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A nova onda do chocolate artesanal

Do cacau ao bombom: ele é a novidade para quem se cansou das barras industrializadas — e já conta com alguns produtores que resolveram botar a mão na massa

Por Mariana Weber
Atualizado em 19 out 2020, 15h35 - Publicado em 20 out 2017, 13h18
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  • Por três anos, Juliana Motter manteve o fantástico puxadinho de chocolate na surdina. Ali, no imóvel de 400 metros quadrados colado à sua loja Maria Brigadeiro, no bairro paulistano de Pinheiros, instalou equipamentos de processamento de cacau desenvolvidos em grandes indústrias – só que em escala minúscula. Com cacau baiano, passou a fazer testes e produzir ingredientes para seus doces, e começou a abrir mão dos importados que costumava usar. Sem alarde. “Chocolate brasileiro sempre foi malvisto”, diz Juliana. A ideia, segundo ela, era só espalhar a notícia quando estivesse segura de ter desenvolvido algo melhor do que poderia comprar fora. Hoje, não só divulga a própria fábrica, como vende tabletes e chocolate em pó. E, depois de surfar na onda brasileira do brigadeiro gourmet, embarca em outra, mundial: a do chocolate bean-to-bar, na qual pequenos produtores fabricam seu próprio chocolate – da torra do grão (“bean”) de cacau à moldagem das barras (“bar”).

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    A tendência transporta para o chocolate algo que já aconteceu em outros campos, como a cerveja e o café. Hoje, há mais gente interessada (e disposta a pagar mais) por produtos feitos a partir de ingredientes melhores, comprados diretamente de quem os cultiva, feitos com métodos que ressaltam sabores únicos: a graça é justamente parar de comer produtos sempre com o mesmo gosto. São consumidores que querem entender a origem e o processo, e talvez até repeti-lo em casa.

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    Tão cheio de nuances quanto o vinho, tão variado quanto a cerveja especial. (Studio Oz/Superinteressante)

    Nos EUA, o movimento ganha força há mais de dez anos – um marco foi a venda da pioneira Scharffen Berger para a Hershey’s em 2005. Hoje o mercado americano conta com cerca de 200 produtores. Em 2015, a Vreeland & Associates, consultoria especializada em pesquisa de mercado no setor de confeitaria, estimou que as cem maiores empresas gerem US$ 100 milhões no nicho bean-to-bar nos EUA – o que é notável, mas ainda representa um quadradinho no tabletão de US$ 20 bilhões das vendas de chocolate no país.

    Perto disso, a onda brasileira é ainda uma marolinha. Recentemente, formou-se a Associação do Chocolate do Cacau à Barra, que em julho promoveu um concurso com 23 produtores. Zélia Frangioni, a organizadora do prêmio e fundadora do site Chocólatras Online, afirma que o movimento brasileiro tem características únicas. “Somos um dos poucos países que têm produção de cacau, condições de fabricar chocolate e um grande mercado consumidor”, diz. O Brasil é o sétimo maior produtor de cacau do mundo (o nº 1 é Costa do Marfim). Zélia contabiliza 40 produtores nacionais, espalhados por todas as regiões do País, e inclui alguns cacauicultores que resolveram botar a mão na massa.

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    Embora o cacau se dê bem em terras brasileiras, o que chamamos de chocolate por aqui quase não é chocolate. As barras que compramos nos supermercados contêm muito açúcar, corante, aromatizante, gordura vegetal alternativa (não manteiga de cacau), e apenas uma pequena proporção de cacau em pó – a legislação exige só 25%, enquanto que os artesanais podem chegar a 70% ou 80%. Quem quer fazer doces especiais no Brasil – como todas as brigaderias e bolerias gourmet – precisa importar o chocolate, geralmente da França ou da Bélgica. Eis o atrativo da onda bean-to-bar: não depender mais de chocolate gringo que, no fundo, pode contar com matéria-prima brasileira.

    Alguns produtores se transformaram em pequenas (e fantásticas) fábricas de chocolate. (Studio Oz/Superinteressante)

    Assim como acontece nas cervejas, o chocolate do pequeno produtor promete alcançar patamares mais elevados que o industrial. A lógica: o (bom) produtor artesanal trabalha com lotes de cacau pequenos, selecionados, e paga mais por eles, acima do valor de commodity. Como paga mais pela matéria-prima, tende a usar manteiga de cacau, para não estragar a mistura jogando gordura barata. Como consequência, vai torrar menos o grão, para manter os aromas e a boa acidez da matéria-prima – e aí não precisa adicionar corantes e aromatizantes. O resultado são chocolates que variam a cada lote – o que, no processo artesanal, é aceitável e desejável. Assim como o vinho, o chocolate passa a ter safra e terroir, as características únicas geradas por fatores como solo, clima e manejo. “É algo totalmente diferente do industrial, que compra cacau de vários lugares do mundo e mistura em busca de uma padronização de sabor”, diz Zélia.

