Como nasce uma revista
Na estreia do blog Por Trás da Página, descubra como foi feito o design da edição de outubro da Super – especial por uma série de motivos.
Costumo dizer que existem meses que a gente faz matérias e meses que fazemos xodós. Essa edição, que acaba de sair nas bancas, já nasce como uma das minhas favoritas. E vou te contar o porquê de tanto alvoroço.
Vamos por partes.
Nham, nham, papel novo
Designer é um bicho engraçado. Se importa e gosta de coisa que ninguém mais liga. Pois quero compartilhar com você, caro leitor, a minha explosiva alegria em atualizar o papel da revista para o mais novo Ivory Bulk, de incríveis e deliciosas 58 gramas. Vou traduzir do designês: ele torna a experiência de leitura muito melhor. O fosco evita reflexo, e a gramatura encorpada e textura mais proeminente permitem que a tinta assente melhor na página.
O resultado disso tudo é um aumento drástico na resolução dos elementos impressos e na legibilidade dos textos, além de deixar a sensação de passar as páginas e segurar a revista muito mais agradável. Em uma era de abundância digital, qualquer arrojo sensorial que possa melhorar sua experiência é um ganho inestimável para mim (e toda a equipe da Super).
Pausa no vermelho
Mudar a cor da faixa vermelha da Super é como o pavê de Natal da sua mãe: não é todo dia que acontece. Então, quando mexemos nela, é sempre um evento canônico na redação.
A decisão de torná-la verde veio pela primeira vez em 2007, em uma edição especial dedicada ao clima. Desde então, publicamos outras cinco capas verdes, uma por ano, até 2012. Nunca deixamos de falar sobre o assunto, mas com a COP30 se aproximando e as atualizações sobre a crise climáticas mundo afora, era mais do que hora de retomar esse recurso e dedicar a matéria de capa com um conteúdo extenso (e extremamente necessário) sobre o tema.
A capa em miniatura
Com a faixa decidida, iniciei o processo de pensar na imagem da capa. Gostaria de dizer que há um método muito bem definido para conseguir inspiração para essa tarefa, mas a verdade é que, todo mês, ela vem de uma forma diferente.
Dessa vez, especificamente, me lembrei do meu primeiro mês de trabalho. Era estagiária e a diretora de arte na época me contou sobre o desafio de criar imagens diferentes para temas que abordamos com frequência (coisa corriqueira no universo de revistas). Pude atestar isso nos 7 anos seguintes.
A lembrança veio à mente por causa, claro, do tema “clima”. Como falar sobre isso sem recorrer a clichês?
A saída foi focar no cerne do assunto da reportagem – cuja proposta queria fugir um pouco da cobertura diária. O texto fala sobre por que tantos acordos internacionais acontecem há décadas sem que a gente veja e sinta na prática as mudanças necessárias para que as emissões de carbono diminuam.
E aí estava a sacada.
Impactados por uma referência icônica e irreverente, lembramos na reunião de pauta daquela ilustração fofa e ao mesmo tempo ácida do cachorro que diz this is fine (está tudo certo), enquanto o lugar em que ele está pega fogo. Então decidi que o elemento central da capa seriam dois homens de terno fechando um acordo apertando as mãos e que o segredo (ou graça) estaria no fundo da imagem, com coisas ruins acontecendo, sem que eles se importassem. Como naqueles dias que temos que fingir que está tudo bem (enquanto visivelmente não está). Quem nunca?
Tive a ideia de criar uma releitura da capa da banda Pink Floyd no álbum Wish You Were Here como saída com o pequeno ajuste de que ambos os homens estariam com fogo ateado, mas descartei ela logo na sequência, uma vez que usei fogo recentemente na capa da penúltima edição da Super (ed. 478). O assunto? Burnout (“to burn” é, literalmente, “queimar”). Não ia rolar.
Então me lembrei de uma saída para criar essa sensação de coisas que dão errado, e que já havia usado em trabalhos anteriores: um barco afundando. Desta vez, com um elemento a mais: um furo no casco com um jato de água bem cartunesco. Referências de quem foi uma criança nos anos 1990 e via muito Titanic (com a orquestra tocando em pleno naufrágio) e desenho animado (valeu, Pica Pau).
Decidi que, ao contrário dos outros meses em que produzo os objetos e os fotografo (ou contrato um grande parceiro e ilustrador 3D, o Felipe Del Rio), queria fazer essa capa com miniaturas. Aqui vou encurtar parte desse processo porque tive meu WhatsApp inundado por mensagens de muitos miniaturistas de todo esse Brasilzão até chegar à indicação do exímio Bruno Ricci.
Expliquei a ideia pro Bruno, ele topou e entrou nesse barco comigo (rs). Daí pra frente, tomamos decisões sobre as cores, posicionamento e acabamentos enquanto o Bruno colocava a mão na massa. Primeiro com um modelo 3D que refinamos até a impressão, pintura, lixa e detalhes finais. Essas são etapas que o Bruno sabe contar muito melhor do que eu! Vale ir ao instagram dele @_riccibruno para ver tudo isso acontecendo em outros projetos.
Depois partimos para a fotografia (que também é crédito do Bruno) e, com um pouco de direção de arte para ajustes de iluminação, chegamos à imagem final.
E como se não bastasse, esse mês contou com mais um diferencial (sim, parece até Natal já): ilustrações feitas e impressas em xilogravura, com o adendo de quem as criou foi o Lucas Bezerra (@lucasbezerr.art) dirigido por mim. A matéria tem o design icônico assinado pela nossa estagiária Rafaela Reis e conta sobre a extinção dos jumentos brasileiros, graças a um remédio da medicina tradicional chinesa que não tem comprovação científica e usa a pele do animal como matéria-prima.
A xilogravura é uma técnica artística que consiste em entalhar um desenho em madeira e depois usá-la como um “carimbo” para gravar a imagem. Ela surgiu na China no século 5 d.C. e no Brasil é muito associada à literatura de cordel do Nordeste (e por isso escolhemos ela para ilustrar a matéria).
O resultado você pode ver nas bancas, ou aqui, ou no GoRead (que agora tem todas as edições verdes da Super. Valeu, Acervo Abril!) e se deleitar com a gente sobre todas essas surpresas legais que temos trazido para você.
Sobre o Por Trás da Página
O blog é novo – mas a ideia, nem tanto. Anos atrás, houve uma breve tradição no site da Super dos criadores das capas descreverem o seu processo criativo, do rascunho à versão final.
Estou aqui para retomar esses relatos. Não sozinha, claro: junto com a minha equipe de designers maiorais, a ideia é registrar coisas legais que aconteceram no mês relacionadas ao design da revista e que valem ser compartilhadas.
Não escrevo como a exímia equipe de texto da revista, mas espero que tenham gostado do meu lero lero (já que disso, eu entendo bem). Em breve, eu ou alguma outra designer da Super voltaremos para compartilhar mais lero lero interessante.
Ah, e uma última coisa: já que me colocaram para escrever, chamei o nosso editor-chefe, Rafael Battaglia, pra ilustrar essa capa pra gente aqui. Acho que ele leva jeito pra entrar no time de design, né? Vou pedir o currículo.
Um grande abraço,
Krauss
O mercado da ignorância
A química por trás do café mais caro do mundo, feito a partir de cocô de mamífero
Duas doenças fizeram o exército de Napoleão recuar da Rússia em 1812, revela estudo
Cometa mais brilhante do ano poderá ser visto a olho nu no Brasil; saiba quando
O que é a “zona das múmias”, que guarda fósseis de dinossauros muito bem preservados

