Por que o Nobel da Paz é o único entregue na Noruega?
Todos os outros são entregues em Estocolmo, na Suécia. A escolha da Noruega para o Prêmio da Paz partiu do próprio Alfred Nobel.

Primeiro é importante entender como surgiu o prêmio Nobel. Ele nasce com o empresário sueco Alfred Bernhard Nobel, que liderou inovações industriais e acumulou uma fortuna em vida. Ao longo de 63 anos, fez dinheiro com fábricas de armamentos e participações em empresas de mineração e petróleo – mas não é por esses feitos que o senhor Nobel é lembrado.
Nobel assinou seu testamento em 27 de novembro de 1895, no Clube Sueco-Norueguês em Paris. O documento determina que a maior parte de sua fortuna, estimada em 31,5 milhões de coroas suecas, seria aplicada em títulos seguros, cujos rendimentos seriam distribuídos anualmente em cinco prêmios: física, química, medicina ou fisiologia, literatura e paz. Assim surgiu o prêmio que leva seu nome. A medalha Nobel é entregue todos os anos em Estocolmo, cidade natal de Alfred Nobel.
Embora tenha nascido na Suécia, em outubro de 1833, Nobel passou parte da infância e adolescência em São Petersburgo – onde seu pai, Immanuel, abriu uma fábrica de armamentos. Apesar de não frequentar escola formal, recebeu educação particular e se destacou em disciplinas como química e linguagens, dominando quatro idiomas estrangeiros.
A partir de 1863, após experiências com a nitroglicerina, Nobel desenvolveu a dinamite. A criação rendeu centenas de patentes e o transformou em um dos homens mais ricos de sua época. Suas invenções, incluindo a balistite, foram usadas em diversas guerras e conflitos. Alguns estudiosos sugerem que esse envolvimento com armas pode ter motivado sua decisão de deixar um legado humanitário.
Ao longo da vida, Nobel foi próximo da ativista austríaca Bertha von Suttner, que mais tarde seria laureada com o Prêmio Nobel da Paz. Essa amizade influenciou profundamente sua decisão de incluir a paz entre os campos contemplados em seu testamento. Nobel especificou que o prêmio seria concedido “à pessoa que tivesse realizado o maior ou o melhor trabalho em prol da fraternidade entre as nações, da abolição ou redução de exércitos permanentes e da formação e difusão de congressos de paz”.
Ele também expressou o desejo de que, na concessão de todos os prêmios, não fosse considerada a nacionalidade dos candidatos, garantindo que o mais merecedor recebesse a distinção.
O Nobel da Paz é a única categoria que não é entregue em Estocolmo, na Suécia. A cerimônia ocorre na capital do país vizinho, em Oslo, na Noruega.

Por que a Noruega?
Em seu testamento, Alfred Nobel determinou que o laureado da Paz fosse escolhido por um comitê de cinco membros nomeados pelo Storting, o parlamento norueguês.
O comitê foi criado em agosto de 1897, mas só pôde iniciar suas atividades após a resolução de longas disputas familiares e judiciais e a criação da Fundação Nobel em 1900, responsável pela administração financeira do legado e pela operacionalização dos prêmios.
O motivo exato pelo qual Nobel escolheu a Noruega permanece desconhecido, mas existem hipóteses. Até 1905, os dois países formavam a chamada União Sueco-Norueguesa, estabelecida em 1814 após as Guerras Napoleônicas, quando a Noruega foi cedida à Suécia pelo Tratado de Kiel.
Apesar de compartilharem o mesmo monarca, mantinham instituições próprias, como parlamentos e sistemas legais distintos. A união gerava tensões, especialmente em relação à autonomia norueguesa em assuntos externos, que culminaram em 1905 com a dissolução pacífica do acordo. O Parlamento norueguês declarou a independência do país e o rei Óscar II da Suécia renunciou ao trono norueguês, consolidando a Noruega como um Estado soberano.
Na época da criação dos prêmios, a Noruega era considerada mais democrática e pacífica que a Suécia, com forte compromisso com a resolução de conflitos internacionais. O país também participava ativamente da União Interparlamentar, organização fundada em 1889 para promover a cooperação entre parlamentos e a paz mundial, e possuía tradição de mediação e diplomacia pacífica.
Fatores culturais e pessoais também podem ter influenciado Nobel, como sua admiração pelo escritor norueguês Bjørnstjerne Bjørnson, um ativista pela paz. Segundo Geir Lundestad, ex-secretário do Comitê Norueguês do Nobel, a escolha da Noruega resultou de “uma combinação de fatores políticos, culturais e pessoais.”
O Comitê Norueguês do Nobel continua responsável pela seleção do laureado da Paz. Todos os anos, pessoas qualificadas – membros de parlamentos e governos nacionais, membros de tribunais internacionais, acadêmicos de nível universitário, líderes de universidades e ex-vencedores do prêmio – são convidadas a enviar nomeações.
As indicações são analisadas de forma sigilosa. Assim como em outras categorias, informações sobre nomeações, deliberações e investigações só são publicadas após 50 anos. O idioma oficial é o norueguês, embora também sejam aceitas indicações em inglês, francês e alemão. (Atualmente, a maioria chega em norueguês ou inglês). O anúncio do vencedor ocorre no início de outubro, e a entrega do prêmio é feita em 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Nobel.
A cerimônia de entrega passou por diferentes locais ao longo do tempo: de 1901 a 1904, ocorreu no Parlamento norueguês; de 1905 a 1946, no Instituto Nobel Norueguês; de 1947 a 1989, no átrio da Universidade de Oslo; e, desde 1990, é realizada na Prefeitura de Oslo, na presença do Rei da Noruega e da família real.
O prêmio inclui medalha, diploma e valor em dinheiro. A medalha foi projetada pelo escultor norueguês Gustav Vigeland, com moldes produzidos por Erik Lindberg. Ela mostra três homens em um “laço fraternal” e a inscrição Pro pace et fraternitate gentium (“Pela paz e fraternidade dos homens”). O reverso contém o ano da premiação, o nome do laureado e o inscrito Prix Nobel de la Paix.
O valor do prêmio depende da rentabilidade do fundo Nobel e da taxa de câmbio; em 2025, corresponde a 11 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,2 milhões).
Em 2024, o Nobel da Paz foi concedido à organização japonesa Nihon Hidankyo, formada por sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki e que luta pela abolição das armas nucleares. Também conhecida como Hibakusha, a entidade representa testemunhos diretos do lançamento das bombas em 1945, que matou entre 120 mil e 200 mil pessoas e marcou o fim da Segunda Guerra Mundial. A entidade recebeu US$ 1,1 milhão (cerca de R$ 6 milhões).
Segundo o Comitê do Nobel, a escolha foi “um lembrete de que essas armas nunca devem ser usadas novamente” e reconheceu os esforços da Nihon Hidankyo em promover um mundo livre de armas nucleares, destacando seus depoimentos como ferramenta de conscientização frente aos conflitos atuais.