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Túnel do tempo, o sonho secreto dos físicos

Eles não contam para ninguém e não gostam de comentar o assunto em público. Mas muita gente de primeiro time anda atrás da resposta: como é que se faz para viajar no tempo?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 ago 1996, 22h00

Não existe sonho mais fantástico do que viajar através do tempo, voltar ao passado ou avançar pelas décadas à frente. O problema é que, além de fantástico, esse é um sonho comprometedor. Nenhum cientista pode sonhá-lo em público sem correr o risco sério de dar uma de maluco. Mas agora, para surpresa dos próprios físicos, a possibilidade de atravessar os séculos para a frente e para trás não pode ser de forma alguma descartada. Desde o final da década passada o físico americano Kip Thorne, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, trouxe à tona um objeto simplesmente estupendo: o wormhole, que, em inglês, quer dizer buraco de minhoca. Com esse nome nada futurista, até meio invertebrado, o wormhole pode ser a peça-chave de um futuro ônibus do tempo.

E o que é esse bicho? É uma espécie de túnel que, segundo a teoria, pode existir no Universo. Como se fosse um atalho cósmico, ele ligaria pontos superdistantes de um modo tal que, se alguém pudesse caminhar por ele, chegaria rapidamente à outra extremidade. Ou seja, ganharia um tempo enorme. A idéia de Thorne, então, seria aproveitar esses túneis, deslocando suas extremidades para os pontos desejados e conseguir, com idas e voltas por dentro deles, saltos não apenas no espaço, mas também no tempo.

Por enquanto, essa máquina do tempo só existe na teoria. Mas, exatamente porque só existe na teoria, tem aquele fascínio dos aviões e helicópteros esboçados nas pranchetas do século XV pelo italiano Leonardo da Vinci. Como o velho gênio italiano, Kip Thorne foi além dos limites do que é possível em sua era. Ao virar a página, você vai ler o que Thorne tem a dizer sobre a máquina mais fascinante que o homem já desejou criar.

Ir para a frente é fácil. Duro é andar para trás

Você pode não levar a sério, mas viajar no tempo não é apenas possível. É até inevitável, em certas circunstâncias. A ciência sabe disso desde 1905, data em que o alemão Albert Einstein formulou a Teoria da Relatividade. “O princípio é muito simples”, disse à SUPER o americano Michael Morris, da Butler University, em Indianápolis, pesquisador vital nos mais importantes avanços da atualidade. “Basta embarcar numa nave que alcance velocidade bem próxima à da luz, de 300 000 quilômetros por segundo”, explica Morris. “Automaticamente o tempo na nave vai começar a passar mais devagar do que na Terra.” Na volta, portanto, o viajante estará mais jovem do que os que não voaram. Em números, se o relógio da nave, nessa velocidade, marca a passagem de 12 horas, os da Terra marcam muito mais: uma década. Ou seja, em relação a quem ficou aqui, o viajante terá feito uma travessia de dez anos para o futuro.

Sagan faz um pedido

Já não há dúvida alguma sobre esse efeito, que foi testado e comprovado exaustivamente nos últimos trinta anos. A precisão dos resultados só não é maior porque, como as velocidades usadas são muito inferiores à da luz, o ritmo do tempo também não se altera muito. Assim, as viagens já feitas ao futuro geralmente são curtas, da ordem de frações de segundo. Mas a possibilidade, hoje, é um consenso tranqüilo entre todos os físicos, diz Morris.

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Em 1985, ele embarcou numa investigação muito mais complicada: era a possibilidade de viajar para o passado. A história começou com um telefonema do astrofísico, divulgador científico e escritor Carl Sagan, da Universidade Cornell, a um amigo. O amigo era o físico teórico Kip Thorne, do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Sagan estava escrevendo o romance Contato, lançado no Brasil em 1986. Queria saber se era cientificamente plausível viajar pelo “hiperespaço”, que na ficção-científica é um meio de cruzar imensas distâncias quase instantaneamente. Foi então que, decidido a mergulhar no assunto, Thorne convocou Morris para ajudá-lo nas pesquisas.

