Girafas são gays? A briga que dividiu o Partido Trabalhista britânico
Ninguém sabe se girafas macho fazem sexo entre si por prazer ou para demonstrar poder. Mas políticos de alto escalão têm opiniões fortes sobre o assunto.
O Partido Trabalhista (Labour Party) britânico está mergulhado em uma crise interna: seus afiliados não conseguem decidir se girafas macho podem ser naturalmente gays ou não.
Tudo começou quando Dawn Butler, secretária do gabinete para direitos das mulheres e igualdade, pronunciou um discurso em que defendia a inclusão de estudos de gênero no currículo das escolas da Grã-Bretanha (as aulas envolvem explicar aos pré-adolescentes, por exemplo, que o sexo biológico de alguém pode não corresponder ao gênero com que a pessoa se identifica na prática).
Muitos conservadores são contrários a aulas desse tipo com medo de que elas ensinem as crianças a serem gays ou lésbicas. Por isso, Butler explicou que é impossível ensinar uma criança a ser gay ou lésbica – elas já nascem assim, e não é a escola que fará a cabeça delas (do mesmo jeito que ter uma aula sobre Einstein não faz com que a turma resolva se pós-graduar em Relatividade Geral).
Aqui entram as girafas. Ela disse: “Eles falam que isso ensinará as pessoas a serem gays… Então me fala uma coisa: se você pode ensinar alguém a ser gay, quem ensinou a girafa? 90% das girafas são gays. Quem diabos fala girafês?”
Foi aí que Lachlan Stuart, da equipe do líder trabalhista Jeremy Corbin, retrucou com o humor exaltado: “É uma ofensa risível e homofóbica.” Ele explicou que o contato físico entre girafas macho na natureza (eles montam uns nos outros com frequência) é uma demonstração de dominância na disputa por fêmeas e território. E que os pescoços são entrelaçados para brigar – e não acariciar.
Quem está certo? De fato, na lista de mamíferos que apresentam comportamento homossexual da Wikipedia, as girafas são a primeira foto exibida. Parece ser consenso entre biólogos que girafas macho penetram o ânus umas das outras com mais frequência do que fazem sexo com fêmeas.
Vamos detalhar. No livro Humanimal: como o Homo sapiens se tornou o animal mais paradoxal da natureza – sem tradução no Brasil –, o biólogo Adam Rutherford explica que as girafas são adeptas do clube do Bolinha: os machos costumam andar juntos em um canto, as fêmeas vão para outro canto e mantêm uma distância segura.
Dentro do grupo dos machos, o esfrega-esfrega rola solto. 3,2 mil horas de observação ao longo de três anos em parques nacionais da Tanzânia contabilizaram 16 machos montando outros machos. Em nove casos os pênis estavam eretos e houve penetração (ou ao menos uma tentativa). Não havia evidências de que a prática estivesse associada a determinação de hierarquias dentro do grupo. Por outro lado, verificou-se um macho montando uma fêmea uma única vez. É daí que sai a estatística: 16 interações homo para cada interação interação hétero dá 94%.
É óbvio que uma girafa que monta outro macho em um dia poderá montar uma fêmea amanhã, de maneira que é incorreto afirmar que 94% das girafas são exclusivamente gays. O mais provável é que quase todas as girafas exibam os dois comportamentos de tempos em tempos.
No período de três anos, embora só uma ocorrência de sexo hétero tenha sido verificada, nasceram 22 bebês-girafa naquela população da Tanzânia – um output decente para um animal tão grande, cujas fêmeas têm gestações longas e ficam férteis apenas alguns dias do ano. Isso é sinal de que pelo menos 22 transas macho-fêmea aconteceram. É improvável que todas elas tenham sido obra de 6% dos machos.
De qualquer forma, dado que a penetração entre machos é um fato verificado, resta entender a motivação por trás dela. Ao The Guardian, Stephanie Fennessy, diretora da Fundação de Conservação das Girafas da Namíbia, disse que as girafas definitivamente não sentem prazer com a prática: “Às vezes eles montam umas nas outras de mentira, o que é comportamento de dominância. Cães também fazem isso. E quando elas estão usando os pescoços, claramente é uma luta. É feio. Elas podem se matar.”
Por outro lado, Natalie Cooper, do Museu de História Natural de Londres, afirma que nem sempre o contato físico entre machos é abertamente violento, e que lambidas claramente amigáveis já foram verificadas – mas que simplesmente não há pesquisas suficientes para determinar quais são as várias funções do sexo homossexual entre girafas. No fim das contas, o mais correto é dizer que elas são bissexuais. E nem um pouco românticas: os pescoçudos não formam casais de longo prazo, e os machos não participam da criação dos filhotes.