Por que morremos?
A razão da vida é gerar mais vida - o que é meio difícil de fazer quando se está morto. Mas o que nos mata também pode ser um jeito de produzir mais vidas
Texto Reinaldo José Lopes
Quais são os únicos seres vivos potencialmente imortais da Terra? Errou feio quem colocou árvores ou tartarugas na resposta. Em condições ideais, são as humildes bactérias as únicas criaturas a não morrer. Se você der a esses micróbios comida à vontade e ambiente aconchegante, elas simplesmente se multiplicam sem parar, dividindo suas células únicas em novos “clones”. É claro que essa multiplicação leva à competição entre “mães” e “filhas” e muitas acabam morrendo, mas não há nada inevitável nisso. A morte, ao que tudo indica, é uma doença sexualmente transmissível.
Parece maluco, mas talvez seja a mais pura verdade. Os biólogos andam descobrindo que os eventos que levam à velhice e à morte não são um programa detalhado de autodestruição, tal como acontece com a programação genética que envolve o nascimento e o crescimento dos seres vivos complexos. Se eles estiverem certos, morrer seria só um efeito colateral um tanto desagradável da necessidade de se reproduzir com a ajuda de outro indivíduo da mesma espécie, num mundo de recursos limitados.
FAZENDO AS CONTAS
Ainda há dúvidas sobre o porquê de o sexo ter se tornado tão importante para os seres vivos. Mas, uma vez estabelecido, ele forçou os organismos, de certo modo, a “fazerem as contas” em relação à própria sobrevivência. (De forma inconsciente, é claro; o que parece controlar o mecanismo é apenas o sucesso ou fracasso reprodutivo de cada indivíduo.)
Num mundo sexual, a única chance de um bicho, planta ou fungo passar seus genes adiante é misturando-os com os de outro indivíduo. Acontece que não dá para fazer tudo ao mesmo tempo: o organismo precisa “decidir” quanta energia gastar para continuar vivo até achar um parceiro, e quanto dessa energia vale a pena investir no sexo e nos filhotes que virão a partir dele. Se a criatura em questão for relativamente indefesa e viver correndo de predadores, vale a pena se reproduzir logo e produzir ninhadas enormes, porque o risco de morrer antes disso é gigante. Por outro lado, se a espécie não tem inimigos naturais, compensa fazer tudo com mais calma.
Isso explica por que camundongos e ratos vivem pouquíssimo, enquanto bichos do mesmo tamanho, mas voadores (como aves e morcegos), chegam a demorar até 10 vezes mais para morrer de velhice, porque são presa menos fácil. O mesmo acontece com animais grandalhões, que quase nenhuma outra criatura consegue caçar, como baleias e elefantes. Ao mesmo tempo, as criaturas de vida longa têm muito menos filhotes, que demoram mais a crescer. O que acontece é que pelo menos alguns genes que favorecem o potencial reprodutivo na juventude também acabam conduzindo à morte na velhice, mas, como o indivíduo já deixou descendentes mesmo, a ação “ruim” deles não é barrada pela seleção natural. Aparentemente, não dá para ter uma coisa boa sem a outra coisa, ruim.
Alguns estudos, contudo, têm mostrado que é possível “enganar” o corpo e fazê-lo adiar o envelhecimento. Roedores e vermes submetidos a uma dieta de fome, por exemplo, ou com órgãos sexuais retirados, vivem muito mais – no caso de certos vermes, o equivalente a uma pessoa com uns 600 anos de idade. É como se o organismo “sentisse” que o ambiente está hostil e pouco favorável à reprodução (ou que não vai se reproduzir mesmo, no caso dos castrados) e dirigisse todas as energias à autopreservação. Já há cientistas falando em usar o conceito para tentar “engenheirar” a imortalidade humana ou, ao menos, aumentar drasticamente a nossa longevidade.
Sobreviva
1. Seja grande:
Bichos com tamanho corporal maior também tendem a viver mais tempo.
2. Não tenha inimigos:
Criaturas sem predadores podem envelhecer naturalmente mais devagar que presas fáceis.
3. Transe tarde:
Demorar para se reproduzir é outro remédio tiro e queda contra a velhice.
4. Coma pouco:
É a chamada restrição calórica. Sem ficar desnutrido, devore só o mínimo.
Apoptose é o nome dado à morte programada de células. Trata-se do único processo de senescência “deliberada” entre os seres vivos.