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Poluição de enxofre protegia o Atlântico Norte contra o aquecimento global

A humanidade já aplica geoengenharia há dezenas de anos – e ninguém tinha percebido. Entenda como a queima de combustível dos navios estava esfriando o oceano.

Por Leo Caparroz
Atualizado em 8 jan 2024, 13h33 - Publicado em 16 ago 2023, 14h19

As nuvens fazem mais pelo planeta do que você pensa. Além de chuva, essas aparentes bolas de algodão têm um papel importante no aquecimento global – para o bem e para o mal.

Tudo depende do tipo de nuvem. Aquelas nuvens brancas, grandes e fofinhas (stratocumulus, stratus ou cumulus, por exemplo) esfriam o planeta. Elas são nuvens mais baixas, que não passam de 2 mil metros de altitude. Raios solares que tentam chegar na superfície terrestre precisam passar pela cortina de nuvens – cerca de 10% da energia que viria para a Terra é refletida por elas de volta ao espaço.

Já as nuvens mais finas, que parecem pinceladas brancas, deixam o planeta mais quente. As da classe cirrus ficam bem altas, entre 4 mil e 20 mil metros de altitude, e prendem o calor na atmosfera, como um cobertor gigante.

Atualmente, a relação entre nuvens fofas e fininhas não é equilibrada. A balança pende para as fofas, que resfriam o planeta e superam o aquecimento das rivais. Isso significa que a Terra estaria mais quente se não fosse por essas nuvens. Ponto para as bolas de algodão.

Aqui vem a parte ruim: conforme as condições do planeta mudam, essa configuração também pode mudar. E isso já está acontecendo.

Em 2020, a Organização Marítima Internacional (OMI ou IMO) passou novas regras que limitam o combustível usado em grandes navios de carga. Embarcações desse tipo costumavam usar uma mistura de óleos – em que grande parte vinha da raspa do tacho da destilação do petróleo. Depois que o petróleo bruto era separado para os demais fins, o que restava era incorporado ao combustível.

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Esse óleo residual é pesado e carregado de enxofre. Quando é queimado no motor do navio, ele libera óxidos de enxofre. Esse poluente vai parar na atmosfera, onde se junta com moléculas de água e forma ácido sulfúrico, dando origem à chuva ácida.

As regulamentações da OMI limitaram a quantidade de enxofre permitida no combustível das embarcações. Faz sentido: menos enxofre no óleo, menos enxofre no céu, ar mais limpo e pessoas mais saudáveis, tudo perfeito.

Só que ela teve um efeito indesejado. A queima dos combustíveis nos navios deixa rastros – literalmente. Assim como os aviões no céu podem deixar nuvens por onde passam, os barcos também formam uma trilha de fumaça, que pode ser vista do céu. Com a mudança na regulação, essas nuvens diminuíram substancialmente – uma pesquisa de 2022 aponta que essa redução pode ser de 50%.

Os rastros se formam por causa da interação entre os aerossóis emitidos pelos navios e as nuvens baixas em formação. As partículas de enxofre, por mais indesejadas que fossem, estavam criando nuvens mais brilhantes e em maior quantidade. Os combustíveis mais “limpos” tiraram essas nuvens da jogada, possibilitando que mais luz do Sol chegue na superfície.

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Com isso, uma parte do planeta esquentou. Especificamente, o Atlântico Norte, em que o tráfego de navios de carga é mais intenso. A região estava esquentando mais devagar em comparação aos outros oceanos, mas agora ela atinge níveis recorde de temperatura. A poluição de enxofre causada pelos barcos estava mascarando a real gravidade do aquecimento global.

Esta imagem mostra o aquecimento do Atlântico Norte em 2023, em comparação com os anos anteriores e o normal, que é a linha 0.
Demarcada no gráfico pela linha vermelha, as temperaturas do Atlântico Norte em 2023 atingiram os níveis mais altos até agora. (Leon Simons e Professor Eliot Jacobson/CBC/Reprodução)

Por um lado, é uma notícia ruim: as águas do Atlântico Norte estão mais quentes do que achávamos. Por outro, pode ser um início esperançoso de mudança.

Existe algo chamado geoengenharia: a ideia de que seria possível, propositalmente, manipular a dinâmica climática do planeta e neutralizar os impactos do aquecimento global. As duas maiores estratégias envolvem sequestrar o CO2 da atmosfera para reduzir o efeito estufa e refletir a radiação solar que chega à Terra.

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Este último – também conhecido como solar radiation management (SRM), do inglês “gerenciamento da radiação solar” – engloba várias ideias, que normalmente se resumem a colocar algo que impeça os raios de chegarem no planeta. Algumas são mais absurdas, como o projeto de colocar um guarda-sol em um asteroide, e outras mais pé no chão, como criar nuvens artificiais na atmosfera.

A OMI acidentalmente conduziu um experimento em larguíssima escala que comprova a eficácia de certas medidas em reduzir a temperatura de uma área. Uma das polêmicas em torno da geoengenharia é a falta de pesquisas e a incerteza do plano – “será que vale o investimento grande para algo que pode não dar certo?”. Agora, sabemos que dá certo.

E o melhor: não é necessário jogar óxidos de enxofre no céu e colocar em risco a saúde das pessoas. Os mesmos resultados atribuídos ao enxofre podem ser alcançados com sal. Navios pegam a água do mar e atiram para o céu como uma névoa. A água evapora, e as partículas de sal criam núcleos para o vapor se condensar em gotículas e formar nuvens. Essas gotículas são menores e mais numerosas, o que também deixa as nuvens mais brilhantes e mais reflexivas.

Contudo, a geoengenharia esbarra em questões morais. Afinal de contas, ela emprega uma nova tecnologia para desviar os problemas do aquecimento global. Ao invés de cortar o problema pela raiz, ela é uma forma de ignorar as consequências – um tapa buraco geológico.

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Mas o planeta está esquentando cada vez mais, em um ritmo não previsto e subestimado. Talvez, em algum momento, precisemos reconsiderar as cartas na mesa.

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