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    Cacau do bom

    Mas dá para ser ainda mais radical do que o bean-to-bar. É o movimento tree-to-bar, que só é possível para quem consegue plantar o próprio chocolate. É o caso de Diego Badaró, da Amma Chocolate Orgânico. Em 2002, ele assumiu algumas terras da família, no sul da Bahia, que costumavam produzir cacau. As plantações, porém, haviam sido abandonadas nos anos 1990 depois do ataque de uma praga. Diego então retomou e aprimorou a produção e, em 2010, começou a fabricar chocolate. Em 2016, produziu 80 toneladas orgânicas, das quais 40% foram exportadas para 16 países. Badaró quer fazer com que o consumidor não associe mais o chocolate com os chalés alpinos, mas com a floresta tropical. “Esse é o caminho: valorizar a terra, a história da barra. Você não vai comprar uva na Califórnia para fazer vinho na França. É a mesma coisa com o cacau”, diz Badaró.

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    De fato, o mercado de chocolate artesanal anda aquecido em países que produzem o fruto, de Honduras ao Vietnã, de Madagascar ao Equador. Quem embarca na onda acredita que o futuro do chocolate é o produto de origem e com preocupações éticas, para se diferenciar dos grandes produtores. Atualmente, 70% do cacau do mundo vem do oeste da África, principalmente da Costa do Marfim e de Gana, onde mais de 2 milhões de crianças trabalham em plantações, segundo um levantamento da Universidade de Tulane, de Nova Orleans.

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    Esqueça o chalé de lareira acesa no meio dos Alpes: o chocolate artesanal quer ser da selva mesmo. (Studio Oz/Superinteressante)

    Segundo Diego Badaró, outra vantagem local é o frescor da matéria-prima, que não precisa navegar em contêineres até chegar à fábrica. “Trabalhamos com o grão muito vivo, cheio de aromas. Se você tem algo tão bom, por que domá-lo e deixá-lo igual ao padrão estabelecido por outros mercados?” Surge daí um estilo tropical de chocolate, com mais acidez e notas sutis – e aparecem também os sabores e aromas únicos do produto, tal qual se encontra no vinho. “Dá para sentir coco, banana, abacaxi, maracujá… E isso vem da fermentação do grão.” Essas variações só ficam evidentes quando uma pessoa – e não dezenas de máquinas – coloca mãos, olhos, boca e ouvidos nos grãos. É o que começa a ser feito agora.

    Chocolate made in casa

    Qualquer pessoa com uma cozinha razoavelmente equipada e um tanto de paciência consegue fazer chocolate em casa. Para isso, você pode encomendar os grãos já fermentados e secos em lojas como a Amma, marca de chocolates artesanais, e em fazendas, como as baianas Camboa, Venturosa e Lajedo do Ouro. Para o preparo, seguimos os passos de Arcelia Gallardo, da Mission Chocolate, que faz (ótimas) barras em uma cozinha de 20 m2, em São Paulo.

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    1. Torrar
    Espalhe os grãos em uma bandeja (melhor se for furadinha). Descarte os quebrados, mofados, grudados, achatados. Leve ao forno aquecido entre 120 oC e 160 oC, de 20 a 30 minutos, mexendo várias vezes durante esse tempo. Se cheirar a chocolate e estalar, você está no bom caminho. Quanto mais torrado, mais fácil será trabalhar o cacau depois (a umidade torna a massa mais grudenta), mas o exagero prejudica o sabor.

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    2. Quebrar
    Espere o grão esfriar bem para facilitar essa etapa. Há dois caminhos para separar a casca dos grãos. Você pode usar um liquidificador no modo “pulsar” por poucos segundos ou ser mais prosaico: enfiar os grãos dentro de um saco plástico e depois bater neles com um pau de macarrão.  O intuito aqui não é triturar, é só dar uma batidinha para que as cascas saiam com facilidade no próximo passo.

    3. Descascar
    Na produção em escala industrial, as máquinas descascam os grãos e os separam da casca com a ajuda de grandes jatos de vento. Você pode trocar tudo isso por um secador ou um ventilador bem potente, que, apontado para os grãos, faça as cascas voarem. Lembre que elas já estarão soltas por causa da quebra. Prepare-se para sujar toda a cozinha. A outra opção é separar as cascas uma a uma com as mãos.

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    4. Moer e misturar

    Essa é a parte mais trabalhosa: quanto mais moídos estiverem os grãos, melhor ficará o chocolate. A boa notícia é que um moedor de café dá conta. Passe o cacau diversas vezes, até obter uma massa uniforme. (O chocolate da foto precisou de duas passadas, mas daria para ficar ainda mais homogêneo.) Não é preciso adicionar gordura, a manteiga do próprio cacau já faz a liga. É aqui que você vai adicionar açúcar (veja acima) ou leite em pó e baunilha.

    5. Temperar

    Você vai precisar de um termômetro para este passo. Aqueça a mistura numa panela até 45-50 oC. Depois, ela precisa ser resfriada e reaquecida para que a manteiga de cacau se estabilize e o chocolate não fique esbranquiçado. Espalhe o chocolate sobre uma superfície de mármore com uma espátula para esfriar até os 28-29 oC. Em seguida, coloque-o em uma tigela em banho-maria até voltar aos 31-32 oC.

    6. Moldar

    Depois que o chocolate estiver reaquecido, é hora de ser criativo. Coloque a pasta em fôrmas de bombom ou de tablete e deixe a mistura por cerca de 20 minutos na geladeira. (Tente tirar alimentos com cheiro forte da geladeira, porque o chocolate pega os aromas ao redor.) Depois, é só embalar. Ou comer.

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