Thorne chegou a uma conclusão extraordinária: o imaginário hiperespaço talvez pudesse viabilizar as expedições no tempo. E com destino ao passado, tanto quanto ao futuro! Em 1994, ele lançou um livro clássico com essas conclusões: Black Holes and Time Warps (Buracos Negros e Dobras no Tempo, ainda não editado no Brasil).

Como tirar as dúvidas?

Antes de começar a falar em passeios ao passado, duas coisas precisam ficar claras. Primeiro, a possibilidade é real, existe mesmo. Não é mágica, não é bruxaria. Segundo, essa possibilidade está sendo estudada com extrema cautela, pois os conhecimentos atuais da Física podem não ser suficientes para resolver as dúvidas que ainda existem. Enfim, os meios materiais para construir uma máquina do tempo como a que a teoria sugere estão muito além da tecnologia disponível. Muito, muito além. Como escreveu Thorne em seu livro: “Mesmo se as máquinas do tempo fossem possíveis pelas leis da Física ainda estaríamos mais longe delas do que o homem das cavernas estava das viagens ao espaço”.

Como cavar um buraco de metrô no espaço vazio

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Para viajar no tempo da maneira como o teórico americano Kip Thorne visualizou é preciso embarcar num paradoxo: abrir um buraco no espaço vazio, bem do tipo que liga nada a lugar nenhum. Para entender melhor, pense por um momento nos buracos negros. Eles nascem quando uma estrela superpesada (pelo menos três vezes e meia maior do que o Sol) se apaga e fica sem energia luminosa. A estrela escurecida desaba sobre si mesma, produzindo uma esfera absolutamente preta, ultracompacta, com uma força gravitacional apavorante. Traga até mesmo os raios de luz. Dentro dela, ninguém sabe direito o que existe. Certamente não é o espaço comum. Será que, entrando lá, alguém iria sair em outro lugar do Universo?

Passeio num wormhole

Em 1986, Thorne já sabia que não. Tudo o que cai num buraco negro é esmagado. Propôs então viajar dentro de wormholes, os tais “buracos de minhoca” que já eram descritos em outros estudos de Cosmologia. A grande vantagem dos wormholes (que são conhecidos apenas em teoria) sobre os buracos negros é que, apesar de também ter densidade altíssima, eles não trituram ninguém.

Mais do que isso: como os wormholes têm duas bocas, situadas em locais diferentes do Universo, seriam os túneis ideais. Só faltava direcioná-los. A partir da Teoria da Relatividade – que ensina que um relógio em movimento marca o tempo mais devagar em relação a um relógio que está imóvel (veja o infográfico da página 49) –, Thorne imaginou pôr uma das bocas de um wormhole dentro de uma nave, mandando-a para uma velocíssima viagem. A outra boca ficaria na Terra. Na volta, uma das bocas, a que viajou, estaria atrasada no tempo. É claro! Se essa viagem acontecesse hoje, numa velocidade bem próxima à da luz, bastariam 12 horas de passeio para conseguir um intervalo de dez anos na Terra. Pronto! Sai um túnel do tempo para viagem: uma das bocas estaria em 2006; a outra, em 1996. E quanto tempo levaria para atravessar o túnel do tempo depois de pronto? Menos de 1 segundo (veja o infográfico à esquerda).

Estigma de físico maluco

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É uma hipótese tão doida que Thorne viu-se diante do risco de ser chamado exatamente disso: doido. Tornou-se muito zeloso da imagem de seus colaboradores, Michael Morris e Ulvi Yurtsever, além da sua própria. Tanto que, em seu livro, escreveu que temia “que a reputação científica de Morris e Yurtsever fosse manchada com o estigma de físicos malucos de ficção científica”. Decidiu não falar mais sobre o assunto com a imprensa. Procurado pela SUPER, apenas reafirmou, por telefone e pela Internet, sua opção pelo silêncio. Morris foi mais claro: “Muitas coisas que dizemos não significam o que normalmente a imprensa acha que significam. Nós não gostamos de ver esse assunto ser sensacionalizado e ninguém quer ser acusado de ter contribuído para a sua sensacionalização”. A SUPER, com esta reportagem, cumpre seu papel de informar, revelando a importância que Thorne e Morris deram à pesquisa sobre o tempo. Como diz o físico brasileiro Carlos Escobar, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, “o tema, sem dúvida, deve ser coberto pela imprensa. Com toda a seriedade.”

