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A curiosa conexão entre a música árabe e o heavy metal

A CIA já usou heavy metal para torturar prisioneiros árabes. Mas sem a música islâmica, o heavy metal nem existiria.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 abr 2018, 19h02 - Publicado em 6 abr 2018, 19h01

Quando o califa árabe Umayyad invadiu o atual território de Espanha e Portugal, em 722 d.C., um instrumento curioso veio nas costas dos soldados muçulmanos: o oud. Ele tinha cordas, como as harpas e cítaras de origem grega, velhas conhecidas dos ibéricos. Mas embaixo delas havia uma novidade: um longo braço de madeira, repleto de marcações. Pressionando as cordas nessa superfície, era possível alterar as notas produzidas pelo instrumento – um grau de sofisticação que até então nada na Europa permitia.

“Al oud” em árabe logo deu em “alaúde”, o instrumento com formato de gota d’água que é avô do violão que você provavelmente tem enfiado em algum canto da sua casa. Também deu, por outra vertente evolutiva, nas violas caipiras brasileiras. (É provável que, ainda na época de Roma, povos cristãos europeus tenham entrado em contato com instrumentos que usavam a combinação entre braço e caixa de ressonância. Afinal, eles já existiam na Mesopotâmia e no Egito dos faraós. Mas a ideia só pegou, mesmo, com a ocupação islâmica.)

No recém-fundado Portugal, a viola de mão até penetrou na corte, mas era, em essência, um instrumento do povo, das ruas e dos soldados. Um relato (com certeza exagerado) de 1582 afirma que, após a famosa batalha de Alcácer-Quibir, os soldados lusitanos mortos deixaram para trás dez mil fiéis violas que os acompanhavam. O resto é história: violões espanhóis e violas portuguesas chegaram nas Américas aos montes e se tornaram os principais instrumentos de quem não tinha educação formal. No Brasil, nas mãos de bandeirantes e índios, deram origem à música caipira. Nos EUA, passaram a acompanhar o blues.

Sem violão nem blues não existiria a guitarra elétrica como a conhecemos, e sem guitarra elétrica, não existiria heavy metal. Mas se a conexão ficou distante ou forçada demais para o seu paladar, não se preocupe: essa é só a superfície.

É o seguinte: de maneira simplificada, a música clássica ocidental – tipo Beethoven e Mozart  se baseia em acordes: conjuntos de três ou mais notas que servem de alicerce para as composições. Cada um deles tem uma função sonora. Um dá sensação de repouso, outro de tensão, alguns soam mais confortáveis, outros são dissonantes, e por aí vai. A maior parte da música pop vai na mesma linha (inclusive, a frequência com que as mesmas sequências de acordes aparecem em músicas diferente é motivo de piada).

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Já a música árabe pende muito mais para algo chamado “modalismo”. É comum que os músicos façam improvisos longos e muito elaborados, repletos de notas, em cima de uma base constante, de uma nota só. Sem mudanças de acorde. A tônica permanece como um fundo imóvel sob a dança das melodias (as palavras dessa última frase não são minhas, são de José Miguel Wisnik, que tem um livro sobre nerdices musicais maravilhoso intitulado O Som e o Sentido).

Ou seja: da próxima vez que você ouvir os solos de músicas como Whiplash, do primeiro disco do Metallica, ou Raining Blood, do Slayer, lembre-se: eles são versões distorcidas e pesadas de um jeito de fazer música cheio de heranças orientais. Uma guitarra, no fundo, toca uma nota só em um ritmo constante. A outra, em destaque, fornece uma parede de notas que contrastam com esse fundo fixo. É claro que aqui e ali aparecem acordes usados à maneira clássica. Mas na média, a modalidade predomina.

Ironia mesmo é que uma das técnicas de tortura psicológica comprovadamente aplicadas pela inteligência americana contra prisioneiros árabes (e de outras nacionalidades) é justamente deixar heavy metal tocando no último volume em uma sala fechada p0r dias a fio. A cultura dá voltas, e elas nem sempre acabam bem.

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