Geoparque Seridó, no RN, guarda registros da formação e quebra do supercontinente Gondwana
A riqueza geológica da região fez com que fosse criado um Geoparque que promove desenvolvimento sustentável. No seu interior, é possível observar marcas de atividade vulcânica recente.
Este é o décimo primeiro texto do blog Deriva Continental, escrito por Marcos Antonio Leite do Nascimento e Matheus Lisboa Nobre da Silva, com colaboração de U. Cordani e Guilherme Teles.
Seridó é o nome que se dá a uma região que divide os estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Há uma parte desse território, composta por seis municípios do Rio Grande do Norte, que interessa bastante os pesquisadores: é onde existem registros da formação do Supercontinente Gondwana, na era Neoproteozoica (entre 600 e 540 milhões de anos atrás). E mais: o lugar também guarda evidências da quebra do Gondwana, no período Cretáceo (entre 130 e 90 milhões de anos atrás), e de atividade vulcânica recente. Um prato cheio para os geólogos.
As rochas e paisagens do Seridó são resultado da união de várias placas tectônicas entre 600 e 540 milhões de anos atrás, para formar o supercontinente Gondwana. No período Carbonífero, há 300 milhões de anos, Gondwana juntou-se com outras placas continentais para formar o supercontinente Pangeia. Já no Cretáceo, entre 130 e 90 milhões de anos atrás, Gondwana se fragmentou, separando as placas tectônicas da América do Sul e África, formando o Oceano Atlântico Sul.
A história geológica da Província Borborema, que contém a região do Seridó, mostra evidentes correlações geológicas entre Brasil e África, dadas por faixas de dobramentos em regiões ao longo das quais placas tectônicas continentais colidiram, com bacias sedimentares deformadas, metamorfizadas e afetadas por magmatismo; e por lineamentos tectônicos, com grandes zonas de falhamentos relacionadas com o movimento de placas tectônicas.
No Seridó, por volta de 650 a 600 milhões de anos atrás, as placas que continham os Cratons do Oeste Africano e do São Francisco-Congo colidiram, fecharam um enorme oceano, formando a Faixa de dobramentos Farusiana ao longo do Lineamento Transbrasiliano-Kandi. Nesse local apareceram as primeiras montanhas na Terra com altitudes do tipo Himalayano.
Posteriormente, entre 540 e 500 milhões de anos atrás, a placa que continha a região da Borborema foi praticamente destruída por inúmeros falhamentos (Lineamento Transbrasiliano-Kandi dentre outros) assim como a enorme região Sahariana do Norte da África. Os lineamentos tectônicos foram acompanhados em muitos casos por afundamentos onde se formaram bacias sedimentares relativamente restritas, que foram afetadas por metamorfismo e intrudidas por rochas graníticas, tal como ocorre no Seridó e será descrito a seguir.
As rochas mais antigas encontradas no território do Seridó são agrupadas no Complexo Caicó. Ele é formado por rochas metamórficas, que se deformaram sob condições de alta pressão e temperatura.
A maior parte da diversidade geológica do Seridó foi gerada durante a formação do Gondwana, entre a Era Neoproterozoica e o período Cambriano (640 a 500 milhões de anos atrás).
Na parte mais antiga deste intervalo, os sedimentos continentais e marinhos que se acumularam foram deformados e metamorfizados. Hoje eles cobrem cerca de 70% do território. O Grupo Seridó está dividido nas formações Jucurutu (paragnaisses, rochas calcissilicáticas e mármores), Equador (quartzitos e metaconglomerados) e Seridó (xistos).
Tem mais: as rochas graníticas formadas no fim da Era neoproterozoica (entre de 580 e 540 milhões de anos) modelam os principais contornos das paisagens no território. Isso gera os inselbergs, que são feições formadas por rochas mais resistentes ao intemperismo e erosão. Já no Cambriano (entre 515 e 510 milhões de anos), houve a formação dos pegmatitos, rochas de origem ígnea que são muito comuns no nordeste brasileiro.
Registros da fragmentação do Gondwana no Cretáceo são encontrados no Seridó na forma de diques descontínuos de diabásio, ocorrendo na porção centro-norte do geoparque, de direção E-W, dimensões variadas e com idades de cerca de 130 milhões de anos.
O território ainda apresenta registros de um evento raro no Brasil: uma expulsão de magma basáltico que ocorreu há 25 milhões de anos, no evento conhecido como Vulcanismo Macau. Os basaltos produzidos neste evento apresentam estruturas típicas de resfriamento magmático e até nódulos de peridotito, que é uma rocha formada no manto terrestre.
As serras que possuem o topo plano (chamadas chapadas ou platôs) estão cobertas por rochas sedimentares formadas no Período Quaternário (de 1,6 milhões de anos atrás em diante). Em outras palavras, há pelo menos 600 milhões de anos de história em uma única região.
O Geoparque Seridó
Não à toa, os pesquisadores Marcos Nascimento, da UFRN, e Rogério Ferreira, do Serviço Geológico do Brasil, propuseram que fosse criado um geoparque na área – ou seja, um território com patrimônio geológico notável e que insere a comunidade em atividades que envolvam a conservação da natureza, em especial da geodiversidade. A proposta, iniciada em 2010, foi abraçada por artesãos, guias/condutores de turismo, agricultores, professores, jornalistas, empresários, gestores e população em geral.
A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) criou, em 2015, o Programa Internacional de Geociências e Geoparques, atribuindo o título de Geoparques Mundiais da UNESCO a esses territórios. No Brasil, até o momento, apenas o Geoparque Araripe, no Cariri cearense, faz parte deste programa.
A proposta é que o Geoparque Seridó faça parte do programa. Seu território está no centro-sul do Estado do Rio Grande do Norte, no semiárido potiguar, e envolve os municípios de Acari, Carnaúba dos Dantas, Cerro Corá, Currais Novos, Lagoa Nova e Parelhas, com uma área de 2.802 km2, população de cerca de 112.00 habitantes.
O geoparque também é de interesse cultural. A mineração e arqueologia do local recontam a história humana e do seridoense no sertão potiguar.
A mineração na área do Geoparque atingiu seu auge na segunda metade do século 20, por meio da exploração da scheelita (tungstato de cálcio, CaWO4), principalmente pela Mina Brejuí, a maior deste minério na América do Sul. A scheelita é usada em equipamentos de raios-x, fabricação das pontas de canetas esferográficas, motores de foguetes, turbinas de aviões, revestimentos de mísseis, e até projeteis, canhões e metralhadoras.
O Seridó é composto por um bioma exclusivamente brasileiro: a Caatinga. Na área do geoparque há registros paleontológicos da megafauna pleistocênica da região, composta por preguiça e tatu gigantes, tigre dente de sabre, entre outros animais que viveram há dez mil anos.
Na região também existem registros de povos antigos, que deixaram sua presença marcada nas rochas do Seridó por meio de pinturas e gravuras, mostrando que a relação dos povos locais com a natureza data de milhares de anos atrás.
O Geoparque Seridó vem se consolidando nos últimos anos como uma forma de gestão integrada e sustentável de um importante território no Brasil. A relação das comunidades locais com o ambiente, muito representada nas expressões culturais da região, demonstra o reconhecimento e a valorização dada à natureza pelo povo. O território demonstra como a geologia pode colaborar com o desenvolvimento sustentável de uma região. Atualmente, a região é candidata ao título de Geoparque Mundial da UNESCO, tendo sido já endossado pelo Conselho de Geoparques Mundiais.