Por que o sonho ainda é só um sonho

As viagens no tempo ainda não estão garantidas por vários motivos. Tecnologicamente, nem se fala. Se é que existem de fato, os wormholes têm um peso bem maior que o do planeta Terra. Não existe veículo capaz de carregar a boca de um monstro desses, como seria necessário para montar uma máquina do tempo. Mas o maior problema é teórico.

Porque a origem dos wormholes tem a ver com a energia espalhada pelo espaço. Mesmo onde não há nenhum átomo ou fragmento de átomo, existe luz e força gravitacional, e isso é energia. Ou melhor, é um caos: a energia, em vez de se espalhar por igual, pode muito bem, sem aviso prévio, acumular-se de forma brutal num ponto qualquer. Pois aí poderiam nascer os wormholes (veja o infográfico ao lado).

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A antigravidade existe?

Mas há dois problemas. Primeiro: eles surgem e somem num piscar de olhos. Tão rápido que nem dá tempo de transformá-los em túneis do tempo. Segundo problema: no nascimento, eles seriam infinitamente pequenos. Seria preciso achar alguma coisa que pudesse aumentar o tamanho do wormhole e mantê-lo aberto durante um período maior.

Essa “alguma coisa”, para Thorne, seria matéria com gravidade negativa, ou antigravidade. De novo, ele se socorreu na Teoria da Relatividade, segundo a qual dois fatores produzem gravidade. Um é a massa, sempre positiva. O outro é uma pressão que a massa cria à sua volta, e a pressão tanto pode ser positiva (de fora para dentro) quanto negativa (de dentro para fora). Em algumas situações, a gravidade da pressão negativa supera a da massa. Portanto, sobra gravidade negativa. A matéria nessas condições seria útil. Ela serviria para manter o wormhole aberto e aumentá-lo. Os argumentos de Thorne convenceram diversos cientistas, que agora tentam projetar um “gerador” de wormholes. O italiano Claudio Maccone, do Centro de Astrofísica de Turim, acredita que um eletroímã pode dar conta do recado. Ele começou a fazer contas em 1994, concluindo que o eletroímã precisaria ter no mínimo 3 quilômetros de comprimento. O wormhole resultante teria baixa densidade, o que não é o ideal. Mas poderia alterar a trajetória de um raio de luz, e se isso acontecer é sinal de que a idéia do eletroímã funciona.

Outros estudiosos resolveram olhar para o céu em busca de wormholes naturais, gerados de alguma forma durante a evolução do Universo, e que podem ser gigantescos. Se eles tiverem gravidade negativa, devem criar efeitos de luz marcantes, como as imagens duplas. É o que sugere John Cramer, da Universidade do Estado de Washington. Por isso, caso uma estrela apareça com a imagem duplicada, é muito provável que ela esteja passando por trás de um wormhole. Dos grandes. E será magnífico captar esse efeito na Terra. Teríamos uma demonstração de que a antigravidade expande mesmo o wormhole. Teríamos também um “sim” da natureza para as mais ousadas conjecturas já feitas sobre o tempo.

PARA SABER MAIS

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Black Holes & Time Warps, Kip S. Thorne, W. W. Norton & Company, Nova York, 1994.

A Flecha do Tempo, Peter Coveney e Roger Highfield, Editora Siciliano, São Paulo, 1993.

Sinal verde para o futuro

O fato de estar perto de uma grande concentração de matéria, como uma estrela, faz o tempo passar mais devagar. O efeito só é perceptível junto a estrelas imensas, mas você pode ter uma idéia observando os relógios abaixo. No que está perto da Terra passam 6 horas e no que está junto do Sol, apenas 3 horas.

1 – Bê-a-bá da relatividade

Veja nesta seqüência de quadros como o espaço e o tempo mudam de acordo com Einstein. Primeiro o espaço, representado por um triângulo. Para os antigos, este nunca mudaria de forma (em cima). Hoje se sabe que perto das grandes massas, como a do Sol, o triângulo fica deformado (embaixo).

