Ricardo III e Leicester: a redenção de um rei maldito e o maior feito da história do futebol
Ricardo nasceu em 1452 como um nobre sem grandes expectativas de poder na Inglaterra, já que era o mais novo filho de Ricardo Plantageneta, o terceiro Duque de York. Mas mudanças repentinas no destino era com ele mesmo. A realidade mudou quando Ricardo tinha apenas três anos, já que sua família entrou em guerra contra […]
Ricardo nasceu em 1452 como um nobre sem grandes expectativas de poder na Inglaterra, já que era o mais novo filho de Ricardo Plantageneta, o terceiro Duque de York. Mas mudanças repentinas no destino era com ele mesmo. A realidade mudou quando Ricardo tinha apenas três anos, já que sua família entrou em guerra contra a casa de Lancaster pelo domínio do país. Os York tinham como brasão uma rosa branca. Os Lancaster, uma vermelha. A Guerra das Duas Rosas duraria toda a vida do pequeno Ricardo.
Aos oito anos, ele viu o pai, um tio e um irmão morrerem em batalha. Mas outro irmão, Eduardo, derrotou o rei Henrique VI e tomou a coroa para si. Eduardo virou o rei Eduardo IV e Ricardo, de repente, se tornou príncipe. Mas a guerra não tinha acabado. Henrique VI destronou o rival, só para perder o reino de novo no ano seguinte para Eduardo IV, que premiou o irmão caçula com terras e dinheiro. Ricardo ainda descolou uma esposa de família poderosa: Anne Neville, filha do Conde de Warwick.
Na década de 1480, Ricardo, agora um príncipe adulto poderoso, invadiu a Escócia e conquistou mais territórios. Isso não serviu para nada quando Eduardo IV morreu: o novo rei não seria ele, mas o primogênito do irmão, Eduardo V, de 12 anos. Até aí, normal, essa é a linha de sucessão. Ricardo se tornou, então, o Lorde Protetor, cargo que o deixou governando de fato a Inglaterra.
Não ia ter golpe.
Mas aí Ricardo colocou os sobrinhos pequenos (além de Eduardo V, seu irmão menor, herdeiro do trono) sob custódia na Torre de Londres. Eles não sairiam de lá vivos. Além disso, Ricardo executou Lorde Hastings, conselheiro de seu falecido irmão. Em 1483, Ricardo III se tornou o novo rei inglês.
Durou só dois anos. Em 22 de agosto de 1485, ele foi derrotado por Henrique Tudor, encerrando assim a guerra. O agora Henrique VII inaugurou a dinastia Tudor e foi sucedido pelo filho Henrique VIII, aquele que criou uma Igreja para si e colecionou esposas e hereges queimados na fogueira. Quanto a Ricardo III, ele foi o último monarca inglês a morrer no campo de batalha e entrou para a história como o mais controverso rei do país, um usurpador que matou os sobrinhos e se tornou um dos maiores vilões de Shakespeare.
Em 2012, arqueólogos da Universidade de Leicester encontraram a suposta ossada de Ricardo III, que havia sido enterrado sem muita pompa em uma igreja há tempos apagada da história e se tornado um estacionamento (aparentemente, tudo que é demolido em uma cidade se transforma em estacionamento). Os ossos tinham características que apontavam na direção do polêmico rei: um ferimento na cabeça e uma anormalidade na espinha — o Ricardo III de Shakespeare era um “sapo corcunda”, uma aberração deformada que fazia os cachorros latirem. Em 2013, exames de DNA confirmaram que se tratava dele mesmo. Shakespeare exagerou na descrição, mas de fato o Ricardo III real tinha um problema na coluna.
Nos últimos anos, historiadores têm debatido sobre o legado de Ricardo III. Se ele usurpou a coroa, ao menos conseguiu um cessar-fogo com os escoceses e relaxou a tensão com os Lancasters (se você sempre lê “Lannister” em vez de “Lancaster”, não é à toa. A Guerra das Duas Rosas é a principal inspiração histórica para a orgia sanguinária de Game of Thrones.
Enquanto a controvérsia acadêmica segue seu rumo, Leicester adotou o rei e o transformou em garoto-propaganda. Em 27 de março de 2015, seus restos mortais foram transferidos para a catedral da cidade, com honras militares e religiosas. Desde então, o número de turistas anuais em Leicester saltou de 30 mil para 230 mil. Foi um sopro de autoestima a uma cidade de 330 mil habitantes que não figura entre os principais destinos turísticos da Inglaterra.
Mais que isso. Foi um sopro de milagre ao acanhado time local. Até o funeral de Ricardo III, o Leicester City havia ganhado apenas quatro jogos em 29 rodadas. Era franco concorrente ao rebaixamento. Após aquele março de 2015, a equipe ganhou sete jogos, de nove disputados, escapando da queda.
O “rei do estacionamento que agora é o rei na catedral” fez muito mais na temporada seguinte. Em um campeonato multimilionário, que tem alguns dos times e muitos dos jogadores entre os melhores do mundo, o Leicester tinha o quarto elenco mais barato, na frente só das equipes que vieram da segunda divisão. Um conjunto de jogadores desacreditados, comandados por um técnico rejeitado. Era, mais uma vez, apontado como possível rebaixado.
Só que não. Em 2 de maio de 2016, ele conseguiu seu primeiro título nacional em mais de 130 anos de história. Isso em um campeonato longo, com 38 rodadas ao longo de nove meses, ou seja, sem a margem de surpresa dos jogos mata-mata, em que as zebras têm muito mais chances.
Por tudo isso, a imprensa esportiva já está considerando esse o maior feito da história dos clubes de futebol. Graças, é claro, à mãozinha do rei maldito, o “corcunda” que até outro dia estava esquecido debaixo de um estacionamento.
Parece que o jogo virou.