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Barbra Streisand clonou seu cão – o que é meio errado e completamente sem sentido

Clonar pets, além de causar sofrimento a animais que já estão vivos, não adianta nada: genes iguais não garantem personalidades iguais.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h40 - Publicado em 6 mar 2018, 19h34

Eu reconheço um episódio de Black Mirror quando vejo um. Por isso tomei um susto desgraçado quando li, na última sexta, que a cantora Barbra Streisand havia encomendado um clone de seu cachorro morto por 50 mil dólares. Dei um belo beliscão no braço para ver se eu estava mesmo no escritório, e não no sofá de casa, assistindo à quinta temporada numa pré-estreia exclusivíssima. Depois, dei um rolê rápido no Twitter e descobri que quase todo mundo achou a ideia ótima. Fofa.

Antes de começar o textão, uma ressalva básica: eu, infelizmente, nunca saí na rua para lutar pelos direitos dos animais. E, apesar de achar o vegetarianismo uma ótima ideia – não só do ponto de vista ideológico como do científico também –, me falta força de vontade para segui-lo. Não vou tentar arranjar desculpas para essa preguiça. Eu concordo plenamente que pessoas vão longe demais nessa história de confundir animais com objetos inanimados. E é esse ponto de vista que vou defender aqui.

Para começo de conversa, produzir clones usando o método da ovelha Dolly só é simples na teoria. Vamos revisar: você pega o núcleo de uma célula, que contém o DNA do animal que será copiado, e o insere no óvulo de uma fêmea qualquer. Depois, pega esse óvulo e o implanta no útero de uma segunda fêmea, que levará a gestação adiante.

A chance de o processo descrito acima dar errado é muito grande. Quando Dolly foi clonada, foi a única que vingou entre 29 embriões, implantados em 13 úteros. Snuppy, o primeiro cachorro clonado da história, é o único sobrevivente entre outras 94 potenciais cópias, que não sobreviveram à gestação. É óbvio que, duas décadas depois, a técnica já é bem mais eficiente. Em 2014, a China já estava clonando porcos para fins industriais com taxas de sucesso entre 70% e 80%. Mas ainda há uma margem de erro razoável aí, que precisa ser compensada por meio da criação de mais de um óvulo e da inseminação de mais de uma fêmea.

Em outras palavras, empresas como a que Streisand contratou para xerocar seu pet se aproveitam de cadelas anônimas, que fornecem úteros e óvulos (cuja extração envolve estimulação hormonal e intervenção cirúrgica). Há uma entrevista detalhada sobre isso na Scientific American, e esta reportagem relata a rotina de uma empresa sul coreana especializada no ramo. É no mínimo sacanagem usar e abusar de dezenas de Canis lupus familiaris para gerar um único exemplar de um animal da mesma espécie, só por causa de sua aparência física. A única diferença entre o coton du tulear de Streisand e o vira lata do boteco é que um nasceu em berço de ouro, com pedigree, e o outro na esquina. Cachorro para adotar é o que não falta nesse mundo.

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Mas o absurdo não para por aí. A própria Streisand admitiu que clones costumam não ter nada a ver com a matriz. Eu digo isso com a propriedade: minha avó materna, Aurélia, é um clone. No caso, um clone de Pasquina, sua irmã gêmea. O mundo está povoado desses clones naturais, você também deve conhecer um par. Se conhece, sabe que eles são muito diferentes no que mais importa: a personalidade.

Por isso, clonar um cachorro que já morreu, além de um transtorno para outros cachorros que não tem nada a ver com a história, é um desrespeito a sua memória. A personalidade de um mascote é moldada por suas primeiras semanas de vida tanto quanto é por seus genes. Seu cachorro é resultado das experiências que viveu com você, e não só da herança que carrega no núcleo de suas células. Ao considerar cloná-lo, você está, de certa forma, colocando aparência acima da amizade. Não é assim que funciona. As pessoas que nós amamos morrem, os animais também, e ainda que eles sejam complexos em diferentes graus, nenhum dos dois pode ser substituído.

 

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