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É fogo

Meio milhão de anos de uso ainda não nos ensinaram todos os segredos das chamas. Hoje os cientistas recorrem ao laser para que as fogueiras da civilização industrial custem menos e façam menos poluição. Pesquisam-se também novas técnicas contra incêndios.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 29 fev 1988, 22h00

Ricardo Bonalume Neto

O primeiro homem pré-histórico a entrar numa caverna com uma tocha nas mãos deu um dos mais importantes passos da humanidade. Provavelmente, era um Homo erectus, o ancestral imediato do homem moderno, o Homo sapiens. A tocha nas mãos do senhor erectus, presume-se, veio de um raio que queimou uma árvore. Foi uma glória: a chama iluminou e aqueceu o ambiente, afugentou os animais ferozes, deu origem ao costume do churrasco. Meio milhão de anos depois, o fogo movimentaria os reatores do foguete Saturno V que levou o homem à Lua, em 1969. Mas, por maiores que tenham sido as proezas tecnológicas desde a antiquíssima primeira tocha até a presente era espacial, um paradoxo permanece: o homem ainda não conhece o fogo o suficiente para usá-lo como deveria. O fogo ajudou como nenhum outro invento ou descoberta a construir a civilização, mas o preço de seu uso inadequado está ficando alto. A maior parte da poluição do planeta, por exemplo, é conseqüência direta ou indireta da queima de combustíveis. O homem define hoje a combustão como uma reação química entre substâncias, envolvendo geralmente oxigênio, gerando calor e às vezes acompanhada por emissão de luz na forma de uma chama. Mas saber isto ainda não é o suficiente para permitir uma utilização mais racional do fogo. O Homo erectus já usava fogo há pelo menos 500 mil anos, mas não há indícios de que soubesse fazê-lo: por incrível que pareça, durante centenas de milênios os ancestrais do homem se limitavam a aproveitar o fogo encontrado na natureza, sem ter a menor idéia de como produzi-lo. Isso só aconteceu há cerca de 7 mil anos antes de Cristo, segundo achados fósseis na Europa, portanto já no período neolítico (ou “da pedra polida”). Provavelmente, o primeiro fazedor de fogo deve ter observado uma faísca produzida pelo atrito entre duas pedras ou pedaços de madeira. Para reproduzir o fenômeno, o homem pré-histórico deve ter experimentado com diferentes tipos de pedra, até se decidir pelas melhores, como o sílex e as piritas achadas em escavações arqueológicas. Essa primeira pesquisa talvez tenha sido o que se poderia chamar atividade científica inaugural do homem — e o resultado, sua conquista tecnológica básica. Não foi um passo simples, como se vê pelo fato de que nem todos os povos primitivos sabiam como fazer o fogo. Os nativos das ilhas Andaman, perto da Índia, e algumas tribos de pigmeus do Congo, na África, por exemplo, jamais conseguiram acender uma fogueira sem partir de uma brasa anterior. Acabaram aprendendo com outros povos. Hoje em dia, os cientistas ainda tratam de aprender os segredos mais íntimos fogo. Os herdeiros dos fazedores de fogo do neolítico usam sondas de raio laser para penetrar no coração das chamas. As reações químicas ali acontecem muito rapidamente, mas graças a equipamentos sofisticados é possível analisar o que se passa em frações de segundo em locais precisos. Quem já fez uma fogueira sabe que existem modos melhores e piores de dispor a lenha e que existem madeiras que fazem menos ou mais fumaça. No fundo, o que os cientistas querem é descobrir os melhores modos de fazer as muitas fogueiras da civilização industrial: dos altos-fornos das siderúrgicas aos motores de combustão interna dos automóveis. Além disso, procuram descobrir os melhores modos de apagar essas fogueiras quando necessário. Na pesquisa com o fogo, a tecnologia está intimamente relacionada à pesquisa pura. A meta fundamental é queimar com eficiência — o que significa menor custo. Assim, com o mesmo volume de combustível, um carro pode ir mais longe e, para uma indústria, 1 por cento a mais de aproveitamento em milhares de toneladas de combustível pode significar a diferença entre ter lucro ou ficar no vermelho. Eficiência na combustão também quer dizer menos subprodutos poluentes — ou seja, queimar direito é uma questão de saúde pública. Outra linha de pesquisa importante diz respeito ao combate e, se possível, à prevenção de incêndios. Já se sabe que é vital o tamanho das gotas de água em um sistema automático anti-fogo. Gotas pequenas demais podem não chegar ao combustível, pois as labaredas e as correntes de ar que elas criam tendem a vaporizá-las e afastá-las. Mas, combinando essas gotículas com outras maiores que cheguem à base do fogo, tem-se uma boa solução para incêndios em salas fechadas. As gotas maiores atacam as chamas e as menores ajudam a esfriar o ambiente. Para haver combustão três coisas são necessárias: um combustível, um oxidante e uma fonte de ignição para começar a reação. Mas isto é apenas o começo da história. O primeiro problema é que o mundo não é perfeito: a natureza teima em se comportar de maneira extravagante, e como os cientistas não podem brigar com os fatos precisam tentar desvendá-los do jeito que são. Tome-se um gás combustível como o metano, com um átomo de carbono e quatro