Por que é tão difícil matar uma mosca?
Não se sinta incompetente: a seleção natural forneceu à mosca um impressionante aparato de detecção e fuga, com que o sapiens é grande demais para lidar.
A convidada desta semana é Paula Raile Riccardi. Pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), estuda biodiversidade e evolução de moscas (Diptera), e é fundadora do canal de divulgação científica Inseto pra quê? (instagram: @insetopraque | facebook: /insetopraque).
As moscas passeiam pela nossa casa sem a menor pressa. Mas, quando tentamos alcançá-las, elas se esquivam com facilidade. Isso é possível porque, no tempo de um piscar os olhos – cerca de 100 milésimos de segundo –, o inseto é capaz de perceber uma ameaça, detectar a direção da qual ela vem e decolar na direção certa para se esquivar do golpe, batendo as asas 220 vezes por segundo. Essa agilidade toda é fruto de adaptações geradas por seleção natural após milhares de anos de tapas.
O primeiro passo é detectar a mão se aproximando. Uma mosca doméstica tem olhos compostos, formados por mais de 3 mil minúsculas estruturas chamadas omatídeos. Eles fornecem quase 360 graus de visão periférica. Além disso, ela possui uma grande quantidade de sensores espalhados pelo corpo que detectam perturbações na atmosfera circundante e na superfície em que está apoiada. Por fim, as moscas enxergam cerca de 250 frames por segundo (um ser humano fica em aproximadamente 24). Trata-se de uma resolução temporal altíssima – é como se o tempo passasse em câmera lenta para esses animaizinhos.
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Além de reconhecer rapidamente uma ameaça, as moscas também são voadoras ágeis. Os músculos que controlam as asas só precisam de um pontapé inicial do sistema nervoso – mas, uma vez postos em movimento, repetem as oscilações automaticamente, sem necessidade de um novo comando. É isso que permite que elas batam as asas tão rapidamente.
Outro fator que auxilia o tempo de reação das moscas é a presença de um par de estruturas peculiares no tórax chamadas de halteres ou balancins. Os halteres são, na verdade, asas super modificadas, cobertas por sensores que auxiliam na estabilidade durante o voo – o que permite à mosca executar manobras muito rápidas.
Os olhos minuciosos, as asas com musculatura potente e os halteres conferem à mosca reflexos com que o Homo sapiens, comparativamente tão grande e pesado, não pode concorrer. É como o imenso Thanos tentando acertar o frágil Homem-Formiga em um filme da Marvel: no tempo que o braço do vilão demora para ir, o herói já está voltando.
Este é o quinto post do blog Bzzzzz, em que pesquisadores membros do comitê científico da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (ABELHA) e outros cientistas colaboradores vão comentar a vida, os hábitos e a importância econômica de diversos insetos – além de nos atualizar sobre as mais recentes descobertas no campo desses pequenos artrópodes. Até a próxima!
Fontes: Holmqvist, M.H. & M.V. Srinivasan (1991) A visually evoked escape response of the housefly. Journal of Comparative Physiology A, 169:451-459; Yarger A.M., Jordan K.A., Smith A.J. & J.L. Fox (2021) Takeoff diversity in Diptera. Proceedings of the Royal Society B, 288: 20202375; Franceschini, N. (2014) Small Brains, Smart Machines: From Fly Vision to Robot Vision and Back Again. Proceedings of the IEEE, 102(5): 751-781. Vídeo How a Fly Flies, de Michael Dickinson no TED Talks.