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11. Mulher sinestésica

Para Patricia Müller, a palavra lobo tem gosto de mingau e o número 3 pode se parecer até com você

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Fêcris Vasconcellos

Superpoder – Sinestesia

Utilidade – Memorizar mais facilmente informações por meio de associação de mais de um sentido ao mesmo estímulo.

Frequência – 4% da população

Patricia Müller tem um sexto sentido. Mas diferentemente do garotinho do filme de suspense homônimo de M. Night Shyamalan, essa mulher não vê gente morta. Voltada para algo menos macabro e consideravelmente mais últil, como veremos a seguir, a sinestesia é uma característica genética herdada dos pais que faz com que um ser humano experimente mais de uma sensação com base no mesmo estímulo. Palavras, números, sons e vozes ganham cores, cheiros, sabores e até personalidades. Parece obra de ficção, mas é apenas fruto de um cérebro um pouquinho diferente.

“Ao ouvir a palavra `lobo¿, sinto um gosto específico como se fosse um mingau, um leite”, afirma a administradora paulista residente nos Estados Unidos. E a brasileira não está sozinha. Segundo o pesquisador de Oxford, estima-se que cerca de 4% da população mundial tenha sido agraciada com o mesmo dom. Se você não está vendo vantagem, pense de novo. Patricia conseguiu até passar de ano na escola graças ao superpoder. Imagine aquela fórmula de física cabeluda. E se fosse possível criar um mecanismo de associação para lembrar dela na hora da prova, uma música, um cheiro ou uma cor? É isso que acontece naturalmente com os sinestésicos. São associações feitas o tempo inteiro. Um número fica colorido, uma palavra tem aroma. E é por isso que eles têm capacidade maior de gravar as coisas na memória. “Quando conheço uma pessoa, o nome dela geralmente vem associado a um cheiro ou a um sabor. Então, sabendo que cheiro ou sabor são esses que têm o nome da pessoa, fica mais fácil lembrar”, afirma Patricia.

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Ela descreve essa sensação como mais suave que a de estar experimentando o alimento correspondente – ou seja, não chega a ser uma forma de comer brigadeiro sem engordar. “Quando alguém fala, instantaneamente sinto um cheiro ou um gosto. Não é tão intenso como se, por exemplo, estivesse cozinhando e sentindo o cheiro da comida. Mas fisicamente tenho a resposta da sensação de cheiro quando eu ouço certas palavras”, diz. Dos três idiomas que Patricia fala, o que mais apresenta sons estimulantes para seu sexto sentido é o inglês, mas o que dizem os pesquisadores é que o fato de ser um ou outro fonema a despertar o paladar de Patricia é totalmente aleatório – ou seja, fazer essas associações no idioma bretão não foi uma escolha.

E isso não é só alguém fazendo propaganda da própria genética. O neurocientista da Universidade de Oxford Devin Blair Terhune afirma que há diversos estudos que corroboram a explicação de Patricia. De fato, pessoas com sinestesia têm memória superior às que não apresentam essa mutação. O mal do superpoder é que algumas vezes essa “visão além do alcance” pode confundir quem não estiver familiarizado com ele.

Há vários tipos de manifestação da sinestesia. Segundo os pesquisadores, há fortes indícios de que o grau e o tipo de manifestação da condição vão depender do ambiente no qual o indivíduo é criado. Daí é um mar de possibilidades. Um sinestésico pode associar cores e números, sons e imagens, sabores e sensações térmicas e por aí vai. Não há ainda definição exata de como e onde essa mistura se origina, se são fenômenos discretamente diferentes ou variações de um fenômeno similar que ocorre em um mecanismo central ou em uma série deles. Ou seja, a comunidade científica ainda não encontrou o caminho das pedras desse superpoder, mas suas consequências são amplamente conhecidas e diferentes para cada indivíduo afetado. Se um cidadão enxerga o número 2 azul, o outro pode enxergar verde. Se para Patricia a palavra lobo tem gosto de mingau, ou o idioma em inglês tem mais palavras que a provocam múltiplos estímulos. Quando esses sons são ouvidos por outro sinestésico, eles podem provocar gosto de frutas, ou cheiro de flores, ou bolhas flutuantes azuis na visão. Pessoas diferentes, reações diferentes.