de hidrogênio em cada molécula. Em uma reação de combustível, ideal, cada uma dessas moléculas se combinaria com duas de oxigênio. O resultado, também ideal, seria uma molécula de gás carbônico ou dióxido de carbono (o gás dos refrigerantes) e duas de água. Porém, como não é possível promover um encontro perfeito entre todos os reagentes, os resultados podem variar bastante. Com menos oxigênio do que o ideal, por exemplo, forma-se o venenoso monóxido de carbono, expelido pelos carros, ônibus e caminhões, em lugar do dióxido de carbono. Junta-se a essa imperfeição os combustíveis mais usados pelo homem e os resultados podem ser ainda mais desconcertantes. Se nem sempre onde há fogo há fumaça, sempre que há fumaça há fogo — só que a fumaça não deveria estar ali. Ela é sempre um subproduto extremamente indesejável. Mas é difícil evitá-la, pois a maior parte dos combustíveis é composta de hidrocarbonetos, constituídos por carbono e hidrogênio. E a fuligem consiste em longas cadeias de átomos de carbono, que se recusam a queimar e poluem o ambiente. Fornos, incineradores, motores de combustão interna carros, aviões e navios também lançam ao ambiente óxidos de nitrogênio. Por sua vez, o óleo combustível queimado nas indústrias costuma conter enxofre — e outro subproduto indesejável é o dióxido de enxofre. A famosa “chuva ácida” é o resultado dessa poluição. Os ácidos sulfúrico e nítrico caem do céu sobre florestas, montanhas e cidades com graves conseqüências para a natureza e a vida humana. É por isso que nos Estados Unidos o óleo combustível só pode ter 0,72 por cento de enxofre. No Brasil, porém, óleos com teores entre 5 e 6 por cento são a norma. Os brasileiros também inovam em outro tipo de poluição. Com a queima de álcool de cana como combustível de veículos, uma nova classe de poluentes, os aldeídos, está sendo lançada na atmosfera. E suas conseqüências ainda não foram suficientemente estudadas. O fogo é um fenômeno que interessa a físicos, químicos, matemáticos e até a economistas. Além das reações químicas previstas — sem falar das imprevistas —, acontecem também numa chama processos físicos como transporte de massa e energia, a difusão de calor e a emissão de radiação. Um dado importante que permite descobrir mais sobre uma chama é justamente a emissão de radiação luminosa. A cor da chama — uma combinação de temperatura com o tipo de elemento queimado — proporciona uma maneira de sondar o que está acontecendo na aparente confusão das labaredas. A análise espectral, ou o estudo da luz emitida por uma substância, permite identificar os elementos que a compõem. Cada substância, ao queimar, causa uma chama de cor característica. O cobre, por exemplo, causa uma chama esverdeada; o sódio dá uma chama amarela. É nisso que se baseiam os fabricantes de fogos de artifício para proporcionar os espetáculos de multicolorida beleza. Descobertas pioneiras na área da espectroscopia foram realizadas por um químico e um físico trabalhando juntos — os alemães Robert Bunsen (1811-1899) e Gustav Robert Kirchhoff (1824-1887). Com os métodos espectroscópicos é possível determinar até a composição química das estrelas basta analisar a luz que emitem. Quando o calor excita os átomos da substância que está queimando, o resultado é a luz. E quando um feixe de luz como o laser — intenso, de uma só cor — atravessa a chama, ele dá uma trombada nas moléculas que estiverem no caminho. A colisão ocorre em frações de segundo e o resultado é um espalhamento de luz, tão minúsculo que só é detectável por um espectroscópio ultra-sensível. Mas essa pequena perturbação serve para identificar que molécula era aquela, precisamente. O fundamento teórico dessas sondas de laser é um efeito descoberto pelo físico indiano Chandrasekhar Vankata Raman (1888-1970), Prêmio Nobel de Física de 1930. O efeito Raman acontece quando uma luz monocromática, como o laser, atravessa um composto químico. Parte da luz, com a trombada, difunde-se em outras direções. E uma parte dessa luz desviada sofre modificação de freqüência, ou seja, muda de cor. Com essas técnicas é possível ir mapeando uma chama, ver quais são as áreas mais quentes e mais frias, por exemplo. Na chama de uma vela, a região próxima ao pavio não é tão quente a ponto de queimar a cera, mas é ali que esta se transforma em gás. O que queima efetivamente é o gás e sua produção constante alimenta a chama. Pois só há combustão quando há gás. Mesmo quando um líquido está queimando, o que ocorre é sua transformação em gás e a queima do gás. Outra técnica envolve o uso de três feixes de laser que convergem para a chama, formando um novo feixe que será “lido” por espectroscópios e computadores sofisticados. As sondas de laser têm ajudado a enfrentar o problema dos poluentes de automóveis. Nos laboratórios Sandia, vinculados ao Departamento de Energia dos Estados Unidos, feixes de laser foram usados para vasculhar as entranhas de motores de automóveis a fim de localizar as áreas problemáticas. Constatou-se que em certas reentrâncias o combustível como que se escondia do oxigênio do ar. Embora gaseificado pelo calor da câmara de reação, o combustível escondido não entrava em combustão e acabava expelido na atmosfera pelo escapamento. Como resultado dessas