O Instituto de Cérebro, liderado pelo pesquisador Sidarta Ribeiro, é referência no mundo em estudos sobre sono. Em 2020, o laboratório da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) fez descobertas sobre a complexidade dos sonhos e desenvolveu maneiras de acelerar o diagnóstico de esquizofrenia com base neles. Agora, os pesquisadores brasileiros descobriram que o sono dos polvos é bastante parecido com o nosso.
A pesquisa publicada no periódico iScience revela que os polvos possuem uma fase ativa e curta, e outra mais longa e tranquila do sono. Esses estágios seriam equivalentes à fase REM (sigla para movimento rápido dos olhos) e não-REM em mamíferos.
A fase REM é quando ocorrem os sonhos mais vívidos e memoráveis em humanos – nesse momento, a atividade cerebral é comparável aos níveis de quando estamos acordados. Ela dura cerca de 20 minutos e se repete de quatro a cinco vezes ao longo da noite. As fases não-REM são as mais tranquilas, que duram a maior parte do sono e produzem sonhos menos vívidos.
Não é possível saber se os polvos sonharam, mas eles mostram sinais físicos característicos de cada fase do sono. Os pesquisadores observaram o sono do Octopus insularis, uma espécie típica do nordeste brasileiro. Para verificar se os polvos estavam mesmo dormindo, a equipe mostrava vídeos de caranguejos ou batia no tanque levemente para ver se o animal reagia ao estímulo. Se ele permanecesse imóvel, significa que tinha caído no sono.
Durante a maior parte do tempo, os polvos permanecem com as pupilas semi-cerradas, sem movimentos bruscos e com a pele de cor acinzentada. Após cerca de seis minutos de sono tranquilo, se inicia a fase ativa: os músculos do corpo contraem, os olhos se mexem e a pele adquire uma tonalidade escura. Essa fase costuma durar 40 segundos, e o ciclo recomeça a cada meia hora. Veja o vídeo abaixo:
Já se sabe que aves (e talvez répteis) possuem esse ciclo alternado, mas a surpresa foi observar isso em cefalópodes, uma classe evolutivamente distante dos mamíferos. O ancestral comum entre humanos e polvos viveu há nada menos que 500 milhões de anos.
Em outras palavras, as duas fases do sono teriam evoluído independentemente em vertebrados (como os mamíferos) e invertebrados (os cefalópodes). Acredita-se que essas fases são importantes para consolidar memórias e apagar o que não é importante para o nosso cérebro. O sistema nervoso dos polvos, por outro lado, é bastante diferente. “Isso pode refletir alguma propriedade em comum aos sistemas nervosos centralizados que atingem certa complexidade”, disse a pesquisadora Sylvia Medeiros, em nota.
Mesmo assim, é difícil não imaginar que eles estejam sonhando. A equipe também levanta essa hipótese: “Se eles realmente sonham, é improvável que tenham roteiros simbólicos e complexos como os nossos. O período de sono ativo dos polvos é curto, de no máximo um minuto. Se eles tiverem algum tipo de sonho, devem ser momentos curtos, como pequenos clipes ou GIFs”, diz a pesquisadora.
O próximo passo é tentar desvendar esses possíveis sonhos. A equipe pretende registrar dados neurológicos dos polvos enquanto eles dormem e avaliar o papel do sono no metabolismo, pensamento e aprendizado do animal.
Em entrevista à Science, Medeiros diz que isso pode ser testado ao comparar a mudança de cor quando o animal está aprendendo uma habilidade nova e quando está dormindo. Se os mesmos padrões forem observados nos dois momentos, talvez seja possível inferir sobre o que os polvos estão sonhando.