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A idade do lítio

No século 20, ele foi um item discreto em produtos que definiram uma época: antidepressivos, celulares, refrigerantes, carros e bombas atômicas. Mas, nas baterias de smartphones e motores elétricos, o mercado do lítio deve quadruplicar em 10 anos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 11 Maio 2014, 22h00

Igor Natusch

Quando os carros começaram a circular, na aurora do século 20, motores a vapor, gasolina e eletricidade conviviam nas metrópoles. O petróleo ainda não havia vencido a corrida para impulsionar os veículos por um motivo: para ligar o carro, o motorista precisava girar uma manivela enjoada, que frequentemente quebrava o braço do operador. Fora isso, os carros impulsionados por diesel e gasolina eram barulhentos e soltavam fumaça. Já os automóveis elétricos eram silenciosos e limpos. Mas as baterias duravam pouco e eram muito pesadas. O inventor Thomas Edison viu uma oportunidade aí e passou praticamente uma década trabalhando no desenvolvimento de baterias mais leves e duradouras. Em 10 de maio de 1907, Edison registrou uma patente em que descrevia a melhoria de 10% no desempenho de baterias após adicionar 2 g de hidróxido de lítio para cada 100 ml de solução eletrolítica, como conta o jornalista Seth Fletcher em Bottled Lightning: Superbatteries, Electric Cars and the New Lithium Economy (“Relâmpago engarrafado: superbaterias, carros elétricos e a nova economia do lítio”, ainda inédito no Brasil). Não vingou.

Mas uma nova geração de carros elétricos está pronta para provar que o palpite de Edison era profético: até 2020, a consultoria Deloitte estima que os carros elétricos vão representar até um terço das vendas em países desenvolvidos. E esse veículos rodarão com baterias de lítio. A principal vantagem está no peso. Um átomo de lítio pesa 30 vezes menos que o de chumbo. Quando a GM lançou o modelo EV-1, de bateria de chumbo, primeiro carro elétrico produzido em massa por um grande fabricante, em 1996, a bateria pesava 594 kg. E o carro tinha apenas dois lugares – o resto do cockpit era ocupado pela bateria. O EV-1 fracassou, é claro. Hoje, a GM fabrica o Volt, com bateria de lítio de 197 kg, um terço da ancestral, e lugar para quatro pessoas.

Além disso, baterias de lítio são mais eficientes. Mas isso você já sabe desde que começou a usar um celular nos anos 90. De lá para cá, os aparelhos ficaram muitos menores e muito mais potentes. Se não fossem as baterias de lítio, melhoradas ano a ano, sequer existiria iPhone. Smartphones não caberiam no bolso e teriam de ser recarregados a toda hora.

Por tudo isso, o lítio sairá dos bastidores e se tornará um dos protagonistas da economia do século 21, a exemplo do petróleo no século passado. A Sociedad Química y Minera de Chile, uma das maiores (e poucas) produtoras de carbonato de lítio no mundo, prevê um aumento de pelo menos 30% ao ano na demanda do metal, uma escalada que deve dobrar o consumo do minério até 2020 de acordo com um relatório de 2012 da Dahlman Rose, instituição financeira especializada em metais e mineração. O mercado do lítio, que girava US$ 11 bilhões em 2010, deve quadruplicar para US$ 43 bilhões em 2020 de acordo com a David + Company, consultoria especializada em tecnologia. “A grande questão com a qual estamos sendo confrontados é: será que iremos trocar nossa dependência de petróleo pela do lítio?”, pergunta Ona Egbue, pesquisadora da Universidade de Minnesota-Duluth (EUA). Ela desenvolveu, ao lado de outros dois pesquisadores e com financiamento do Departamento de Energia dos EUA, um estudo sobre a cadeia global do lítio. Os dados mostram que o equilíbrio dessa cadeia é frágil e que muitos fatores – geopolíticos, econômicos e até técnicos – podem complicar a produção industrial com base em lítio no futuro. Ona explica que mais de 90% das reservas exploradas hoje estão em apenas quatro países: China, Chile, Argentina e Austrália. “É uma cadeia ainda mais restrita que a do petróleo”, diz.

Coadjuvante versátil

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Apesar de ter acertado no conceito, Edison perdeu a corrida dos combustíveis automotivos para outro grande inventor da época. Em 1912, Charles Kattering deu vida à partida elétrica para carros e aposentou a temida manivela. Por causa de detalhes como esse, o petróleo virou o combustível-padrão dos automóveis. Mas, no século que passou, desde a patente de Edison, o lítio foi um coadjuvante sempre presente. Acreditava-se, por exemplo, que sais de lítio ajudavam a eliminar ácido úrico, e médicos receitavam bebidas com pitadas do metal para uma variedade de situações.

Em 1929, quando a Lei Seca nos Estados Unidos já havia consolidado uma inovadora indústria de bebidas, que, mais tarde, daria origem aos refrigerantes, chegou ao mercado a Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda, que continha citrato de lítio. Era apenas uma das tantas bebidas aditivadas com o elemento, concebida para curar a ressaca, mas a Bib-Label logo trocou de nome para 7-Up Lithiated Lemon-Lemon e deu origem ao 7UP, um dos refrigerantes mais populares do mundo (hoje, sem lítio).Em 1949, o psiquiatra australiano John Cade relatou resultados positivos no uso de lítio para tratar pacientes. Mas o metal passou por um período de má reputação na mesma época depois que várias pessoas morreram de intoxicação por lítio contido em remédios para o coração. Para completar, em 1954, a maior bomba nuclear testada pelos EUA, detonada no atol de Bikini, tinha lítio enriquecido, contribuindo para a fama de elemento perigoso. Com isso, a descoberta de Cade ficou esquecida por décadas.

