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O mistério da fusão a frio

Físicos de vários países acreditam que os químicos Martin Fleischmann e Stanley Pons tenham se enganado a respeito da obtenção da fusão nuclear num tubo de ensaio.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 30 jun 1989, 22h00

O que foi apresentado ao mundo como o maior feito científico do século por enquanto é um enorme, decepcionante ponto de interrogação. Mais de dois meses depois que os químicos Martin Fleischmann, 62 anos, da Universidade inglesa de Southampton, e seu ex- aluno Stanley Pons, 46, da Universidade americana de Utah, anunciaram ter obtido fusão nuclear num tubo de ensaio (SI n.º 6, ano 3), a perplexidade e a descrença só não são totais porque também em ciência a esperança é a última que morre. A experiência divulgada pela dupla em fins de março numa entrevista à imprensa- por si só uma grave quebra de protocolo cientifico que irritou não poucos acadêmicos – foi reproduzida a toque de caixa por pesquisadores americanos e de outros países, entre os quais o Brasil, mas raras tentativas deram certo e houve pelo menos um caso em que os pesquisadores precisaram retratar-se depois de cantar vitória.

Na melhor das hipóteses, se existe mesmo a chamada fusão a frio, ela parece produzir quantidades tão ínfimas de calor que é difícil imaginar daí conseqüências práticas. Ou seja, a menos que a dupla de Utah tenha um ás escondido na manga dos seus aventais, não deve materializar-se ainda o sonho longamente acalentado pelo homem de obter energia limpa, barata e ilimitada a partir do átomo. Em quarenta anos de pesquisas, a fusão nuclear – a mesma que dá origem à energia das estrelas e faz explodir bombas de hidrogênio – só foi conseguida de maneira controlada em frações mínimas de tempo. Ela se dá quando os núcleos de duas variedades de hidrogênio – deutério e trítio – combinam-se e formam um núcleo atômico mais pesado de Helio, liberando no processo enormes quantidades de energia.

Nas estrelas, onde os núcleos de hidrogênio colidem sem cessar, a temperatura de fusão é da ordem de centenas de milhões de graus centígrados.

Na Terra, os cientistas tentam obrigar os átomos a se fundir em aparelhos caríssimos e gigantescos, que imitam as condições de temperatura e densidade do Sol. O experimento de Pons e Fleischman pareceu mostrar que o mesmo resultado seria possível sem nada daquela parafernália. A fusão teria acontecido graças a um procedimento corriqueiro em Química, a eletrólise, que consiste em separar com eletricidade os componentes básicos de uma substância.

A dupla alega ter conseguido separar o deutério (D) da água pesada (D2O). Uma corrente elétrica entre dois eletrodos, um de platina, outro de paládio, atraiu o deutério ao paládio, em cuja estrutura se aninhou. Devido à tremenda pressão a que ficaram submetidos nessa estrutura, os núcleos de deutério simplesmente se fundiram. No processo, os pesquisadores disseram ter registrado uma emissão discreta de nêutrons e uma quantidade indeterminada de raios gama indicativa de produção de energia.Em nenhum momento, porém, eles descreveram completamente a experiência. Um artigo de sua autoria, aparecido numa publicação especializada, tem tantas lacunas que escandalizou os cientistas.

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Diante da reticência da dupla, físicos de vários países trataram de imaginar o que realmente poderia ter acontecido. Descartada a possibilidade de fraude, ou tudo foi causado por um erro de medição ou por uma interferência do ambiente.Nessa ultima hipótese, as fusões teriam sido precipitadas pela presença de múons, partículas elementares que se formam quando raios cósmicos chegam a atmosfera. Os múons teriam se chocado com os elétrons em volta dos núcleos de deutério, substituindo-os. Como são mais pesados do que os elétrons, giram mais junto do núcleo, formando átomos menores. Os componentes do núcleo – prótons e nêutrons – teriam ficado próximos o bastante para originar a fusão. Em fins de maio, centenas de cientistas de diversas especialidades, reunidos em Santa Fé, Novo México, para avaliar a questão, desfavorável à fusão a frio. “A evidência de que Pons e Fleischmann estão errados é esmagadora”, resumiu um pesquisador. Embora convidados eles não compareceram à reunião.

Para saber mais: SuperMundo

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