2 – Deformação pela velocidade

As massas deformam as figuras, e a velocidade também. Um triângulo imóvel, desenhado com linhas perfeitamente retas (em cima), fica torto se colocado em movimento (embaixo). Note bem: o efeito ocorre sempre, mas só é significativo em velocidade próxima à da luz

3 – O Sol atrasa os relógios

Até o início do século se pensava que dois relógios idênticos deviam correr sempre com a mesma marcha, não importava onde fossem colocados (em cima). Mas não é assim. Perto de massas imensas (embaixo), o tempo passa mais devagar. Junto ao Sol o efeito é pequeno, mas acontece.

4 – Como os anos viram horas

A velocidade é outra maneira de tornar os relógios mais lerdos. E como o organismo muda, quem viaja envelhece menos. Algumas horas numa nave podem significar anos na Terra, onde será futuro quando o viajante voltar. Mas para isso ele terá que ir muito longe, muito depressa.

O ônibus do tempo, na teoria

Se a hipotética máquina de viajar entre as eras pudesse ser construída, ela funcionaria da maneira que você vai ver nos quadros abaixo.

Eis a máquina imaginada pelo físico Kip Thorne. As esferas abaixo são as bocas de um wormhole com sua forma real. Olhando para dentro de uma delas se vê o que está na outra. O túnel ligando as bocas não pode ser desenhado em três dimensões. Assim, a figura roxa entre as esferas mostra o wormhole em duas dimensões.

1 – Túnel voador

A máquina do tempo seria feita com ajuda de um wormhole, que tem duas bocas ligadas por um túnel (figura roxa, em cima). No dia 5 de setembro de 1996, uma das bocas parte dentro de uma nave ultraveloz (cor verde, embaixo) rumo a uma estrela situada a 260 trilhões de quilômetros.

2 – A máquina está pronta

Na nave o tempo corre mais devagar do que na Terra (veja a página 49): na volta, pelo relógio da nave, a viagem durou só 12 horas, e nos calendários da Terra, 10 anos. Nesse momento, o wormhole vira máquina do tempo. Uma de suas bocas, a que viajou, está ainda em 1996, e a outra já está em 2006.

3 – Por dentro do buraco

Imagine que um homem, em 2006, vai até a boca de 1996 (em cima). Depois volta por dentro do funil. Assim ele retorna ao passado, para 1996 (embaixo). Atenção! A data na qual se sai depende da boca pela qual se entra: por isso o homem ao lado saiu em 1996. Mesmo que tenha saído pela boca de 2006.

4 – Degrau no tempo

Veja como a data de chegada depende da boca pela qual se entra. Quem vai para 1996, entra pela boca à direita (em cima). Quem vai para 2006 entra pela boca à esquerda (embaixo). Depois que o túnel vira máquina do tempo, os anos passam por igual nas bocas: após um ano, elas ligam 1997 a 2007 e por aí vai.

Um jeito de ver o invisível

Gravidade negativa é algo que ninguém nunca viu. Mas talvez ela exista nos estranhos objetos deduzidos da Teoria da Relatividade. Se existir, ela deve criar efeitos notáveis, pois pode repetir raios de luz, como se vê aqui. Assim um astro distante apareceria em duplicata nos telescópios da Terra.

1 – Buraco instantâneo

Os wormholes podem simplesmente “brotar” onde a energia se acumula em excesso num único ponto do espaço. Isso cria um túnel trilhões de vezes menor que um átomo, que some de imediato. À direita, veja como o túnel aparece e desaparece em seis rapidíssimas etapas.

2 – Espuma quântica

Em regiões infinitamente pequenas do espaço os wormholes proliferam. Eles dão ao espaço as formas mais malucas, conhecidas como espuma quântica. Veja ao lado. O problema é achar um meio de manipular esse processo para montar wormholes grandes e estáveis.

3 – Geometria louca

O túnel do wormhole não muda de comprimento se uma das suas bocas é levada para longe por uma nave. Não dá para desenhar porque o túnel, de algum modo, fica “dentro” do espaço comum (como numa quarta dimensão). Mas dá para ter uma idéia do que acontece. Acompanhe a explicação abaixo.

4 – Espaço flexível

É como se o espaço dobrasse enquanto a boca se afasta. É difícil imaginar, mas a matemática funciona: com isso o comprimento do túnel não muda. Olhando por fora dele se vê a boca da direita se afastar. Olhando por dentro, a boca da direita (agora “embaixo”) fica à mesma distância!

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