O metal voltou à moda em 1970, quando as autoridades norte-americanas aprovaram o lítio para uso psiquiátrico – dando razão ao australiano. Havia fundamento, afinal, para o seu uso no alívio da ressaca: ele é eficaz contra distúrbios como a esquizofrenia e o transtorno bipolar. Hoje, está entre os antidepressivos mais confiáveis (um estudo publicado em 2009 mostrou que adição de até 59 mg de lítio na água da torneira reduziu taxas de suicídio em 18 cidades do Japão). O papel econômico psiquiátrico do lítio, no entanto, é praticamente irrelevante. Seu potencial está nas avenidas e nos bolsos dos consumidores.

Ressaca econômica

Desde 2000, o preço do lítio triplicou. A popularização de celulares ajudou nisso, mas são as quantidades utilizadas em tablets, notebooks e automóveis elétricos que ajudam a explicar melhor o boom do metal. Em um celular comum, vai apenas uma pitada de lítio: 1,7 g. Num tablet, 20 g. E são 19,2 kg nas baterias de carro. Ou seja, a expansão da frota elétrica depende de muito lítio, e as preocupações de Ona Egbue se explicam por que o metal, embora abundante e barato, depende de alto investimento inicial para ser extraído. Um dos três elementos primordiais criados minutos após o Big Bang (e terceiro elemento da tabela periódica), ele não é encontrado livre na natureza (apenas associado em coisas como pedras) e pega fogo até em contato com o ar (um dos motivos pelo qual levou tanto tempo desde Thomas Edison para se tornar economicamente viável). Para complicar mais, as maiores jazidas ainda não exploradas do planeta estão em países de turbulento histórico geopolítico: Afeganistão e Bolívia.

Em 2010, o governo dos Estados Unidos identificou grandes depósitos de minerais em solo afegão, um tesouro inicialmente avaliado em quase US$ 1 trilhão. Concentradas principalmente na província de Ghazni, as reservas podem oferecer amplo suprimento de metais, como ferro, cobalto e ouro – além, é claro, muito lítio. Ninguém sabe ao certo quanto lítio existe no Afeganistão, mas todos parecem apostar que não é pouca coisa. O Pentágono, por exemplo, já indicou que Ghazni pode ser a maior fonte de lítio do mundo. O presidente afegão, Hamid Karzai, disse mais de uma vez que seu país será “a capital mundial do lítio”, comparável à Arábia Saudita e suas reservas de petróleo. O atual governo afegão tem incentivado privatizações de estatais ligadas à extração de recursos minerais, numa tentativa de encorajar os investidores. O problema é encontrar quem se arrisque a extrair tanta riqueza de um país de frágeis alicerces políticos e carente de infraestrutura.

O Afeganistão sofre os efeitos da guerra ao terror instituída pelos EUA desde 2001, que causou dezenas de milhares de mortes entre militares e civis, e a retirada das tropas internacionais ainda parece distante. Tudo isso, como era de esperar, mantém os investimentos longe.

Já na Bolívia, estão as maiores jazidas comprovadas de lítio do mundo. Segundo a Agência de Pesquisa Geológica do governo dos EUA, são mais de 9 bilhões de toneladas – um terço do total das reservas dos cinco principais produtores. O governo boliviano é bem mais otimista, falando em até 100 bilhões de toneladas. A fonte de tanta riqueza é o Salar de Uyuni, um espetacular deserto de sal localizado no altiplano ao sul do país. São 12 mil km² de sal a 3.760 metros de altitude, uma enorme fonte de recursos na qual o lítio é a estrela principal. O governo boliviano aposta tanto no lítio que o presidente, Evo Morales, criou um órgão específico para controlar a extração e o tratamento do metal. Mas o processo anda devagar. O plano inicial era retirar lítio de Uyuni em 2009, mas vem sendo adiado.

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Para financiar a extração, os países precisam contar com colaboração externa. A Bolívia já assinou uma parceria comercial com a Holanda em agosto deste ano para a produção de baterias de lítio. Karzai andou oferecendo sua riqueza mineral a países como Japão e China. “A questão é se essa exploração será economicamente viável. Se a Bolívia deseja produzir no futuro, as parcerias precisam ser travadas agora”, diz Ona Egbue. Inclusive com os Estados Unidos, por mais que as relações entre Evo Morales e Barack Obama andem pouco amistosas hoje em dia. Em setembro deste ano, por exemplo, o presidente da Bolívia insinuou que os norte-americanos incentivam guerras no Oriente Médio e que Obama está disposto a invadir “qualquer país” em busca de fontes energéticas. “Um acordo teria potencial positivo para ambos, mas como lidarão com suas divergências?”, diz Ona. Numa irônica reviravolta do destino, o lítio ainda deve provocar muita ressaca.

6 coisas que você não imagina que são feitas com lítio

Graxa lubrificante

Cabines de aeronaves

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Purificador de ar em submarinos e naves espaciais

Combustível propulsor de foguetes

Fogos de artifício

Reatores nucleares

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Quanto lítio?

Pitadas e punhados em produtos populares

Antidepressivo – 0,3 g

Celular comum – 1,7 g

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Smartphone – 2,1 g

Tablet – 20 g
Carro elétrico – 19 kg

Para saber mais

Bottled Lightning: Superbatteries, Electric Cars, and the New Lithium Economy
Seth Flecher, Hill and Wang, 2011

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