pesquisas, os motores têm sido redesenhados para eliminar eventuais esconderijos de combustível. Mas não é só a busca das melhores maneiras de queimar combustíveis que preocupa a ciência. Um aspecto da pesquisa com combustão igualmente importante — por óbvios motivos — é saber como evitar que as coisas peguem fogo. Até hoje não se entende direito o que acontece durante um incêndio numa floresta, por exemplo. Como se dá a realimentação do fogo? Como o ar se mistura com o combustível? Como um incêndio se propaga numa sala, em um edifício, em um avião? Os laboratórios Sandia têm instalações no deserto, no Estado do Novo México, nos EUA, para estudar incêndios. O americano Walter Gill trabalhou ali e hoje está no Laboratório de Combustão e Propulsão do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) em Cachoeira Paulista, São Paulo, o maior centro brasileiro de pesquisa na área. Gill seus colegas do Sandia queimavam tudo que podiam, de caminhões a vagões de trem. E o que não podiam queimar, como um porta-aviões, era objeto de simulações matemáticas. Um navio desses é um verdadeiro barril de pólvora flutuante, repleto de gasolina de aviões, bombas, mísseis e aviões carregados com tudo isso. Um porta-aviões japonês teve um destino particularmente terrível na Segunda Guerra: o Taiho foi atingido por um torpedo, que causou pouco estrago pois o navio era blindado. Mas foi o suficiente para romper um tanque de gasolina, que se evaporou. Para eliminar os gases, o capitão do Taiho ordenou que se ligasse o sistema de ventilação. A resultante mistura de ar com combustível só precisou de uma faísca para explodir o navio. Um dos segredos da boa combustão é ter uma mistura bem-feita de oxigênio com combustível. E, quanto menor o tamanho das unidades do combustível, maior será sua superfície de contato com o ar e mais rápida a queima. Assim, se uma bolinha de madeira leva 1 segundo para queimar, uma bolinha dez vezes menor vai levar apenas 1 centésimo de segundo para completar a reação. Um pedaço de madeira queima muito mais lentamente que a mesma quantidade de serragem e é por isso que ocorrem explosões em serrarias quando há muito pó no ar. O mesmo pode acontecer com pó de carvão em minas. Uma das mais surpreendentes pesquisas do laboratório no deserto do Novo México valeu-se de madeira e carvão para proteger — sim, proteger — do fogo um pacote de material radiativo. A embalagem protetora do material foi feita para resistir a quedas de avião seguidas de incêndio. Trata-se de uma cápsula de titânio, material resistente mecanicamente, envolto por madeira recoberta de aço inoxidável. A madeira serve para absorver o impacto da queda, mas com o calor ela se torna carvão. O carvão não pega fogo, pois falta oxigênio para isto, já que ele está dentro do invólucro de aço. Abrigado do oxigênio que o faria entrar em combustão, o carvão termina por servir como isolante térmico do material radiativo; como é poroso, os espaços de ar nos poros impedem a transmissão de calor. O laboratório brasileiro de Cachoeira Paulista também está começando a recorrer ao laser para o estudo da combustão. Os pesquisadores têm um laser de feixe vermelho instalado para estudar o tamanho das gotas de combustível dos motores que servirão a foguetes e satélites. As gotas são atropeladas pelo feixe de luz, que passa por um complicado sistema de lentes; com isso elas causam uma diminuição da energia incidindo nos sensores fotoelétricos. Conforme o tamanho da gota, a energia contada pelos sensores será menos ou mais intensa. O pesquisador responsável pela instalação desse laser, o físico Jerônimo dos Santos Travelho, trabalhou nos Estados Unidos no estudo da fuligem de propelentes e tem um doutorado em combustão. Outro aspecto importante para o desenvolvimento de motores de engenhos especiais é a instabilidade da combustão, um efeito indesejado numa câmara de reação de um motor. Pesquisas sobre instabilidade também são feitas pelo pessoal do lNPE em combustores de resíduo asfáltico, um subproduto do petróleo, da madeira ou do carvão. Tubos de amostragem retiram os gases e os enviam aos equipamentos de análise, onde se vê até que ponto foi completa a queima. Isto permite evitar combustão imperfeita em motores de foguetes, que precisam funcionar impecavelmente. Qualquer alteração no processo pode afetar a trajetória do veículo. As experiências com queima de propelentes nos laboratórios do INPE se realizam em instalações protegidas. Mas acidentes acontecem. O teto da sala de testes tem um rombo de 30 centímetros por onde passou uma tampa metálica que não fora convenientemente atarraxada durante uma experiência com um propelente sólido. Do tamanho de um lápis, o combustível foi suficiente para arremessar a tampa a cerca de 2 mil metros de altura, segundo calculou o chefe do laboratório, o engenheiro e também doutor em combustão, João Andrade Alexandre de Carvalho Júnior. As explosões ou detonações não passam de combustões aceleradas — o que se sabe pelo menos desde 1866, quando o sueco Alfred Nobel inventou a dinamite. Apesar da natureza das suas pesquisas, nem Walter Gill nem João Andrade se chamuscaram até agora. Como diz o americano, “a gente trata os incêndios com respeito depois de ver o que eles podem fazer”.

