As nuvens viajam? Pode uma nuvem estar no Brasil e depois na Índia?
As felpudas percorrem milhares de quilômetros. Mas mudar do hemisfério norte para o sul é outra história.
Sim, elas viajam. Uma nuvem formada no Brasil pode flutuar até a Austrália. Chegar à Índia, porém, é complicado. Não pela distância, mas pela dinâmica da atmosfera terrestre: nuvens que se formam no hemisfério sul tendem a permanecer abaixo do Equador, enquanto as felpudas oriundas do hemisfério norte ficam no norte.
Esse fenômeno é um oferecimento das correntes de jato – jet streams, em inglês –, ventos fortes que ocorrem a mais de 10 km de altitude e podem ultrapassar os 300 km/h. As jet streams dão voltas ao redor do planeta ao sul do paralelo 30º S, uma linha que corta o Rio Grande do Sul, a África do Sul e a Austrália. Como a Terra é uma bola, o que acontece do lado de cá do mapa acontece espelhado do lado de lá: as correntes também ocorrem ao norte do paralelo 30º N, do outro lado do Equador, uma linha imaginária que cruza o México, o Saara e a China.
Uma nuvem que se forma na altitude correta pode pegar carona nesses ventos e completar uma volta no planeta no sentido oeste-leste – as jet streams fluem sempre para o leste –, mas é virtualmente impossível navegar pelos ares no eixo norte-sul se você não tiver propulsão própria, como um avião ou ave.
As correntes de jato são um oferecimento de um fenômeno chamado convecção. Vamos explicá-lo em cima do mapa do Brasil, para facilitar o aspecto geográfico da coisa.
Começando pelo mais básico: a Amazônia é o bioma do país onde a luz solar é mais intensa, porque ela fica bem na linha do Equador. E o Sol aquece o ar próximo ao chão (que o digam os moradores de Belém, que encaram 30 ºC o ano todo).
Ar quente é mais leve e sobe. Conforme ele sobe – até uns 18 km de altitude, mais ou menos –, fica um espaço vazio, que vai sendo ocupado por ar mais frio oriundo do Sul. Isso gera um movimento circular, em que a Amazônia sempre joga ar para quente para cima enquanto puxa para si o ar de regiões mais frias.
Lá na altura do Rio Grande do Sul, acontece o contrário: o ar que vem da Amazônia, que já teve tempo de esfriar nas camadas mais altas da atmosfera, vai ficando mais pesado e desce. Conforme desce, esse ar vai ocupando um espaço mais próximo do chão – justo o espaço onde estava o ar que fluiu rumo ao norte, em direção à Amazônia.
É um ciclo, em que a Amazônia esquenta o ar e manda para o Sul, enquanto o Sul esfria o ar e manda para a Amazônia. O nome desse ciclo é célula de Hadley. E note que a extremidade sul dessa célula está justamente na altura do paralelo 30º S, mais ou menos em Porto Alegre. Do paralelo 30º até o paralelo 60º – uma faixa que corresponde, grosso modo, ao território argentino – existe outra célula de convecção, a célula de Ferrel. E ela gira no sentido oposto. As células de Hadley e Ferrel são como duas engrenagens de vento gigantescas, rodando em sentidos opostos e encaixadas na altura do paralelo 30º S. É no encontro entre as duas que a coisa fica turbulenta e se formam as correntes de jato.
Eis a grande esteira de vento em que as nuvens podem surfar – como as tartarugas do filme Procurando Nemo, que se aproveitam de correntes submarinas no Oceano Pacífico.
Fonte: Henrique Repinaldo, meteorologista, CPPMet da UFPel.
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