A única grande disparidade física entre o cérebro de Patricia e o de um humano de genética ordinária é, como explica o neurocientista, a densidade de massa cinzenta e branca em áreas ligadas a cada um dos tipos de sinestesia. Por exemplo: um cidadão que associe um som a uma imagem terá maior ou menor densidade de massa cinzenta e branca nas regiões ligadas ao processamento da audição e da visão. Como não poderia deixar de ser, ainda é um mistério se essa diferenciação é causa ou consequência da sinestesia.

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Fora a memória abastada e o sexto sentido, esses cerca de 280 milhões de terráqueos vão levando uma vida normal. Exceto, claro, pelas pequenas (ou grandes, dependendo do caso) interferências entre as sensações. Acontece que, no caso dos sinestésicos, eles não podem escolher se querem ou não receber essa frequência. Patricia estava um dia tomando um delicioso sorvete de sobremesa após a refeição quando alguém falou uma palavra aleatória e, pronto, por alguns momentos aquela sobremesa ficou salgada. Em mais alguns segundos, tudo voltou ao normal.

Ninguém me entende

Se a vida de Patricia fosse contada nas páginas de uma HQ, ela estaria mais próxima de um personagem cujas grandes façanhas nem sempre são bem recebidas, como Peter Parker, em vez de um herói bom moço e instantaneamente celebrado como Clark Kent. Isso porque, apesar de não causar nenhuma diferença prática no seu dia a dia, é muito difícil fazer alguém entender como funciona esse superpoder. “A pessoa não consegue ter uma relação com aquilo que você percebe. O interlocutor entende intelectualmente o que você está falando, mas não consegue perceber da mesma forma”, afirma.

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Por isso, o caminho entre se descobrir sinestésica e entender que isso não era comum a todo mundo foi tortuoso. Imagine ser a amiga de Patricia que a ouviu dizer, ainda na escola: “Nossa, você não acha que o número três tem a cara daquela pessoa?” Esse foi o tipo de comentário que ela teve que – como uma identidade secreta – aprender a guardar para si.

Sinestesia não é uma doença, já que não afeta a saúde física ou social de um indivíduo. Motivo principal pelo qual Patricia afirma que, mesmo que a ela fosse dada a opção de não ter sinestesia, ela jamais renegaria o poder. Patricia acredita que todos os colegas de mutação gostam de ser assim: “É uma percepção única, é prazeroso, é como ver uma paisagem, uma coisa bonita, comer uma coisa e sentir um sabor agradável ou um aroma gostoso.” Em resumo, um verdadeiro império dos sentidos.

Visão além do alcance
Há 100 tipos de sinestesia documentados, entre eles

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Grafema-cor

Enxerga cores em letras, números ou palavras. Um exemplo: vê o número 4 sempre na cor verde, independentemente da tinta que o escreveu, ou ler um livro e algumas palavras nele estarem coloridas.

Espelho-toque

Se alguém é tocado em frente a esse sinestésico, ele também sente, como se estivesse no corpo da pessoa, ou seja, se estiver conversando com uma pessoa e alguém a cutuca, ou belisca, ele vai sentir o toque – e o beliscão – também.

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Som-cor

Quando o sinestésico ouve um som, ele vê uma cor. Exemplo: a pessoa ouve o som de um trem chegando e começa a enxergar formas amarelas.

Estilo de natação-cor

Sim, é isso mesmo. Uma pesquisa feita no Instituto do Cérebro de Frankfurt, na Alemanha, encontrou dois nadadores profissionais que relacionavam cores com estilos de natação. Por exemplo: se mostrassem uma foto de alguém nadando estilo borboleta, o sinestésico enxergaria a cena, digamos, azul.

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