e sazonalidade. É fácil de entender: as cerejas do café (que são as plantas de onde se retira o grão) amadurecem mais rápido do que o grão quando o clima está muito quente. Isso leva a um café de qualidade inferior. Já o aumento das chuvas pode ajudar na produção de café no geral, mas isso prejudica alguns tipos de cafés especiais.
De acordo com os pesquisadores, a área total para o cultivo de café vai crescer na Etiópia dentro dos próximos anos, mas os locais adequados para produção da maior parte dos cafés especiais vai diminuir. Os mais afetados serão os cafés Harar e Yirgacheffe – que, no pior cenário, poderão perder 40% de sua área de cultivo nos próximos 70 anos.
Aqui vai uma breve lista das principais variáveis que influenciam na produção de café: de acordo com o estudo, a precipitação do trimestre mais quente na Etiópia influencia em 67% no cultivo do café Harar, enquanto a precipitação no mês mais seco afeta em 79% a produção do café Sidamo. Já o cultivo do café Yirgacheffe é impactado em 57% pela sazonalidade da temperatura. Os grãos do tipo Limu e Nekemte sofrem maior influência do pH do solo, e são afetados em, respectivamente, 34% e 29%.
Isso não significa apenas que teremos menos variedades de cafés. A economia do país também será afetada. Hoje, Etiópia abriga cerca de 5 milhões de pequenos agricultores que produzem, em média, 400 mil toneladas de café por ano. O valor de exportação do produto é estimado em mais de US$ 1 bilhão ao ano. O país também possui o maior mercado interno de café da África.
“Se os produtores forem forçados a cultivar o café tradicional e menos palatável, eles passariam a competir com outros sistemas industriais, que são mais eficientes. Para o país em que o café representa quase um terço de toda a exportação agrícola, isso pode ser fatal”, disse Christoph Gornott, um dos autores da pesquisa, em nota.
Além disso, a demanda por cafés especiais é crescente no mercado. Eles não são utilizados apenas puros, mas também na mistura com cafés de qualidade inferior para criar bebidas instantâneas. De acordo com o novo estudo, isso gera aos países produtores um bônus de 20% a 50% no rendimento monetário em comparação com o valor obtido pelos grãos de café regulares.
O jogo não está totalmente perdido. Adaptar as áreas de cultivo considerando as mudanças apontadas no estudo pode ser uma solução para interromper a perda de variedade dos grãos. Christoph Gornott explica: “Nosso estudo ressalta a importância do planejamento e das respostas de adaptação localizada. Mostramos como as mudanças climáticas têm efeitos muito concretos sobre a disponibilidade e o sabor de uma das bebidas mais apreciadas do mundo e, mais importante, sobre as oportunidades econômicas em comunidades locais do sul global.”