Algo no ar está queimando

O que é o fogo? As tentativas de responder a essa pergunta ajudaram a modelar o próprio desenvolvimento da ciência. O fogo aparece na Grécia antiga como um dos quatro elementos de que o Universo seria formado. O filósofo Empédocles (490-430 a.C.) dizia que todas as substâncias eram formadas por terra, água, ar e fogo em diferentes combinações. Cada um desses elementos constituía um “princípio” geral e não se confundia com água, ar, terra e fogo propriamente ditos. Outra noção grega para explicar o fogo — a presença de um princípio inflamável nos materiais combustíveis — mais tarde seria aperfeiçoada na teoria do “flogístico” ou fogo-princípio. Segundo a teoria desenvolvida pelo químico alemão Georg Ernest Stahl (1660-1734),um fluido escapa dos corpos durante sua queima, como se fosse uma “alma”. Hoje é fácil rir de uma teoria como essa. Mas ela se ajustava perfeitamente aos fatos conhecidos na época. Quem a demoliu foi o francês Antoine-Laurent de Lavoisier (1743-1794). A primeira dica para a ciência chegar ao conceito moderno de combustão tinha surgido em 1665. Nesse ano, o inglês Robert Kooke (1635-1703) concluiu que devia haver algo no ar essencial à combustão — e que se consumia no processo de queima. Esse algo, descobriu-se depois, é o oxigênio. Na definição moderna, o oxigênio cedeu lugar ao conceito mais amplo de oxidação, isto é, qualquer reação em que átomos perdem elétrons, tornando-se oxidados (o contrário, ganhar elétrons, chama-se redução). De fato, a combustão muitas vezes é o resultado da oxidação das substâncias. Foi Lavoisier quem inventou o nome oxigênio para o gás fundamental à reação, mas quem o descobriu foi o inglês Joseph Priestley (1733-1809). Priestley verificou que o gás intensificava a chama de uma vela e permitia a ratos permanecerem mais tempo sem perder os sentidos numa câmara fechada. O cientista chamou seu ar de “ar deflogisticado”. Já Lavoisier preferiu atribuir os resultados a um gás presente no ar — no que estava certo. Priestley e Lavoisier chegaram a trabalhar juntos, mas a colaboração terminou logo, dadas as diferentes interpretações que tinham para o fenômeno da combustão. Não era essa a única diferença entre ambos. Priestley era um liberal: defendia a independência dos Estados Unidos e apoiava a Revolução Francesa. Acabou vítima da combustão — conservadores incendiaram seu laboratório e ele acabou por se mudar para os Estados Unidos. Lavoisier era monarquista e tinha o problema oposto — era perseguido pelos revolucionários franceses. Em 1794 foi guilhotinado. Antes de ser decapitado, conseguiu eliminar o flogístico dos livros de ciências. Ele pesava cuidadosamente os combustíveis, media os volumes de gases, checava os resultados. Verificou, por exemplo, que o fósforo e o enxofre queimados aumentavam de peso. E também que determinada parcela do ar atmosférico não provocava a queima — tratava-se do nitrogênio, que depois ele chamaria de azoto, ou “sem vida”. Lavoisier havia enunciado um dos princípios fundamentais da Química, a Lei da Conservação das Massas — a soma da massa dos reagentes é igual à soma da massa dos produtos. Ou, na frase clássica, “na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”.

