O som do espaço
Olhar para o céu é coisa do passado. A onda agora é ouvir os Cosmos - ficar de ouvidos atentos para a música das ondas gravitacionais, porque elas podem revelar o que havia antes do Big Bang.
Ouça os buracos negros, o Sol e Júpiter aqui
O espaço sideral não é tão silencioso quanto parece. Ele faz barulho. Vários barulhos. Só não dá para ouvir porque esses sons são extremamente sutis. Você precisaria ter uma audição absurda, infinitamente maior que a de qualquer coisa viva, para escutar essa sinfonia cósmica. Então pode esquecer. Mas o que não falta agora são astrônomos tentando driblar essa limitação, usando os maiores amplificadores da história em busca dos sons do Universo. E eles têm um ótimo motivo para isso: o barulho cósmico pode desvendar os corpos mais misteriosos que existem, os buracos negros. E, se dermos sorte, os sons do silêncio poderão trazer algo bem maior: provar que existem outros Universos além do nosso.
O hábito de ouvir o espaço não tem nada de novo. Há décadas os cientistas apontam antenas para o espaço com o objetivo de captar as ondas eletromagnéticas que ele transmite. É que todo corpo celeste funciona como uma espécie de emissora de rádio: solta ondas que, com a ajuda de uma antena qualquer, podem ser traduzidas na forma de sons. Essa técnica, a da radioastronomia, já existe desde os anos 30 e foi responsável por descobertas fundamentais da astronomia – como os quasares, as galáxias jovens e hiperativas. Mas nada se compara ao que os sons do Universo poderão nos revelar no futuro, conforme desenvolvemos uma nova maneira de ouvi-los: justamente a detecção das ondas gravitacionais, que tem dominado o noticiário científico.
Bom, talvez não haja um físico com mais previsões fantásticas confirmadas que Albert Einstein. A mais recente delas é a existência das ondas gravitacionais. Ao perceber, com sua Teoria da Relatividade Geral, que objetos distorciam o próprio espaço (não o espaço sideral, mas a própria dimensão de espaço, que os físicos chamam de “tecido espaço-tempo”), Einstein concluiu que, ao se moverem, objetos produziriam marolas de natureza gravitacional no próprio tecido do vazio cósmico. Em outras palavras, o movimento de um objeto com muita massa, como um buraco negro, faria com que o espaço a seu redor se comprimisse e expandisse, na forma de ondas minúsculas, igual acontece quando você joga uma pedra num rio – só que nesse caso o próprio vazio faz o papel da água. Essas distorções se propagam na velocidade da luz e, podem ser detectadas – como de fato foram em 12 de fevereiro de 2016. “Em essência, o espaço vibra como um tambor”, explica Janna Levin, pesquisadora da Universidade Columbia que trabalha com uma linha de pesquisa singular: ela simula como soariam as ondas gravitacionais de certos objetos. “O Universo tem uma trilha sonora, um registro que reverbera por todo o Cosmos, revelando detalhes de dramáticas sequências de eventos.”
Talvez essa nova versão do que seriam os sons do Universo seja ainda mais realista que a ligada à da s ondas de rádio. Afinal, enquanto os radioastrônomos trabalham com emissões que não começam como um som, mas como disparos de energia, e só se transformam em barulhos depois de passarem por nossos receptores e serem convertidas, as ondas gravitacionais se parecem mais com o que são suas equivalentes sonoras, transitando como vibrações pelo próprio tecido do espaço. Esse tecido invisível faria o papel que o ar tem na Terra, o de propagar sons.
Para você escutar ondas gravitacionais a “ouvido nu”, porém, só se estivesse ao lado de alguma catástrofe cósmica, capaz de gerar uma tempestade de ondas gravitacionais. Uma catástrofe como um buraco negro engolindo outro, que é justamente o que os pesquisadores ouviram em 12 de fevereiro nos detectoes do LIGO, o conjunto de laboratórios nos EUA que assinou a descoberta.
Mas vários outros detectores, com tecnologias diferentes, estão sendo criados para ouvir sons do espaço. Inclusive na USP, onde o detector Mario Schenberg (batizado em homenagem ao famoso físico brasileiro), com sua forma esférica, segue sendo calibrado para participar da caça às ondas gravitacionais. Com ele, quando estiver em pleno funcionamento, especula-se que seja possível detectar as marolas produzidas por buracos negros. “Esses objetos podem ser ouvidos, mas não vistos”, diz Levin. “Eles são negros contra o céu negro. Mas, como martelos num tambor, podem produzir uma música no próprio espaço, na forma das ondas gravitacionais.”
“O Schenberg também será capaz de detectar o sinal da colisão de duas estrelas de nêutrons. No impacto, elas combinam sua massa e acabam se tornando um buraco negro”, explica Odylio Aguiar, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que trabalha no projeto brasileiro. Mais peso pesado que esse é o LISA, uma parceria entre a Nasa e a ESA (Agências Espaciais Americana e Europeia) que pretende captar ondas gravitacionais no espaço. O Ligo foi o primeiro a sair do papel, e acabou extremamente bem sucedido.
Vários cosmólogos defendem a ideia de que o começo de tudo não foi no Big Bang, mas que havia algo antes – talvez um outro Universo, que tenha dado origem ao nosso, talvez o colapso de um buraco negro em outro Cosmos, que tenha produzido nosso Big Bang… Isso é parte da ideia cada vez mais aceita do Multiverso – a noção de que habitamos apenas um entre muitos Universos. Uma das possibilidades é detectarmos ondas gravitacionais vindas desses outros Cosmos, ondas que atravessariam as “paredes” do nosso Universo, revelando toda uma nova fauna cósmica além dos limites de tempo e espaço do velho Big Bang. Seria uma forma um tanto bizarra de descobrir que não estamos sozinhos… Bom, haja o que houver lá fora, agora é fato: nossos ouvidos estão atentos.
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Atualizado em 12/02/2016
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Para saber mais
Site oficial do detector de ondas gravitacionais Ligo