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Histórias de abrasar

A cada 52 anos os astecas apagavam todos os seus fogos. Um nova chama era então acesa e mantida sobre o peito de um prisioneiro — ardente homenagem ao deus Xiuhtecuhtli. Mais ao sul, na América pré-colombiana, no que viria a ser o Peru, o deus Pachacamac também recebia dos incas sacrifícios humanos. Os cruéis Xiuhtecuhtli e Pachacamac tinham em comum algo existente em praticamente todo canto da Terra — eram divindades do fogo, temidos e venerados na proporção das colossais dificuldades enfrentadas pelo homem primitivo até apropriar-se do fogo. Os gregos tinham dois deuses para o fogo e aquela que se tornaria a lenda mais conhecida no Ocidente sobre sua aquisição. A deusa Héstia simbolizava o fogo doméstico, as lareiras das casas que protegia. Lareira, por sinal, deriva de lar — o aconchegante lugar da casa onde se acendia o fogo. O outro deus era Hefastos, responsável pela tecnologia do fogo: forjava os raios de Zeus, o maior dos deuses. Hefastos era tão importante embora não fosse nenhum Apolo, ganhou como esposa ninguém menos que Afrodite, a deusa da beleza e do amor. Os gregos, como se vê, não brincavam com fogo. E quando o herói Prometeu roubou de Zeus o fogo que ele havia tirado dos homens, o grande deus ficou uma brasa — amarrou Prometeu numa montanha, onde uma águia vinha todos os dias bicar-lhe o fígado. O que Héstia era para os gregos, Vesta era para os romanos: virgem e pura (a pureza sempre foi associada ao fogo, purificador dos pecados), devia ser imitada por suas sacerdotisas, as vestais, que tinham por obrigação manter o fogo sagrado e estavam proibidas de namorar. Na Índia, a deusa do fogo e do lar era homem — Agni, a quem se faziam sacrifícios humanos. O bárbaro costume de cremar as viúvas, que persistiu ali até há bem pouco tempo, provavelmente é aparentado aos sacrifícios ao deus Agni. Na Bíblia, o fogo aparece a toda hora, muitas vezes como instrumento da ação de Javé — que por sinal se apresentou em chamas a Moisés no Sinai. Nos dias santos, os judeus religiosos antigamente não faziam fogo; hoje, não acendem a luz. Já os cristãos acendem lâmpadas votivas e velas em grande quantidades e ainda queimam incenso. O fogo chegou aos índios brasileiros na lenda dos bororos de Mato Grosso sobre o pajé que ousou roubar a chama do Sol. Como punição. virou japu, um pássaro que por isso mesmo tem o bico vermelho. Em outras latitudes, há lendas mais complicadas. Num mito finlandês, o fogo surge da espada de um deus, passa a pertencer a uma divindade do ar, cai num lago, onde é engolido por uma truta, depois por um salmão que come a truta e, enfim, por um lúcio. Esse último peixe é pescado por um herói, que liberta o fogo e o dá aos homens.

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Para saber mais:

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Ciência e magia dos fogos de artifício

(SUPER número 12, ano 4)

Bruxas: as mulheres em chamas

(SUPER número 2, ano 7)

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